Sonetos sobre Pena

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Sonetos de pena escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Língua Portuguesa

Da avena dos pastores, da harmonia
Que o vento imprime às palmas das palmeiras,
Do bramido do mar e das cachoeiras,
Da voz que impreca à voz que balbucia;

Do sol que fala quando nasce o dia,
Do luar que enche de unção as cordilheiras,
Vem este claro idioma, que é poesia
E alma das gentes luso-brasileiras.

Rumor de asas de abelha, um ruído apenas…
Doce afago de arminhos e de penas,
Perdão, queixume, lágrima, reclamo,

Ou grito estuante de alma incompreendida,
Do desgraçado: “Eu te condeno, ó vida!”
Do poeta que sofreu: “Ó vida, eu te amo!”

Uma Palavra

Meu canto busca sempre uma palavra
que seja companheira na canção
da minha voz que canta e se declara:
viver a vida inteira de emoção.

Uma palavra só não se prepara
puxando outra palavra sem razão
na vida que se encanta e se dispara
no claro tiro cego de paixão.

Viver a arte que procura ver
os lábios desbotados da linguagem
deixando a claridade me envolver

no sopro que me leva na paisagem
amaciando a pena ao escrever
teu nome, meu amor, minha viagem

Que o Rudo Engenho Meu me Desengana

De tão divino acento em voz humana,
De elegâncias que são tão peregrinas,
Sei bem que minhas obras não são dignas,
Que o rudo engenho meu me desengana.

Porém da vossa pena ilustre mana
Licor que vence as águas Cabalinas;
E convosco do Tejo as flores finas
Farão inveja à cópia Mantuana.

E pois a vós, de si não sendo avaras,
As filhas de Mnemósine fermosa
Partes dadas vos têm ao mundo claras;

A minha Musa, e a vossa tão famosa,
Ambas se podem nele chamar raras,
A vossa de alta, a minha de invejosa.

Variação Sobre Um Soneto De Shakespeare

És como um dia cálido de estio…
Azul? Não, és mais linda e mais amena
O verão como tudo traz o frio
E o verão é inconstante, e tu serena.

Tu não trazes o frio, nem a pena
Da luz foste – tu vives, como um rio
Que cantasse uma mesma cantilena
Num sempre novo manso desvario.

Não morre o estio em ti – e no teu rosto
Ele deixou as cores da manhã
E as tristezas suaves do sol-posto.

Sem as marcas cruéis da noite vã.
E a morte que em ser também se deita
Em tua alma descansa satisfeita.

Arrependimento

Deste amor torturado e sem ventura
Resta-me o alívio do arrependimento.
O pouco que me deste de ternura
Não vale o que te dei de encantamento.

Abri para o teu sonho o firmamento,
Semeei de estrelas tua noite escura.
Dei-te alma, exaltação e sentimento.
Fiz de um bloco de pedra uma criatura.

Hoje, ambos à mercê de sorte avessa,
Se para te esquecer luto e me esforço,
Manda-me o coração que não te esqueça.

Padecemos idêntico suplício:
Tu – corroída de pena e de remorso,
Eu – com vergonha do meu sacrifício.

XXIII

Tu sonora corrente, fonte pura,
Testemunha fiel da minha pena,
Sabe, que a sempre dura, e ingrata
Almena Contra o meu rendimento se conjura:

Aqui me manda estar nesta espessura,
Ouvindo a triste voz da filomena,
E bem que este martírio hoje me ordena,
Jamais espero ter melhor ventura.

Veio a dar me somente uma esperança
Nova idéia do ódio; pois sabia,
Que o rigor não me assusta, nem me cansa:

Vendo a tanto crescer minha porfia,
Quis mudar de tormento; e por vingança
Foi buscar no favor a tirania.

As Putas da Avenida

Eu vi gelar as putas da Avenida
ao griso de Janeiro e tive pena
do que elas chamam em jargão a vida
com um requebro triste de açucena

vi-as às duas e às três falando
como se fala antes de entrar em cena
o gesto já compondo à voz de mando
do director fatal que lhes ordena

essa pose de flor recém-cortada
que para as mais batidas não é nada
senão fingirem lírios da Lorena

mas a todas o griso ia aturdindo
e eu que do trabalho vinha vindo
calçando as luvas senti tanta pena

De Vós Me Aparto, Ó Vida! Em Tal Mudança

De vós me aparto, ó vida! Em tal mudança,
sinto vivo da morte o sentimento.
Não sei para que é ter contentamento,
se mais há de perder quem mais alcança.

Mas dou vos esta firme segurança
que, posto que me mate meu tormento,
pelas águas do eterno esquecimento
segura passará minha lembrança.

Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
que com qualquer cous’ outra se contentem;
antes os esqueçais, que vos esqueçam.

Antes nesta lembrança se atormentem,
que com esquecimento desmereçam
a glória que em sofrer tal pena sentem.

A Brevidade da Vida

MANIFESTA-SE A PRÓPRIA BREVIDADE DA VIDA, SEM PENSAR E COM PADECER, ASSALTADA PELA MORTE

Foi sonho ontem: será amanhã terra;
pouco antes, nada; pouco depois, fumo;
e destino ambições, até presumo
nem um momento o cerco que me encerra.

Breve combate de importuna guerra,
p’ra defender-me, sou perigo sumo;
quando com minhas armas me consumo,
menos me hospeda o corpo, que me enterra.

Foi-se o ontem; amanhã é esperado;
hoie passa, e é, e foi com movimento
que me conduz à morte despenhado.

Enxadas são a hora e o momento;
pagas por minha pena e meu cuidado,
cavam em meu viver meu monumento.

Tradução de José Bento

Ordena Amor que Morra, e Pene Juntamente

Como fizeste, ó Porcia, tal ferida?
Foi voluntária, ou foi por inocência?
É que Amor fazer só quis experiência
Se podia eu sofrer, tirar-me a vida?

E com teu próprio sangue te convida
A que faças à morte resistência?
É que costume faço da paciência,
Porque o temor morrer me não impida.

Pois porque estás comendo com fogo ardente,
Se a ferro te costumas? É que ordena
Amor que morra, e pene juntamente.

E tens a dor do ferro por pequena?
Si, que a dor costumada não se sente,
E não quero eu a morte sem a pena.

XXXIV

Que feliz fora o mundo, se perdida
A lembrança de amor, de amor a glória,
Igualmente dos gostos a memória
Ficasse para sempre consumida!

Mas a pena mais triste, e mais crescida
É ver; que em nenhum tempo é transitória
Esta de amor fantástica vitória,
Que sempre na lembrança é repetida.

Amantes, os que ardeis nesse cuidado,
Fugi de amor ao venenoso intento,
Que lá para o depois vos tem guardado.

Não vos engane o infiel contentamento;
Que esse presente bem, quando passado,
Sobrará para idéia do tormento.

Dai Me Üa Lei, Senhora, De Querer Vos

Dai me üa lei, Senhora, de querer vos,
que a guarde, sô pena de enojar vos;
que a fé que me obriga a tanto amar vos
fará que fique em lei de obedecer vos.

Tudo me defendei, senão só ver vos,
e dentro na minh’alma contemplar vos;
que, se assi não chegar a contentar vos,
ao menos que não chegue [a] aborrecer vos.

E, se essa condição cruel e esquiva,
que me dois lei de vida não consente,
dai ma, Senhora, já, seja de morte.

Se nem essa me dais, é bem que viva,
sem saber como vivo, tristemente,
mas contente porém de minha sorte.

Tempos Idos

Não enterres, coveiro, o meu Passado,
Tem pena dessas cinzas que ficaram;
Eu vivo dessas crenças que passaram,
e quero sempre tê-las ao meu lado!

Não, não quero o meu sonho sepultado
No cemitério da Desilusão,
Que não se enterra assim sem compaixão
Os escombros benditos de um Passado!

Ai! Não me arranques d’alma este conforto!
– Quero abraçar o meu passado morto,
– Dizer adeus aos sonhos meus perdidos!

Deixa ao menos que eu suba à Eternidade
Velado pelo círio da Saudade,
Ao dobre funeral dos tempos idos!

Sustenta Meu Viver Üa Esperança

Sustenta meu viver üa esperança
derivada de um bem tão desejado
que, quando nela estou mais confiado,
mor dúvida me põe qualquer mudança.

E quando inda este bem na mor pujança
de seus gostos me tem mais enlevado,
me atormenta então ver eu que, alcançado
será por quem de vós não tem lembrança.

Assi, que nestas redes enlaçado,
a penas dou a vida , sustentando
üa nova matéria a meu cuidado .

Suspiros d’alma tristes arrancando,
dos silvos de ua pedra acompanhado,
estou matérias tristes lamentando.

Vanitas

Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,
Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,
E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada
De gritos de triunfo e gritos de agonia.

Prende a idéia fugaz; doma a rima bravia,
Trabalha… E a obra, por fim, resplandece acabada:
“Mundo, que as minhas mãos arrancaram do nada!
Filha do meu trabalho! ergue-te à luz do dia!

Cheia da minha febre e da minha alma cheia,
Arranquei-te da vida ao ádito profundo,
Arranquei-te do amor à mina ampla e secreta!

Posso agora morrer, porque vives!” E o Poeta
Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo,
E cai – vaidade humana! – ao pé de um grão de areia…

Suavidade

Poisa a tua cabeça dolorida
Tão cheia de quimeras, de ideal
Sobre o regaço brando e maternal
Da tua doce Irmã compadecida.

Hás de contar-me nessa voz tão q’rida
Tua dor infantil e irreal,
E eu, pra te consolar, direi o mal
Que à minha alma profunda fez a Vida.

E hás de adormecer nos meus joelhos…
E os meus dedos enrugados, velhos,
Hão de fazer-se leves e suaves…

Hão de poisar-se num fervor de crente,
Rosas brancas tombando docemente
Sobre o teu rosto, como penas d’aves…

Lembranças Apagadas

Outros, mais do que o meu, finos olfatos,
Sintam aquele aroma estranho e belo
Que tu, ó Lírio lânguido, singelo,
Guardaste nos teus íntimos recatos.

Que outros se lembrem dos sutis e exatos
Traços, que hoje não lembro e não revelo
E se recordem, com profundo anelo,
Da tua voz de siderais contatos…

Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrantos,
Linhas, perfil e tanta dor saudosa,

Tanto martírio, tanta mágoa e pena,
Precisaria de uma luz serene,
De uma luz imortal maravilhosa!…

Se tanta pena tenho merecida

Se tanta pena tenho merecida
Em pago de sofrer tantas durezas,
Provai, Senhora, em mim vossas cruezas,
Que aqui tendes u~a alma oferecida.

Nela experimentai, se sois servida,
Desprezos, desfavores e asperezas,
Que mores sofrimentos e firmezas
Sustentarei na guerra desta vida.

Mas contra vosso olhos quais serão?
Forçado é que tudo se lhe renda,
Mas porei por escudo o coração.

Porque, em tão dura e áspera contenda,
É bem que, pois não acho defensão,
Com me meter nas lanças me defenda.

A Fé que me Obriga a Tanto Amar-vos

Dai-me ũa lei, Senhora, de querer-vos,
Porque a guarde sob pena de enojar-vos;
Pois a fé que me obriga a tanto amar-vos
Fará que fique em lei de obedecer-vos.

Tudo me defendei, senão só ver-vos
E dentro na minha alma contemplar-vos;
Que se assim não chegar a contentar-vos,
Ao menos nunca chegue a aborrecer-vos.

E se essa condição cruel e esquiva
Que me deis lei de vida não consente,
Dai-ma, Senhora, já, seja de morte.

Se nem essa me dais, é bem que viva,
Sem saber como vivo, tristemente;
Mas contente estarei com minha sorte.

A Minha Piedade

A Bourbon e Meneses

Tenho pena de tudo quanto lida
Neste mundo, de tudo quanto sente,
Daquele a quem mentiram, de quem mente,
Dos que andam pés descalços pela vida,

Da rocha altiva, sobre o monte erguida,
Olhando os céus ignotos frente a frente,
Dos que não são iguais à outra gente,
E dos que se ensangüentam na subida!

Tenho pena de mim… pena de ti…
De não beijar o riso duma estrela…
Pena dessa má hora em que nasci…

De não ter asas para ir ver o céu…
De não ser Esta… a Outra… e mais Aquela…
De ter vivido e não ter sido Eu…