Sonetos sobre Ouro de Olavo Bilac

7 resultados
Sonetos de ouro de Olavo Bilac. Leia este e outros sonetos de Olavo Bilac em Poetris.

I

Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar iluminada
Entre as estrelas trêmulas subia
Uma infinita e cintilante escada.

E eu olhava-a de baixo, olhava-a… Em cada
Degrau, que o ouro mais límpido vestia,
Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada,
Ressoante de súplicas, feria…

Tu, mãe sagrada! vós também, formosas
Ilusões! sonhos meus! íeis por ela
Como um bando de sombras vaporosas.

E, ó meu amor! eu te buscava, quando
Vi que no alto surgias, calma e bela,
O olhar celeste para o meu baixando…

Benedicite

Bendito o que na terra o fogo fez, e o teto
E o que uniu à charrua o boi paciente e amigo;
E o que encontrou a enxada; e o que do chão abjeto,
Fez aos beijos do sol, o oiro brotar, do trigo;

E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto
Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo;
E o que os fios urdiu e o que achou o alfabeto;
E o que deu uma esmola ao primeiro mendigo;

E o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano,
E o que inventou o canto e o que criou a lira,
E o que domou o raio e o que alçou o aeroplano…

Mas bendito entre os mais o que no dó profundo,
Descobriu a Esperança, a divina mentira,
Dando ao homem o dom de suportar o mundo!

Vila Rica

O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre;
Sangram, em laivos de ouro, as minas, que ambição
Na torturada entranha abriu da terra nobre:
E cada cicatriz brilha como um brasão.

O ângelus plange ao longe em doloroso dobre,
O último ouro de sol morre na cerração.
E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre,
O crepúsculo cai como uma extrema-unção.

Agora, para além do cerro, o céu parece
Feito de um ouro ancião, que o tempo enegreceu…
A neblina, roçando o chão, cicia, em prece,

Como uma procissão espectral que se move…
Dobra o sino… Soluça um verso de Dirceu…
Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove.

XX

Olha-me! O teu olhar sereno e brando
Entra-me o peito, como um largo rio
De ondas de ouro e de luz, límpido, entrando
O ermo de um bosque tenebroso e frio.

Fala-me! Em grupos doudejantes, quando
Falas, por noites cálidas de estio,
As estrelas acendem-se, radiando,
Altas, semeadas pelo céu sombrio.

Olha-me assim! Fala-me assim! De pranto
Agora, agora de ternura cheia,
Abre em chispas de fogo essa pupila…

E enquanto eu ardo em sua luz, enquanto
Em seu fulgor me abraso, uma sereia
Soluce e cante nessa voz tranqüila!

XXVI

Quando cantas, minh’alma desprezando
O invólucro do corpo, ascende às belas
Altas esferas de ouro, e, acima delas,
Ouve arcanjos as cítaras pulsando.

Corre os países longes, que revelas
Ao som divino do teu canto: e, quando
Baixas a voz, ela também, chorando,
Desce, entre os claros grupos das estrelas.

E expira a tua voz. Do paraíso,
A que subira ouvíndo-te, caído,
Fico a fitar-te pálido, indeciso…

E enquanto cismas, sorridente e casta,
A teus pés, como um pássaro ferido,
Toda a minh’alma trêmula se arrasta.

XXVII

Ontem – néscio que fui! – maliciosa
Disse uma estrela, a rir, na imensa altura:
“Amigo! uma de nós, a mais formosa
“De todas nós, a mais formosa e pura,

“Faz anos amanhã… Vamos! procura
“A rima de ouro mais brilhante, a rosa
“De cor mais viva e de maior frescura!”
E eu murmurei comigo: “Mentirosa!”

E segui. Pois tão cego fui por elas,
Que, enfim, curado pelos seus enganos,
já não creio em nenhuma das estrelas…

E – mal de mim! – eis-me, a teus pés, em pranto…
Olha: se nada fiz para os teus anos,
Culpa as tuas irmãs que enganam tanto!

A Sesta De Nero

Fulge de luz banhado, esplêndido e suntuoso,
O palácio imperial de pórfiro luzente
E mármor da Lacônia. O teto caprichoso
Mostra, em prata incrustado, o nácar do Oriente.

Nero no toro ebúrneo estende-se indolente…
Gemas em profusão do estrágulo custoso
De ouro bordado vêem-se. O olhar deslumbra, ardente,
Da púrpura da Trácia o brilho esplendoroso.

Formosa ancila canta. A aurilavrada lira
Em suas mãos soluça. Os ares perfumando,
Arde a mirra da Arábia em recendente pira.

Formas quebram, dançando, escravas em coréia.
E Nero dorme e sonha, a fronte reclinando
Nos alvos seios nus da lúbrica Popéia.