Sonetos sobre Sempre

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Sonetos de sempre escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Remorso

Cometi o pior desses pecados
Que podem cometer-se. NĂŁo fui sendo
Feliz. Que os glaciares do esquecimento
Me arrastem e me percam, despiedados.

Plos meus pais fui gerado para o jogo
Arriscado e tĂŁo belo que Ă© a vida,
Para a terra e a água, o ar, o fogo.
Defraudei-os. NĂŁo fui feliz. Cumprida

NĂŁo foi sua vontade. A minha mente
Aplicou-se às simétricas porfias
Da arte, que entretece ninharias.

Valentia eu herdei. NĂŁo fui valente.
Não me abandona. Está sempre ao meu lado
A sombra de ter sido um desgraçado.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Amor Ă© um Arder

Amor Ă© um arder que se nĂŁo sente;
É ferida que dói, e não tem cura;
É febre, que no peito faz secura;
É mal, que as forças tira de repente.

É fogo, que consome ocultamente;
É dor, que mortifica a Criatura;
É ânsia, a mais cruel e a mais impura;
É frágoa, que devora o fogo ardente.

É um triste penar entre lamentos;
É um não acabar sempre penando;
É um andar metido em mil tormentos.

É suspiros lançar de quando em quando;
É quem me causa eternos sentimentos.
É quem me mata e vida me está dando.

[Imitando Camões]

Amaritudo

SĂł por ti, astro ainda e sempre oculto,
Sombra do Amor e sonho da Verdade,
Divago eu pelo mundo e em ansiedade
Meu próprio coração em mim sepulto.

De templo em templo, em vĂŁo, levo o meu culto,
Levo as flores d’uma Ă­ntima piedade.
Vejo os votos da minha mocidade
Receberem somente escárnio e insulto.

Ă€ beira do caminho me assentei…
Escutarei passar o agreste vento,
Exclamando: assim passe quando amei! —

Oh minh’alma, que creste na virtude!
O que será velhice e desalento,
Se isto se chama aurora e juventude?

LĂ­rio Lutuoso

EssĂŞncia das essĂŞncias delicadas,
Meu perfumoso e tenebroso lĂ­rio,
Oh! dá-me a glória de celeste Empíreo
Da tu’alma nas sombras encantadas.

Subindo lento escadas por escadas,
Nas espirais nervosas do MartĂ­rio,
Das Ânsias, da Vertigem, do Delírio,
Vou em busca de mágicas estradas.

Acompanha-me sempre o teu perfume,
LĂ­rio da Dor que o Mal e o Bem resumem,
Estrela negra, tenebroso fruto.

Oh! dá-me a glória do teu ser nevoento
para que eu possa haurir o sentimento
Das lágrimas acerbas do teu luto!.

A Vida

“A Vida”
IV
“…A vida Ă© assim, uma ânsia… feito a vaga
que se ergue e rola a espumejar na areia,
– apor esse bem que a tua mĂŁo semeia
espera o mal que ainda terás por paga!

A essa hora boa que te agrada e enleia
sucede uma outra torturante e aziaga,
– a vida Ă© assim… um canto de sereia
que Ă  morte nos convida, e nos afaga…

O teu sonho melhor bem pouco dura,
e há sempre”um amanhĂŁ”cheio de dor
para”um hoje”nem sempre de ventura…

Toma entre as mĂŁos o bĂşzio da alegria
e surpreso verás que no interior
canta profunda e imensa nostalgia!…”

As MĂŁos

Brandamente escrevem dos espasmos do sol.
Envelhecem do pulso ao cérebro, ao calor baço
de um revérbero no eixo dos ventos, usura
das máscaras que, sucessivamente, as transformam

de consciĂŞncia em cal ou metal obscuro.
E já não é por si que a presença existe ou
subsiste o que separa. Destroem as sementes,
apodrecem como um sopro e nĂŁo sĂŁo remanso

na areia ou domadoras de chamas. Igualam-se
à água, para serem raiz do que se cala
e insinuam-se, para sempre, no pĂł da noite.

Um castelo de pele tomba. Deixam de ser
nomeadas ou nome. Escrevem, brandamente,
do termo da mĂşsica o luto do silĂŞncio.

Tormanto do Ideal

Conheci a Beleza que nĂŁo morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vĂŞ tudo, a maior nau ou torre,

Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre:
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a cĂ´r, bem como a nuvem que erra
Ao pĂ´r do sol e sobre o mar discorre.

Pedindo Ă  fĂłrma, em vĂŁo, a idea pura,
Tropéço, em sombras, na materia dura.
E encontro a imperfeição de quanto existe.

Recebi o baptismo dos poetas,
E assentado entre as fĂłrmas incompletas
Para sempre fiquei palido e triste.

Mancebos! De Mil Louros Triunfantes

Mancebos! De mil louros triunfantes
Adornai o Moisés da mocidade,
O Anjo que nos guia da verdade
Pelos doces caminhos sempre ovantes.

Coroai de grinaldas verdejantes
Quem rompeu para a Pátria nova idade,
Guiando pelas leis sĂŁs da amizade
Os moços do progresso sempre amantes.

VĂŞ, Brasil, este filho que o teu nome
Sobre o mapa dos povos ilustrados
Descreve qual o forte de VendĂ´me.

Conhece que os Andradas e os Machados,
Que inda vivem nas asas do renome
Não morrem nestes céus abençoados;

Remorsos

Onde comtigo, um dia, me zanguei,
É hoje um sitio escuro que aborreço;
E sempre que ali passo, eu anoiteço!…
Ah, foi um crime, sim, que pratiquei!

Quantas negras torturas eu padeço
Pelo pequeno mal que te causei!
Se, ao menos, presentisse o que hoje sei?
Mas não; fui mau; fui bruto; reconheço!

E sĂ´ffro mais, por isso, a tua morte,
E dou mais chĂ´ro amargo ao vento norte,
Mais trevas se acumulam no meu rĂ´sto…

Ă“ vĂłs que n’este mundo amaes alguem,
Seja linda creança ou pae ou mãe,
NĂŁo lhe causeis nem sombra de desgĂ´sto!

XXX

Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exĂ­lio em que a chorar me vejo,
NĂŁo basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.

NĂŁo me basta saber que sou amado,
Nem sĂł desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.

E as justas ambições que me consomem
NĂŁo me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;

E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.

Soneto VIII

Da virtude que move os Céus depende
Todo o bem, toda a glĂłria e ser da terra,
E se u’hora faltasse, o vale, a serra,
A flor, o fruito, a fonte, o rio ofende.

Esse braço que amor de longe estende
Para esta alma, meu ser e vida encerra,
E se algu’hora Amor dela o desterra,
Que glĂłria mais que vida ou ser pretende.

Mas nem há-de faltar essa virtude
Se nĂŁo c’o mundo, nem faltar-me agora;
Vosso Amor até morte me assigura.

EntĂŁo para que nunca mais se mude,
Se mudará, e mudar-se Amor nessa hora,
Será para outro Amor que sempre dura.

RuĂ­nas

Se Ă© sempre Outono o rir das Primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair…
Que a vida Ă© um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!

E deixa sobre as ruĂ­nas crescer heras,
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida Ă© um contĂ­nuo destruir
De palácios do Reino das Quimeras!

Deixa tombar meus rĂştilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguĂŞ-los
Mais alto do que as águias pelo ar!

Sonhos que tombam! Derrocada louca!
SĂŁo como os beijos duma linda boca!
Sonhos!… Deixa-os tombar… Deixa-os tombar.

Douto, Prudente, Nobre, Humano, Afável

Ao desembargador Belchior da Cunha Brochado, casado com uma filha de Sebastião Barbosa, Capitão de infantaria do III da Praça da Bahia.

Douto, prudente, nobre, humano, afável.
Reto, ciente, benigno e aprazĂ­vel.
Ăšnico, singular, raro, inflexĂ­vel.
Magnífico, preclaro, incomparável.

Do mundo grave juiz. Inimitável.
Admirado, gozais aplauso incrĂ­vel,
Pois a trabalho tanto e tĂŁo terrĂ­vel,
Dais pronto execução sempre incansável.

Vossa fama, senhor, seja notĂłria
Lá no clima onde nunca chega o dia.
Onde do Erebo sĂł se tem memĂłria

Para que garbo tal, tanta energia!
Pois de toda esta terra Ă© gentil glĂłria,
Da mais remota seja uma alegria.

Soneto XXVI

Fortuna ingrata, porque me persegues?
Apareces-me branda e logo foges,
Dás-me um bem, porque dele me despojes,
Mostras-te liberal, sĂł porque negues.

Para que sĂł me deixes, sĂł me segues,
Fazes-me mimos, sĂł porque me enojes,
Se me levantas, Ă© porque me arrojes,
Se me asseguras, Ă© porque me entregues.

Vinga-te bem, Fortuna, que vingado
Estou assaz de ti, com te vingares,
Que todos dizem ser mal empregado.

Um bem me fazes sem o imaginares:
C’o Mundo, eu contra mim tenho apostado,
E assim ganho sempre c’os azares.

A Noite Desce

Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos cansados, carinhosas,
A noite desce… Ah! doces mĂŁos piedosas
Que os meus olhos tristĂ­ssimos fechassem!

Assim mĂŁos de bondade me beijassem!
Assim me adormecessem! Caridosas
Em braçados de lírios, de mimosas,
No crepĂşsculo que desce me enterrassem!

A noite em sombra e fumo se desfaz…
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe embriagada, louca!

E a noite vai descendo, sempre calma…
Meu doce Amor tu beijas a minh’alma
Beijando nesta hora a minha boca!

Elogio da Morte

I

Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.

NĂŁo que de larvas me povĂ´e a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razĂŁo por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…

Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…

Nada! o fundo dum poço, húmido e morno,
Um muro de silĂŞncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.

II

Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.

Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povĂ´a o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
Só das visões da noite se confia.

Que mĂ­sticos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!

N’esta viagem pelo ermo espaço,

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Morte em Vida

Um dia mais passou e ao passar
Que pensei ou li, que foi criado?
Nada! Outro dia passou desperdiçado!
Cada hora já morta ao despontar!

Nada fiz. O tempo me fugiu
E à Beleza nem uma estátua ergui!
Na mente firme nem credo ou sonho vi
E a alma inĂştil em vĂŁo se consumiu.

Então me caberá sempre ficar
Qual grĂŁo de areia na praia pousado,
Coisa sujeita ao vento, entregue ao mar?

Ah, esse algo a sofrer e a desejar,
Inda menos que um ser inanimado
Sempre aquém do que podia alcançar!

Julga-Me A Gente Toda Por Perdido

Julga-me a gente toda por perdido,
vendo-me, tĂŁo entregue a meu cuidado,
andar sempre dos homens apartado,
e dos tratos humanos esquecido.

Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
e quase que sobre ele ando dobrado,
tenho por baixo, rĂşstico, enganado,
quem nĂŁo Ă© com meu mal engrandecido.

VĂŁo revolvendo a terra, o mar e o vento,
busquem riquezas, honras a outra gente,
vencendo ferro, fogo, frio e calma;

que eu sĂł em humilde estado me contento,
de trazer esculpido eternamente
vosso fermoso gesto dentro n’alma.

XXIII

Tu sonora corrente, fonte pura,
Testemunha fiel da minha pena,
Sabe, que a sempre dura, e ingrata
Almena Contra o meu rendimento se conjura:

Aqui me manda estar nesta espessura,
Ouvindo a triste voz da filomena,
E bem que este martĂ­rio hoje me ordena,
Jamais espero ter melhor ventura.

Veio a dar me somente uma esperança
Nova idéia do ódio; pois sabia,
Que o rigor nĂŁo me assusta, nem me cansa:

Vendo a tanto crescer minha porfia,
Quis mudar de tormento; e por vingança
Foi buscar no favor a tirania.

Aspiração

Meus dias vĂŁo correndo vagarosos
Sem prazer e sem dor, e até parece
Que o foco interior já desfalece
E vacila com raios duvidosos.

É bela a vida e os anos são formosos,
E nunca ao peito amante o amor falece…
Mas, se a beleza aqui nos aparece,
Logo outra lembra de mais puros gosos.

Minh’alma, Ăł Deus! a outros cĂ©us aspira:
Se um momento a prendeu mortal beleza,
É pela eterna pátria que suspira…

Porém do presentir dá-me a certeza.
Dá-ma! e sereno, embora a dor me fira,
Eu sempre bendirei esta tristeza!