Sofrer Por Sofrer
Parti. Quis te deixar abandonada
às lembranças do amor que nos prendeu.
Trouxe comigo, na alma torturada,
um ciúme atroz ciumentamente meu…Fugi… fuga cruel, desesperada,
quando supus que nosso amor morreu…
Fuga inútil, se ainda és a minha amada,
se continuo inteiramente seu!Não, não me livro deste amor nefasto,
nem dessa angústia, dessa luta, desse
ciúme que aumenta quanto mais me afasto…E hoje concluí, fugindo de meus passos,
que sofrer por sofrer, antes sofresse
como sempre sofri… mas nos teus braços!
Sonetos sobre Sempre
313 resultadosAlma Minha Gentil, que te Partiste
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.E se vires que pode merecer-te
Algũa cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
VI
Brandas ribeiras, quanto estou contente
De ver nos outra vez, se isto é verdade!
Quanto me alegra ouvir a suavidade,
Com que Fílis entoa a voz cadente!Os rebanhos, o gado, o campo, a gente,
Tudo me está causando novidade:
Oh como é certo, que a cruel saudade
Faz tudo, do que foi, mui diferente!Recebei (eu vos peco) um desgraçado,
Que andou té agora por incerto giro
Correndo sempre atrás do seu cuidado:Este pranto, estes ais, com que respiro,
Podendo comover o vosso agrado,
Façam digno de vós o meu suspiro.
XXXIV
Que feliz fora o mundo, se perdida
A lembrança de amor, de amor a glória,
Igualmente dos gostos a memória
Ficasse para sempre consumida!Mas a pena mais triste, e mais crescida
É ver; que em nenhum tempo é transitória
Esta de amor fantástica vitória,
Que sempre na lembrança é repetida.Amantes, os que ardeis nesse cuidado,
Fugi de amor ao venenoso intento,
Que lá para o depois vos tem guardado.Não vos engane o infiel contentamento;
Que esse presente bem, quando passado,
Sobrará para idéia do tormento.
Vanda
Vanda! Vanda do amor, formosa Vanda,
Makuâma gentil, de aspecto triste,
Deixe que o coração que tu poluíste
Um dia, se abra e revivesça e expanda.Nesse teu lábio sem calor onde anda
A sombra vã de amores que sentiste
Outrora, acende risos que não viste
Nunca e as tristezas para longe manda.Esquece a dor, a lúbrica serpente
Que, embora esmaguem-lhe a cabeça ardente,
Agita sempre a cauda venenosa.Deixa pousar na seara dos teus dias
A caravana irial das alegrias
Como as abelhas pousam numa rosa.
Ignorado Ficasse O Meu Destino
Ignorado ficasse o meu destino
Entre pálios (e a ponte sempre à vista),
E anel concluso a chispas de ametista
A frase falha do meu póstumo hino…Florescesse em meu glabro desatino
O himeneu das escadas da conquista
Cuja preguiça, arrecadada, dista
Almas do meu impulso cristalino…Meus ócios ricos assim fossem, vilas
Pelo campo romano, e a toga traça
No meu soslaio anônimas (desgraçaA vida) curvas sob mãos intranqüilas…
E tudo sem Cleópatra teria
Findado perto de onde raia o dia…
Imortal Falerno
Quando as Esferas da Ilusão transponho
Vejo sempre tu’alma – essa galera
Feita das rosas brancas da Quimera,
Sempre a vagar no estranho mar do Sonho.Nem aspecto nublado nem tristonho!
Sempre uma doce e constelada Esfera,
Sempre uma voz clamando: – espera, espera,
Lá do fundo de um céu sempre risonho.Sempre uma voz dos Ermos, das Distâncias!
Sempre as longínquas, mágicas fragrâncias
De uma voz imortal, divina,pura…E tua boca, Sonhador eterno,
Sempre sequiosa desse azul falerno
Da Esperança do céu que te procura!
XVII
Deixa, que por um pouco aquele monte
Escute a glória, que a meu peito assiste:
Porque nem sempre lastimoso, e triste
Hei de chorar à margem desta fonte.Agora, que nem sombra há no horizonte,
Nem o álamo ao zéfiro resiste,
Aquela hora ditosa, em que me viste
Na posse de meu bem, deixa, que conte.Mas que modo, que acento, que harmonia
Bastante pode ser, gentil pastora,
Para explicar afetos de alegria!Que hei de dizer, se esta alma, que te adora,
Só costumada às vozes da agonia,
A frase do prazer ainda ignora!
Comparar-te a um Dia de Verão?
Comparar-te a um dia de verão?
Há mais ternura em ti, ainda assim:
um maio em flor às mãos do furacão,
o foral do verão que chega ao fim.Por vezes brilha ardendo o olhar do céu;
outras, desfaz-se a compleição doirada,
perde beleza a beleza; e o que perdeu
vai no acaso, na natureza, em nada.Mas juro-te que o teu humano verão
será eterno; sempre crescerás
indiferente ao tempo na canção;e, na canção sem morte, viverás:
Porque o mundo, que vê e que respira,
te verá respirar na minha lira.Tradução de Carlos de Oliveira
Que me quereis, perpétuas saudades?
Que me quereis, perpétuas saudades?
Com que esperança inda me enganais?
Que o tempo que se vai não torna mais,
E se torna, não tornam as idades.Razão é já, ó anos, que vos vades,
Porque estes tão ligeiros que passais,
Nem todos pera um gosto são iguais,
Nem sempre são conformes as vontades.Aquilo a que já quis é tão mudado,
Que quase é outra cousa, porque os dias
Têm o primeiro gosto já danado.Esperanças de novas alegrias
Não mas deixa a Fortuna e o Tempo errado,
Que do contentamento são espias.
Aquele, a Quem Mil Bens Outorga o Fado
Aquele, a quem mil bens outorga o Fado,
Desejo com razão da vida amigo
Nos anos igualar Nestor, o antigo,
De trezentos invernos carregado:Porém eu sempre triste, eu desgraçado,
Que só nesta caverna encontro abrigo,
Porque não busco as sombras do jazigo,
Refúgio perdurável, e sagrado?Ah! bebe o sangue meu, tosca morada;
Alma, quebra as prisões da humanidade,
Despe o vil manto, que pertence ao nada!Mas eu tremo!…Que escuto?…É a Verdade,
É ela, é ela que do céu me brada:
Oh terrível pregão da eternidade!
XVIII
Aquela cinta azul, que o céu estende
A nossa mão esquerda, aquele grito,
Com que está toda a noite o corvo aflito
Dizendo um não sei quê, que não se entende;Levantar me de um sonho, quando atende
O meu ouvido um mísero conflito,
A tempo, que o voraz lobo maldito
A minha ovelha mais mimosa ofende;Encontrar a dormir tão preguiçoso
Melampo, o meu fiel, que na manada
Sempre desperto está, sempre ansioso;Ah! queira Deus, que minta a sorte irada:
Mas de tão triste agouro cuidadoso
Só me lembro de Nise, e de mais nada.
Espectros
Espectros que velais, enquanto a custo
Adormeço um momento, e que inclinados
Sobre os meus sonos curtos e cansados
Me encheis as noites de agonia e susto!…De que me vale a mim ser puro e justo,
E entre combates sempre renovados
Disputar dia a dia à mão dos Fados
Uma parcela do saber augusto,Se a minh’alma há-de ver, sobre si fitos,
Sempre esses olhos trágicos, malditos!
Se até dormindo, com angústia imensa,Bem os sinto verter sobre o meu leito,
Uma a uma verter sobre o meu peito
As lágrimas geladas da descrença!
Presídio
Nem todo o corpo é carne… Não, nem todo
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco…?E o ventre, inconsistente como o lodo?…
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor… Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo…É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidiovulto da Primavera em pleno Outono…
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!
Canção do Mar Aberto
Onde puseram teus olhos
A mágoa do teu olhar?
Na curva larga dos montes
Ou na planura do mar?De dia vivi este anseio;
De noite vem o luar,
Deixa uma estrada de prata
Aberta para eu passar.Caminho por sobre as ondas
Não paro de caminhar.
O longe é sempre mais longe…
Ai de mim se me cansar!…Morre o meu sonho comigo,
Sem te poder encontrar
Tem a Virtude o Prémio
Tardio às vezes, sempre merecido,
Tem a Virtude o prémio aparelhado
Ao profícuo talento, ao peito honrado,
Que do dever o stádio tem corrido.O Sábio, que dos louros esquecido
Só no obrar bem os olhos tem cravado
Inópino também se acha c’roado
Por mãos sob’ranas c’o laurel devidoÚtil à Pátria seja, as paixões dome,
Seja piedoso, honesto, afável, justo;
Que no futuro o espera ínclito nome.»Assim falou Minerva ao Coro augusto,
Pondo no Templo do imortal Renome,
De glória ornado, o teu prezado Busto.
As Vozes Da Natureza
As vozes que nos vêm da natureza
Traduzem sempre um mútuo sentimento.
Cantam as frondes pela voz do vento,
Pelo manancial canta a represa.Pelas estrelas canta o firmamento
Nas suas grandes noites de beleza.
Cada nota a outra nota vive presa,
É um pensamento de outro pensamento.Pelas folhas murmura a voz da estrada,
Pelos salgueiros canta a água parada
E o amigo sol, apenas se levanta,Jogando o manto de ouro ao céu deserto,
Chama as cigarras todas para perto,
Que é na voz das cigarras que ele canta.
Quando O Sol Encoberto Vai Mostrando
Quando o Sol encoberto vai mostrando
ao mundo a luz quieta e duvidosa,
ao longo de üa praia deleitosa,
vou na minha inimiga imaginando.Aqui a vi, os cabelos concertando;
ali, co a mão na face tão fermosa;
aqui, falando alegre, ali cuidosa;
agora estando queda, agora andando.aqui esteve sentada, ali me viu,
erguendo aqueles olhos tão isentos;
aqui movida um pouco, ali segura;qui se entristeceu, ali se riu;
enfim, nestes cansados pensamentos
passo esta vida vã, que sempre dura.
Carta ao Mar
Deixa escrever-te, verde mar antigo,
Largo Oceano, velho deus limoso,
Coração sempre lyrico, choroso,
E terno visionario, meu amigo!Das bandas do poente lamentoso
Quando o vermelho sol vae ter comtigo,
– Nada é mais grande, nobre e doloroso,
Do que tu, – vasto e humido jazigo!Nada é mais triste, tragico e profundo!
Ninguem te vence ou te venceu no mundo!…
Mas tambem, quem te poude consollar?!Tu és Força, Arte, Amor, por excellencia! –
E, comtudo, ouve-o aqui, em confidencia;
– A Musica é mais triste inda que o Mar!
Havendo Escapado de uma Grande Doença
Foi tão cruel, tão duramente forte
A que passei tormenta repetida,
Que não fazendo já conta da vida,
Só chegava a fazer caso da morte.Mas lastimada de meu mal a sorte,
Quando já me notava na partida,
Propícia e favorável me convida
Com porto alegre, com seguro norte.Altiva torre fabriquei no vento,
Mas a esperança, vã que nela tive
O vento ma levou que sempre corre.Do mundo o céu nos dê conhecimento,
Que a desgraça é morrer como quem vive,
E a ventura é viver como quem morre.