Soneto Da Mulher E A Nuvem
A João Cabral de Melo Neto
Nuvem no céu do nunca, nem tão branca
– assim era o amor, à minha espreita,
e era a mulher, de nuvens sempre feita
e de véus e pudor que o amor arranca.Não pude amá-la, pois não era franca
a sua carne que o amor aceita,
nuvem que um céu de amor sempre atravanca
e entre praias e pântanos se deita.Bruma de carne, em vão céu de tormento,
parindo fogo aos meus dezesseis anos,
assim foi ela, sem deixar seu nome.Nunca foi minha, e só em pensamento
eu pude dar-lhe o amor de desenganos
que me deixou no corpo espanto e fome.
Sonetos sobre Sempre de Lêdo Ivo
4 resultadosSoneto Das Alturas
As minhas esquivanças vão no vento
alto do céu, para um lugar sombrio
onde me punge o descontentamento
que no mar não deságua, nem no rio.Às mudanças me fio, sempre atento
ao que muda e perece, e ardente e frio,
e novamente ardente é no momento
em que luz o desejo, poldro em cio.Meu corpo nada quer, mas a minh’alma
em fogos de amplidão deseja tudo
o que ultrapassa o humano entendimento.E embora nada atinja, não se acalma
e, sendo alma, transpõe meu corpo mudo,
e aos céus pede o inefável e não o vento.
Soneto Dos Vinte Anos
Que o tempo passe, vendo-me ficar
no lugar em que estou, sentindo a vida
nascer em mim, sempre desconhecida
de mim, que a procurei sem a encontrar.Passem rios, estrelas, que o passar
é ficar sempre, mesmo se é esquecida
a dor de ao vento vê-los na descida
para a morte sem fim que os quer tragar.Que eu mesmo, sendo humano, também passe
mas que não morra nunca este momento
em que eu me fiz de amor e de ventura.Fez-me a vida talvez para que amasse
e eu a fiz, entre o sonho e o pensamento,
trazendo a aurora para a noite escura.
Soneto Da Enseada
Sou sempre o que está além de mim
como a ponte de Brooklyn ao pôr-do-sol.
Sou o peixe buscado pelo anzol
e o caracol imóvel no jardim.De mim mesmo me parto, qual navio,
e sou tudo o que vive além de mim:
o barulho da noite e o cheiro de jasmim
que corre entre as estrelas como um rio.Quem atravessa a ponte logo aprende
que a vida é simplesmente a travessia
entre um aquém e um além que são dois nadas.Na madrugada escura a luz se acende.
Que luz? De que vigília ou de que dia?
De que barco ancorado na enseada?