Volúpia
No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frêmito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!A sombra entre a mentira e a verdade…
A nuvem que arrastou o vento norte…
– Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!Trago dálias vermelhas no regaço…
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças…
Sonetos sobre Sol
368 resultadosO Raio Cristalino S’estendia
O raio cristalino s’estendia
pelo mundo, da Aurora marchetada,
quando Nise, pastora delicada,
donde a vida deixava, se partia.Dos olhos, com que o Sol escurecia,
levando a vista em lágrimas banhada,
de si, do Fado e Tempo magoada,
pondo os olhos no Céu, assi dezia:-Nasce, sereno Sol, puro e luzente;
resplandece, fermosa e roxa Aurora,
qualquer alma alegrando descontente;que a minha, sabe tu que, desd’agora,
jamais na vida a podes ver contente,
nem tão triste nenhüa outra pastora.
O Palácio da Ventura
Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busca anelante
O palácio encantado da Ventura!Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura…
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formusura!Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado…
Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais!Abrem-se as portas d’ouro, com fragor…
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão – e nada mais!
Crença
Filha do céu, a pura crença é isto
Que eu vejo em ti, na vastidão das cousas,
Nessa mudez castíssima das lousas,
No belo rosto sonhador do Cristo.A crença é tudo quanto tenho visto
Nos olhos teus, quando a cabeça pousas
Sobre o meu colo e que dizer não ousas
Todo esse amor que eu venço e que conquisto.A crença é ter os peregrinos olhos
Abertos sempre aos ríspidos escolhos;
Tê-los à frente de qualquer farolE conservá-los, simplesmente acesos
Como dois fachos — engastados, presos
Nas radiações prismáticas do sol!
A Tua Voz de Primavera
Manto de seda azul, o céu reflete
Quanta alegria na minha alma vai!
Tenho os meus lábios úmidos: tomai
A flor e o mel que a vida nos promete!Sinfonia de luz meu corpo não repete
O ritmo e a cor dum mesmo desejo… olhai!
Iguala o sol que sempre às ondas cai,
Sem que a visão dos poentes se complete!Meus pequeninos seios cor-de-rosa,
Se os roça ou prende a tua mão nervosa,
Têm a firmeza elástica dos gamos…Para os teus beijos, sensual, flori!
E amendoeira em flor, só ofereço os ramos,
Só me exalto e sou linda para ti!
Sol E Anarda
O sol ostenta a graça luminosa,
Anarda por luzida se pondera;
o sol é brilhador na quarta esfera,
brilha Anarda na esfera de formosa.Fomenta o sol a chama calorosa,
Artarda ao peito viva chama altera,
o jasmim, cravo e rosa ao sol se esmera,
cria Anarda o jasmim, o cravo e a rosa.O sol à sombra dá belos desmaios,
com os olhos de Anarda a sombra é clara,
pinta maios o sol, Anarda maios.Mas (desiguais só nisto) se repara
o sol liberal sempre de seus raios,
Anarda de seus raios sempre avara.
O que é Viver?
Viver é só sentir como a Morte caminha
E como a Vida a quer e como a vida a chama…
Viver, minha princesa pobrezinha,
É esta morte triste de quem ama…Viver é ter ainda uma quimera erguida
Ou um sonho febril a soluçar de rastos;
É beijar toda a dor humana, toda a Vida,
Como eu beijo a chorar os teus cabelos castos…Viver é esperar a Morte docemente,
Beijando a luz, beijando os cardos, e beijando
Alguém, corpo ou fantasma, que nos venha amando…É sentir a nossa alma presa tristemente
Ao mistério da Vida que nos leva
Perdidos pelo sol, perdidos pela treva…
Solilóquio
Já que o sol pouco a pouco se desmaia
E meu mal cada vez mais se desvela,
Enquanto a pena, a ânsia, a mágoa vela,
Quero aqui estar sozinho nesta praia.Que bravo o mar se vê! Como se ensaia
Na fúria e contra os ares se rebela!
Como se enrola! Como se encapela!
Parece quer sair da sua raia.Mas também que inflexível, que constante
Aquela penha está à força dura
De tanto assalto e horror perseverante!Ó empolado mar, penha segura,
Sois a imagem mais própria e semelhante
De meu fado e da minha desventura.
Panteísmo
Ao Botto de Carvalho
Tarde de brasa a arder, sol de verão
Cingindo, voluptuoso, o horizonte…
Sinto-me luz e cor, ritmo e clarão
Dum verso triunfal de Anacreonte!Vejo-me asa no ar, erva no chão,
Oiço-me gota de água a rir, na fonte,
E a curva altiva e dura do Marão
É o meu corpo transformado em monte!E de bruços na terra penso e cismo
Que, neste meu ardente panteísmo
Nos meus sentidos postos e absortosNas coisas luminosas deste mundo,
A minha alma é o túmulo profundo
Onde dormem, sorrindo, os deuses mortos!
Soneto II
Quanto cuido, senhora, quanto escrevo,
Tudo em vossos fermosos olhos leio,
Neles, ante quem tudo é escuro e feio,
Aprendo e vejo como amar-vos devo.Vejo que ao vosso amor todo me devo,
Mas não vos sei amar, e assi me enleio
Que não sei se vos amo ou se o receio,
E a julgar em mim isto não me atrevo.Em vós cuido, em vós falo o dia e ora,
Mouro por ver-vos, ir-vos ver não ouso,
Por não ver quanto mais devo do que amo;Ó sol e ó. sombra o vosso nome chamo,
Fora destes cuidados não repouso;
Se isto é amor, vós o julgai, senhora!
Caminho
III
Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada…
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada…
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!…Cada um por seu lado!… Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!…Deixai-me chorar mais e beber mais,
perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar – encher a alma.
Na Fonte
Bem ao lado da gruta a fonte corre
Trepidamente, as águas encrespando,
Em murmúrios crebos, levantando
Uns chamalotes prateados — morreNo monte o sol que a luz no oceano escorre
E ainda eu vejo, as sombras afrontando,
Uma mulher que lava, mesmo quando
O sol mais rubro, mais vermelho jorre.— É num sítio afastado, um sítio ermo…
Pássaros cortam vastidões sem termo,
Borboletas azuis roçam nas águas.— E a mulher lava, enrubescida a face;
Lava, cantando, como se lavasse
As suas tristes e profundas mágoas.
Torre De Ouro
Desta torre desfraldam-se altaneiras,
Por sóis de céus imensos broqueladas,
Bandeiras reais, do azul das madrugadas
E do íris flamejante das poncheiras.As torres de outras regiões primeiras
No Amor, nas Glórias vãs arrebatadas
Não elevam mais alto, desfraldadas,
Bravas, triunfantes, imortais bandeiras.São pavilhões das hostes fugitivas,
Das guerras acres, sanguinárias, vivas,
Da luta que os Espíritos ufana.Estandartes heróicos, palpitantes,
Vendo em marcha passe aniquilantes
As torvas catapultas do Nirvana!
Das Unnennbare
Oh quimera, que passas embalada
Na onda de meus sonhos dolorosos,
E roças co’os vestidos vaporosos
A minha fronte pálida e cansada!Leva-te o ar da noite sossegada…
Pergunto em vão, com olhos ansiosos,
Que nome é que te dão os venturosos
No teu país, misteriosa fada!Mas que destino o meu! e que luz baça
A d’esta aurora, igual à do sol posto,
Quando só nuvem lívida esvoaça!Que nem a noite uma ilusão consinta!
Que só de longe e em sonhos te presinta…
E nem em sonhos possa ver-te o rosto!
LXXVII
Não há no mundo fé, não há lealdade;
Tudo é, ó Fábio, torpe hipocrisia;
Fingido trato, infame aleivosia
Rodeiam sempre a cândida amizade.Veste o engano o aspecto da verdade;
Porque melhor o vício se avalia:
Porém do tempo a mísera porfia,
Duro fiscal, lhe mostra a falsidade.Se talvez descobrir-se se procura
Esta de amor fantástica aparência,
É como à luz do Sol a sombra escura:Mas que muito, se mostra a experiência,
Que da amizade a torre mais segura
Tem a base maior na dependência!
Conchita
Adeus aos filtros da mulher bonita;
A esse rosto espanhol, pulcro e moreno;
Ao pé que no bolero… ao pé pequeno;
Pé que, alígero e célere, saltita…Lira do amor, que o amor não mais excita,
A um silêncio de morte eu te condeno;
Despede-te; e um adeus, no último treno,
Soluça às graças da gentil Conchita:A esses, que em ondas se levantam, seios
Do mais cheiroso jambo; a esses quebrados
Olhos meridionais de ardência cheios;A esses lábios, enfim, de nácar vivo,
Virgens dos lábios de outrem, mas corados
Pelos beijos de um sol quente e lascivo.
Velhas Tristezas
Diluências de luz, velhas tristezas
Das almas que morreram para a lute!
Sois as sombras amadas de belezas
Hoje mais frias do que a pedra bruta.Murmúrios incógnitos de gruta
Onde o Mar canta os salmos e as rudezas
De obscuras religiões — voz impoluta
De sodas as titânicas grandezas.Passai, lembrando as sensações antigas,
Paixões que foram já dóceis amigas,
Na luz de eternos sóis glorificadas.Alegrias de há tempos! E hoje e agora,
Velhas tristezas que se vão embora
No poente da Saudade amortalhadas!…
Os Mochos
Sob os feixos onde habitam,
Os mochos formam em filas;
Fugindo as rubras pupilas,
Mudos e quietos, meditam.E assim permanecerão
Até o Sol se ir deitar
No leito enorme do mar,
Sob um sombrio edredão.Do seu exemplo, tirai
Proveitoso ensinamento:
— Fugí do mundo, evitaiO bulício e o movimento…
Quem atrás de sombras vai,
Só logra arrependimento!Tradução de Delfim Guimarães
Inconstância
É o meu destino: – hei de seguir assim
como um novo amor por sol, em cada dia…
– o que há pouco era tudo o que queria
já agora não é nada para mim…Só vive, o que ainda é sonho e fantasia!
O que conquisto encontra logo um fim…
O amor que nasce cheio de alegria
hoje – morre amanhã cheio de esplim…Inconstante e volúvel, meus desejos
– tem a alma das bolhas de sabão
e a duração efêmera dos beijos…O amor – é a vida de um perfume no ar,
o encanto de um segundo de ilusão…
– a beleza da espuma sobre o mar!…
PARAÍSO
Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota…
Crepite, em derredor, o mar de Agosto…
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito…Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.