Tua Carta
A carta que escreveste é a oração que repito
todas as noites, sempre, antes de me deitar,
Ă hora em que abro a janela ao azul do infinito
e me ausento de tudo… e me esqueço a sonhar…Eu, descrente da terra e dos homens, descrente
mais ainda dos céus, com bem maior razão,
murmuro a tua carta religiosamente
pois fiz do teu amor a minha religiĂŁo…Tua carta, nem sei… releio-a a todo instante,
ela acende em meus olhos tristes alegrias
e me faz esquecer que te encontras distante…Paradoxos talvez, mentiras!… NĂŁo te esqueço
se toda noite assim ( hĂĄ nĂŁo sei quantos dias ),
com teu nome em meus lĂĄbios… rezando adormeço!…
Sonetos sobre Mentira
33 resultadosPost Coitum Animal Triste
Em ti o poema, o amplo tecido da ĂĄgua ou a forma
do segredo. Outrora conheceste a margem abandonada
do desejo, a sua extensĂŁo e principias a entregar
os vasos alongados para receberes as mĂŁos das chuvas.Apagaram-se junto dos teus olhos as praias, as ĂĄrvores
que se ergueram um dia sobre as estradas romanas,
o vestĂgio dos Ășltimos peregrinos, aves nuas
que jĂĄ desceram, cansadas, pelo interior do teu peito.Uma voz, no silĂȘncio calmo das ĂĄguas, esquece
a mentira das primeiras colheitas, onde os nossos gestos
perderam os sorrisos ou o orvalho que os cerca.Serenamente, começaram a fechar-se os sonhos de Deus
no interior de novos frutos e, abandonado, fico
junto do teu corpo, onde principia a sombra deste poema.
Autobiografia
Estive convosco em muitas palavras.
Algumas levaram-me ainda mais perto.
Com outras fiquei apenas mais sĂł.De muitas nĂŁo vi que rosto as guardava.
Por outras me dei a quem nĂŁo pedia.
Onde foram mentira alguém me faltava.
Mas todas cumpri por quem me cumpria.E passaram ardendo em novos combates,
cobriram silĂȘncios, provaram mistĂ©rios,
fizeram amigos que nunca terei.Por serem verdade me trazem aqui.
E quando as sonhais na vossa esperança,
Um irmĂŁo me procura por entre as cidades
com todos os rostos que perdi.
Benedicite
Bendito o que na terra o fogo fez, e o teto
E o que uniu Ă charrua o boi paciente e amigo;
E o que encontrou a enxada; e o que do chĂŁo abjeto,
Fez aos beijos do sol, o oiro brotar, do trigo;E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto
Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo;
E o que os fios urdiu e o que achou o alfabeto;
E o que deu uma esmola ao primeiro mendigo;E o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano,
E o que inventou o canto e o que criou a lira,
E o que domou o raio e o que alçou o aeroplano…Mas bendito entre os mais o que no dĂł profundo,
Descobriu a Esperança, a divina mentira,
Dando ao homem o dom de suportar o mundo!
Conversação Doméstica Afeiçoa
Conversação doméstica afeiçoa,
ora em forma de boa e sĂŁ vontade,
ora de ĂŒa amorosa piedade,
sem olhar qualidade de pessoa.Se despois, porventura, vos magoa
com desamor e pouca lealdade,
logo vos faz mentira da verdade
o brando Amor, que tudo em si perdoa.NĂŁo sĂŁo isto que falo conjecturas,
que o pensamento julga na aparĂȘncia,
por fazer delicadas escrituras.Metido tenho a mĂŁo na consciĂȘncia,
e nĂŁo falo senĂŁo verdades puras
que me ensinou a viva experiĂȘncia.
Fui Gostar De VocĂȘ
“Fui Gostar de VocĂȘ”
I
Fui gostar de vocĂȘ, – isso foi quando
julguei que ainda podia ser feliz. . .
IlusĂŁo!… Hoje as pedras vou tirando
do castelo de amor que eu mesmo fiz…Conformo-me no entanto, – mesmo estando
como estou, da loucura, por um triz…
E procuro do peito ir apagando
a cor de um vulto de mulher que eu quis…Quanto sonho fatal! Quanta cegueira
fez com que eu me iludisse com as safiras
de uns olhos lindos de mulher brejeira…Fui gostar. . . e gostei … Sofri portanto
ao descobrir as mĂșltiplas mentiras
que eram do amor o seu supremo encanto
Se AlgĂŒ’hora Em VĂłs A Piedade
Se algĂŒ’hora em vĂłs a piedade
de tĂŁo longo tormento se sentira,
nĂŁo consentira Amor que me partira
de vossos olhos, minha saĂŒdade.Apartei me de vĂłs, mas a vontade,
que pelo natural n’alma vos tira,
me faz crer que esta ausĂȘncia Ă© de mentira;
mas inda mal, porém, porque é verdade.Ir me hei, Senhora; e, neste apartamento,
tomarão tristes lågrimas vingança
nos olhos de quem fostes mantimento.E assi darei vida a meu tormento;
que, enfim, cå me acharå minha lembrança
sepultado no vosso esquecimento.
Aquela que Cantei na Doce Lira
Aquela que cantei na doce lira,
Que jĂĄ do Tempo estragos tem sentido,
Inda veio, com seu garbo fingido,
Tentar meu coração, que em paz respira.Mas, qual duro rochedo que não vira,
Por mais que o bata o mar enfurecido,
Assim firme fiquei, no meu sentido,
Vendo o cepo enfeitado da Mentira.Encarei-o com dor, mas sem transporte,
Pois de meus longos anos na carreira
Jå do Tempo sofri, também, o corte.Pensando na minha hora derradeira,
Eu vi sĂł entre nĂłs sentada a Morte,
E ao pé de uma caveira, outra caveira.
Idealismo
Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor da Humanidade Ă© uma mentira.
Ă. E Ă© por isto que na minha lira
De amores fĂșteis poucas vezes falo.O amor! Quando virei por fim a amĂĄ-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
Ă o amor do sibarita e da hetaĂra,
De Messalina e de Sardanapalo?!Pois Ă© mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
– Alavanca desviada do seu fulcro –E haja sĂł amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!
à Tranças De Que Amor PrisÔes Me Tece
à tranças de que Amor prisÔes me tece,
Ă mĂŁos de neve, que regeis meu fado!
à tesouro! à mistério! à par sagrado,
Onde o menino alĂgero adormece!Ă ledos olhos, cuja luz parece
TĂȘnue raio de sol! Ă gesto amado,
De rosas e açucenas semeado,
Por quem morrera esta alma, se pudesse!Ă lĂĄbios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcĂssimos favores
Talvez o prĂłprio JĂșpiter suspira!Ă perfeiçÔes! Ă dons encantadores!
De quem sois? Sois de VĂȘnus? – Ă mentira;
Sois de MarĂlia, sois dos meus amores.
Amor De Mentiras
“Amor… De Mentiras…”
II
Eram brancas as mĂŁos, brancas e puras,
mĂŁos de lĂŁ, de pelĂșcia, mĂŁos amadas…
Como prever, vendo-as fazer ternuras,
que nas unhas traziam emboscadas ?Era tĂŁo doce o olhar… em conjeturas
felizes, e em promessas impensadas…
Como enxergar, portanto, as amarguras
e as frias traiçÔes nele guardadas ?Como pensar em duas, se somente
uma eu tinha em meus braços, e adorava,
e a outra, – uma impostora, – se mantinha ausente.E, afinal, como ver, nessa alegria,
que o amor que tanta Vida me ofertava
seria o mesmo que me mataria ?
Vénus
I
Ă flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda…
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razĂŁo se perde!PĂștrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.O seu esboço, na marinha turva…
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pĂ©s atrĂĄs, como voando…E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co’a salsugem.II
Singra o navio. Sob a ĂĄgua clara
VĂȘ-se o fundo do mar, de areia fina…
_ ImpecĂĄvel figura peregrina,
A distĂąncia sem fim que nos separa!Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparĂȘncia luminosa
Repousam, fundos, sob a ĂĄgua plana.E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrågios, perdiçÔes, destroços!
_ Ă fĂșlgida visĂŁo, linda mentira!RĂłseas unhinhas que a marĂ© partira…
Dentinhos que o vaivĂ©m desengastara…
Estio
SaĂ da Primavera, entrei no Estio
Das fogosas funçÔes da mocidade.
Nesta estação louçã da minha idade,
Entreguei-me às paixÔes, com desvario.Qual cavalo rinchão, solto com cio,
Saltei desenfreado em liberdade:
Fui escravo da cega divindade
Que tem do cego mundo o senhorio.Largos anos servi tĂŁo falso Nume;
Consagrei-lhe, servil, os sons da lira
Acesa em labaredas do seu lume.Em cĂąmbio de o cantar, deu-me a Mentira,
O engano, a ingratidĂŁo, o vil ciĂșme:
Que paga de o servir o homem tira!