Sonetos sobre PĂ©s

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Sonetos de pés escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

as meninas

as minhas filhas nadam. a mais nova
leva nos braços bóias pequeninas,
a outra då um salto e pÔe à prova
o corpo esguio, as longas pernas finas:

entre risadas como serpentinas,
vai como a formosinha numa trova,
salta a pés juntos, dedos nas narinas,
e emerge ao sol que o seu cabelo escova.

a ĂĄgua tem a pele azul-turquesa
e brilhos e salpicos, e mergulham
feitas pura alegria incandescente.

e ficam, de ternura e de surpresa,
nas toalhas de cor em que se embrulham,
ninfinhas sobre a relva, de repente.

Vaidade

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reĂșne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou AlguĂ©m cĂĄ neste mundo …
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho … E nĂŁo sou nada! …

Soneto XXIIII

De ua esperança vã suspenso mouro,
Mas quando a fortes cabos mais me amarro,
Então vou através, então desgarro,
Como barca no Tejo, ou rio Douro.

Ah’ quem fora um pastor que seu tesouro
Tem no leve cortiço e tosco tarro,
E de ledo e contente os pés de barro
Julga consigo por cabeça de ouro.

Mas aquele que tem de ouro a cabeça
E pés que são de barro em cima sente,
Como não sintirå tanta desgraça.

Viva ufano, porém viva contente:
Quebra o barro, por mais que se endureça,
O imortal ouro mil idades passa.

Soneto XXXX

Num seco ramo, nĂș de fruto e folha,
Ua queixosa rola geme e sente
Do casto ninho seu parceiro ausente,
E vĂȘ-lo a cada sombra se lhe antolha.

Dali dece a ua fonte onde recolha
Algum alento, e porque nĂŁo consente
A dor ver ĂĄgua clara, juntamente
A envolve c’os pĂ©s e o bico molha.

Se ausĂȘncia e amor sentida a rola tem,
Que nem de ausĂȘncia, nem de amor conhece,
Em quem pesar nem sentimento cabe,

Que farĂŁo em quem sente o que padece
Quem de seu mal conhece, e de seu bem
Temo que venha a nĂŁo sentir, e acabe.

Ao EstrĂ­dulo Solene Dos Bravos

– Os TrĂłpicos pulando as palmas batem…
Em pĂ© nas ondas – O Equador dĂĄ vivas!…

Ao estrídulo solene dos bravos! das platéias,
Prossegues altaneira, oh! Ă­dolo da arte!…
– O sol pĂĄra o curso p’ra bem de admirar-te
– O sol, o grande sol, o misto das idĂ©ias.

A velha natureza escreve-te odissĂ©ias…
A estrela, a nĂ­vea concha, o arbusto… em toda a parte
Retumba a doce orquestra que ousa proclamar-te
Assombro do ideal, em duplas melopéias!

Perpassam vagos sons na harpa do mistério
LĂĄ, quando no proscĂȘnio te ergues imperando
– Oh! Íbis magistral do mundo azul – sidĂ©rio!

EntĂŁo da imensidade, audaz vem reboando
De palmas o tufão, veloz, febril, aéreo
Que cai dentro das almas e as vai arrebatando!…

Chuva E Sol

Agrada Ă  vista e Ă  fantasia agrada
Ver-te, através do prisma de diamantes
Da chuva, assim ferida e atravessada
Do sol pelos venĂĄbulos radiantes…

Vais e molhas-te, embora os pés levantes:
– Par de pombos, que a ponta delicada
Dos bicos metem nĂĄgua e, doidejantes,
Bebem nos regos cheios da calçada…

Vais, e, apesar do guarda-chuva aberto,
Borrifando-te colmam-te as goteiras
De pérolas o manto mal coberto;

E estrelas mil cravejam-te, fagueiras,
Estrelas falsas, mas que assim de perto,
Rutilam tanto, como as verdadeiras…

Evolução

Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo
tronco ou ramo na incĂłgnita floresta…
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquĂ­ssimo inimigo…

Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
O, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paĂșl, glauco pascigo…

Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade…

Interrogo o infinito e Ă s vezes choro…
Mas estendendo as mĂŁos no vĂĄcuo, adoro
E aspiro unicamente Ă  liberdade.

PĂ©s

VI

LĂ­vidos, frios, de sinistro aspecto,
Como os pés de Jesus, rotos em chaga,
Inteiriçados, dentre a auréola vaga
Do mistério sagrado de um afeto.

Pés que o fluido magnético, secreto
Da morte maculou de estranha e maga
Sensação esquisita que propaga
Um frio n’alma, doloroso e inquieto…

PĂ©s que bocas febris e apaixonadas
Purificaram, quentes, inflamadas,
Com o beijo dos adeuses soluçantes.

PĂ©s que jĂĄ no caixĂŁo, enrijecidos,
Aterradoramente indefinidos
Geram fascinaçÔes dilacerantes!

Plena Nudez

Eu amo os gregos tipos de escultura:
PagĂŁs nuas no mĂĄrmore entalhadas;
Não essas produçÔes que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.

Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliĂȘncias destacadas…

NĂŁo quero, a VĂȘnus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevĂȘ-la
De transparente tĂșnica atravĂ©s:

Quero vĂȘ-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus… toda nua, da cabeça aos pĂ©s!

MĂŁe Dolorosa

Vi-o doente, ouvi os seus gemidos;
Sinto a memoria negra, ao recordĂĄ-lo!
A MĂŁe baixava os olhos doloridos
Sobre o Filho. E era a DĂŽr a contemplĂĄ-lo!

Depois, nesses instantes esquecidos,
Ou lhe falava ou punha-se a beijĂĄ-lo…
Mas, retomando, subito, os sentidos,
Estremecia toda em grande abalo!

Fugia de ao pé dele suffocada,
A sua escura trança desgrenhada,
Os seus olhos abertos de terror!

E entĂŁo, num desespĂȘro, a MĂŁe chorava,
E, por entre gemidos, sĂł gritava:
AmĂŽr! amĂŽr! amĂŽr! amĂŽr! amĂŽr!

Nocturno

Amor! Anda o luar todo bondade,
Beijando a terra, a desfazer-se em luz…
Amor! São os pés brancos de Jesus
Que andam pisando as ruas da cidade!

E eu ponho-me a pensar… Quanta saudade
Das ilusÔes e risos que em ti pus!
Traçaste em mim os braços duma cruz,
Neles pregaste a minha mocidade!

Minh’alma, que eu te dei, cheia de mĂĄgoas,
E nesta noite o nenĂșfar dum lago
‘Stendendo as asas brancas sobre as ĂĄguas!

Poisa as mĂŁos nos meus olhos com carinho,
Fecha-os num beijo dolorido e vago…
E deixa-me chorar devagarinho…

Vanitas

Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,
Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,
E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada
De gritos de triunfo e gritos de agonia.

Prende a idéia fugaz; doma a rima bravia,
Trabalha… E a obra, por fim, resplandece acabada:
“Mundo, que as minhas mĂŁos arrancaram do nada!
Filha do meu trabalho! ergue-te Ă  luz do dia!

Cheia da minha febre e da minha alma cheia,
Arranquei-te da vida ao ĂĄdito profundo,
Arranquei-te do amor Ă  mina ampla e secreta!

Posso agora morrer, porque vives!” E o Poeta
Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo,
E cai – vaidade humana! – ao pĂ© de um grĂŁo de areia…

Realidade

Em ti o meu olhar fez-se alvorada,
E a minha voz fez-se gorjeio de ninho,
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pĂĄlida do linho.

Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada,
E a minha cabeleira desatada
PÎs a teus pés a sombra dum caminho.

Minhas pĂĄlpebras sĂŁo cor de verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci…

Tens sido vida fora o meu desejo,
E agora, que te falo, que te vejo,
NĂŁo sei se te encontrei, se te perdi…

Continua a Tempestade

Aqui, sobre estas aguas cor de azeite,
Scismo em meu lar, na paz que lĂĄ havia:
Carlota, ĂĄ noite, ia ver se eu dormia
E vinha, de manhĂŁ, trazer-me o leite…

Aqui, nĂŁo tenho um unico deleite!
Talvez… baixando, em breve, ĂĄ Agoa fria,
Sem um beijo, sem uma Ave-Maria,
Sem uma flor, sem o menor enfeite…

Ah! podesse eu voltar ĂĄ minha infancia!
Lar adorado, em fumos, a distancia,
Ao pĂ© de minha IrmĂŁ, vendo-a bordar…

Minha velha aia! conta-me essa historia
Que principiava, tenho-a na memoria,
«Era uma vez…»
Ah deixem-me chorar!

Ceticismo

Desci um dia ao tenebroso abismo,
Onde a dĂșvida ergueu altar profano;
Cansado de lutar no mundo insano,
Fraco que sou, volvi ao ceticismo.

Da Igreja – a Grande MĂŁe – o exorcismo
TerrĂ­vel me feriu, e entĂŁo sereno,
De joelhos aos pés do Nazareno
Baixo rezei, em fundo misticismo:

– Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa!
Se esta dĂșvida cruel qual me magoa
Me torna ínfimo, desgraçado réu.

Ah, entre o medo que o meu Ser aterra,
NĂŁo sei se viva p’ra morrer na terra,
NĂŁo sei se morra p’ra viver no CĂ©u!

Sentindo Se Tomada A Bela Esposa

Sentindo se tomada a bela esposa
de CĂ©falo, no crime consentido,
para os montes fugia do marido;
e nĂŁo sei se de astuta, ou vergonhosa.

Porque ele, enfim, sofrendo a dor ciosa,
de amor cego e forçoso compelido,
apĂłs ela se vai como perdido,
jĂĄ perdoando a culpa criminosa.

Deita se aos pés da Ninfa endurecida,
que do cioso engano estĂĄ agravada;
jĂĄ lhe pede perdĂŁo, jĂĄ pede a vida.

Ó força de afeição desatinada!
Que da culpa contra ele cometida,
perdĂŁo pedia Ă  parte que Ă© culpada!

Versos

Versos! Versos! Sei lĂĄ o que sĂŁo versos…
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz, cantos dispersos,
Ou pĂ©talas que caem uma a uma…

Versos!… Sei lĂĄ! Um verso Ă© o teu olhar,
Um verso Ă© o teu sorriso e os de Dante
Eram o teu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!

Meus versos!… Sei eu lĂĄ tambĂ©m que sĂŁo…
Sei lĂĄ! Sei lĂĄ!… Meu pobre coração
Partido em mil pedaços sĂŁo talvez…

Versos! Versos! Sei lĂĄ o que sĂŁo versos…
Meus soluços de dor que andam dispersos
Por este grande amor em que nĂŁo crĂȘs…

Rompeu-Se O Denso VĂ©u Do Atroz Marasmo

Rompeu-se o denso véu do atroz marasmo
E como por fatal, negro hebetismo
De antro sepulcral, de fundo abismo
O povo ressurgiu com entusiasmo!

O Zoilo mazorral se queda pasmo
SupÔe quimera ser, ser cataclismo
Roga, jĂĄ por dobrez, por ceticismo
De néscio, vil truão solta o sarcasmo.

PerdĂŁo, Filho da Luz, minh’alma exora,
Porém, a påtria diz, somente agora
Os grilhÔes biparti de atroz moleza!

E ele, o nosso herĂłi jĂĄ redivivo
De pé, sem se curvar, sereno, altivo
Co’as raias do porvir mede a grandeza!

A Minha Piedade

A Bourbon e Meneses

Tenho pena de tudo quanto lida
Neste mundo, de tudo quanto sente,
Daquele a quem mentiram, de quem mente,
Dos que andam pés descalços pela vida,

Da rocha altiva, sobre o monte erguida,
Olhando os céus ignotos frente a frente,
Dos que nĂŁo sĂŁo iguais Ă  outra gente,
E dos que se ensangĂŒentam na subida!

Tenho pena de mim… pena de ti…
De nĂŁo beijar o riso duma estrela…
Pena dessa mĂĄ hora em que nasci…

De nĂŁo ter asas para ir ver o cĂ©u…
De nĂŁo ser Esta… a Outra… e mais Aquela…
De ter vivido e nĂŁo ter sido Eu…

Assim

Assim foi nosso amor… um sonho que viveu
de um sonho, e despertou na realidade um dia…
Um pouco de quimera ao lĂ©u da fantasia…
Um flor que brotou e num botĂŁo morreu…

Embora sendo nosso, este amor foi sĂł meu,
porque o teu, nĂŁo foi mais que pura hipocrisia,
– no fundo, hĂĄ muito tempo, a minha alma sentia
este fim que o destino afinal jĂĄ lhe deu…

NĂŁo podes, bem o sei – sendo mulher como Ă©s,
saber quanto sofri, vendo esta flor desfeita
e as pĂ©talas no chĂŁo, pisadas por teus pĂ©s…

Que importa ? HĂĄs de sofrer mais tarde – a vida Ă© assim…
Esse mesmo sorrir que agora te deleita
Ă© o mesmo que depois hĂĄ de amargar teu fim!…