Alma Serena
Alma serena, a consciência pura,
assim eu quero a vida que me resta.
Saudade não é dor nem amargura,
dilui-se ao longe a derradeira festa.Não me tentam as rotas da aventura,
agora sei que a minha estrada é esta:
difícil de subir, áspera e dura,
mas branca a urze, de oiro puro a giesta.Assim meu canto fácil de entender,
como chuva a cair, planta a nascer,
como raiz na terra, água corrente.Tão fácil o difícil verso obscuro!
Eu não canto, porém, atrás dum muro,
eu canto ao sol e para toda a gente.
Sonetos sobre Sol
368 resultadosCanção Da Formosura
Vinho de sol ideal canta e cintila
Nos teus olhos, cintila e aos lábios desce,
Desce a boca cheirosa e a empurpurece,
Cintila e canta após dentre a pupila.Sobe, cantando, a limpidez tranqüila
Da tu’alma estrelada e resplandece,
Canta de novo e na doirada messe
Do teu amor, se perpetua e trila…Canta e te alaga e se derrama e alaga…
Num rio de ouro, iriante, se propaga
Na tua carne alabastrina e pura.Cintila e canta na canção das cores,
Na harmonia dos astros sonhadores,
A Canção imortal da Formosura!
A Vida
“A Vida”
III
“… A vida é assim, segue e verás, – a vida
é um dia de esperança, um longo poente
de incertezas cruéis, e finalmente
a grande noite estranha e dolorida…Hoje o sol, hoje a luz, hoje contente
a estrada a percorrer suave e florida…
– amanhã, pela sombra, inutilmente
outra sombra a vagar, triste e perdida…A vida é assim, é um dia de esperança
uma réstia de luz entre dois ramos
que a noite envolve cedo, sem tardança…E enquanto as sombras chegam, nós, ao vê-las,
ainda somos felizes e encontramos
a saudade infinita das estrelas!…”
A Janela E O Sol
“Deixa-me entrar, – dizia o sol – suspende
A cortina, soabre-te! Preciso
O íris trêmulo ver que o sonho acende
Em seu sereno virginal sorriso.Dá-me uma fresta só do paraíso
Vedado, se o ser nele inteiro ofende…
E eu, como o eunuco, estúpido, indeciso,
Ver-lhe-ei o rosto que na sombra esplende.”E, fechando mais, zelosa e firme,
Respondia a janela: “Tem-te, ousado!
Não te deixo passar! Eu, néscia, abri-me!E esta que dorme, sol, que não diria
Ao ver-te o olhar por trás do cortinado,
E ao ver-se a um tempo desnudada e fria?!”
A Morte – O Sol Do Terrível
(com tema de Renato Carneiro Campos)
Mas eu enfrentarei o Sol divino,
o Olhar sagrado em que a Pantera arde.
Saberei porque a teia do Destino
não houve quem cortasse ou desatasse.Não serei orgulhoso nem covarde,
que o sangue se rebela ao toque e ao Sino.
Verei feita em topázio a luz da Tarde,
pedra do Sono e cetro do Assassino.Ela virá, Mulher, afiando as asas,
com os dentes de cristal, feitos de brasas,
e há de sagrar-me a vista o Gavião.Mas sei, também, que só assim verei
a coroa da Chama e Deus, meu Rei,
assentado em seu trono do Sertão.
Clamando
Bárbaros vãos, dementes e terríveis
Bonzos tremendos de ferrenho aspeto,
Ah! deste ser todo o clarão secreto
Jamais pôde inflamar-vos, Impassíveis!Tantas guerras bizarras e incoercíveis
No tempo e tanto, tanto imenso afeto,
São para vós menos que um verme e inseto
Na corrente vital pouco sensíveis.No entanto nessas guerras mais bizarras
De sol, clarins e rútilas fanfarras,
Nessas radiantes e profundas guerras…As minhas carnes se dilaceraram
E vão, das Ilusões que flamejaram,
Com o próprio sangue fecundando as terras…
as meninas
as minhas filhas nadam. a mais nova
leva nos braços bóias pequeninas,
a outra dá um salto e põe à prova
o corpo esguio, as longas pernas finas:entre risadas como serpentinas,
vai como a formosinha numa trova,
salta a pés juntos, dedos nas narinas,
e emerge ao sol que o seu cabelo escova.a água tem a pele azul-turquesa
e brilhos e salpicos, e mergulham
feitas pura alegria incandescente.e ficam, de ternura e de surpresa,
nas toalhas de cor em que se embrulham,
ninfinhas sobre a relva, de repente.
Minha Vida!
Tu estás doente meu amor, porquê?
Falta-te o sol, a luz, o meu sabor?
Ou queres tu, que ainda eu te dê,
nos meus braços, mais ânsia, mais calor?Se és tu o sol, a graça, essa mercê
divina que Deus trouxe à minha dor,
exige tudo, a minha vida e crê
que ta darei com alegria, amor!Se perdes a alegria, minha vida,
perco-me eu a procurar a causa:
minha alegria é também perdida!Beijemo-nos, meu bem, ardentemente…
que venha a morte numa doce pausa
e que nos leve se não és contente!
Destino
Aquela voz era intranqüila. Trago-a
No ouvido ainda ininterruptamente:
Voz de alma que sofreu, voz de vivente,
Desoladora e trêmula de mágoa.Era o rio da Vida; a água paciente
Que, arrastando calhaus, de frágua em frágua
Ora beijava a sombra na corrente,
Ora abraçava o Sol com os braços de água.Deus te leve, água pura e fresca!… A treva
Não te interrompa a marcha transitória,
Porque o Destino ingrato que te levaPara o vale florido ou o amplo deserto,
É o mesmo que me arrasta o passo incerto
Para o despenhadeiro ou para a Glória.
O Amor não Tem Nenhuma Parte Terrena
Por ser maior o cerco de ouro ardente
do sol que o globo opaco que é a terra,
e menor que este o que à lua encerra
as três caras que mostra diferente,ora a vemos minguante, ora crescente,
ora na sombra o eclipse a enterra;
porém aos seis planetas não faz guerra,
nem uma estrela sua injúria sente.A fogueira do meu amor, cravada
no zénite do vasto firmamento,
não baixa em sombras ou está eclipsada.Manchas da terra não as experimento:
que sua noite dista da sagrada
região onde minha fé tem seu assento.Tradução de José Bento
Aquele Claro Sol
Aquele claro sol, que me mostrava
o caminho do céu mais chão, mais certo,
e com seu novo raio, ao longe, e ao perto,
toda a sombra mortal m’afugentava,deixou a prisão triste, em que cá estava.
Eu fiquei cego, e só, c’o passo incerto,
perdido peregrino no deserto
a que faltou a guia que o levava.Assi c’o esprito triste, o juízo escuro,
suas santas pisadas vou buscando
por vales, e por campos, e por montes.Em toda parte a vejo, e a figuro.
Ela me toma a mão e vai guiando,
e meus olhos a seguem, feitos fontes.
Erros Meus a que Chamarei Virtude
Erros meus a que chamarei virtude,
Por bem vos quero, e morro despedido
Sem amor, sem saúde, o chão perdido,
Erros meus a que chamarei virtude.A terra cultivei, amargo e rude,
No sonho de melhor a ter servido;
Para ilusão de um palmo de comprido,
A terra cultivei, amargo e rude.E o amor? A saúde? Eis os dois Lagos
Onde os olhos me ficam debruçados
— Azul e roxo, rasos de água os Lagos.Mas direis, erros meus, ainda amores?
— São bonitos os dias acabados
Quando ao poente o Sol desfolha flores.
Tudo O Que É Puro, Santo E Resplendente
Tudo o que é puro, santo e resplendente,
N’este mundo cruel de desenganos,
Toda a ventura dos primeiros anos
N’um’alma que desabrocha sorridente;Tudo o que ainda vemos de potente
Na vastidão sem fim dos oceanos,
E da terra nos prantos soberanos
Trazidos pela aurora refulgente;Tudo o que desce do infinito ousado:
O sol, a brisa, o orvalho prateado,
A luz do amor, do bem, das esperanças;Tudo, afinal, que vem do Céu dourado
A despertar o coração magoado,
– Deus encerrou nos olhos das crianças!
XIX
Sai a passeio, mal o dia nasce,
Bela, nas simples roupas vaporosas;
E mostra às rosas do jardim as rosas
Frescas e puras que possui na face.Passa. E todo o jardim, por que ela passe,
Atavia-se. Há falas misteriosas
Pelas moitas, saudando-a respeitosas…
É como se uma sílfide passasse!E a luz cerca-a, beijando-a. O vento é um choro
Curvam-se as flores trêmulas … O bando
Das aves todas vem saudá-la em coro …E ela vai, dando ao sol o rosto brendo.
Às aves dando o olhar, ao vento o louro
Cabelo, e às flores os sorrisos dando…
A Uma Senhora Que Me Pediu Versos
Pensa em ti mesma, acharás
Melhor poesia,
Viveza, graça, alegria,
Doçura e paz.Se já dei flores um dia,
Quando rapaz,
As que ora dou têm assaz
Melancolia.Uma só das horas tuas
Valem um mês
Das alma já ressequidas.Os sóis e as luas
Creio bem que Deus os fez
Para outras vidas.
Enlevo
Porque esse olhar de sombra de temor
Se perde em mim, às horas do sol posto,
Quando é de âmbar translúcido o teu rosto,
E a tua alma desmaia como flor;Porque essas mãos, ardidas de fervor,
Ampararam minha vida de desgosto,
Pobre que sou, Mulher, eu hei composto
Harmonias de prece em teu louvor!Dei-te a minha alma para ti nascida,
Meus versos que são mais que a minha vida;
Por Deus, perdoa ao mísero mendigo!Perdoa a quem, ansioso de outro mundo,
Implora à Morte o sono mais profundo,
Só pela graça de sonhar contigo!
Campesinas VI
As uvas pretas em- cachos
Dão agora nas latadas…
Que lindo tom de alvoradas
Na vinha, junto aos riachos.Este ano arados e sachos
Deixaram terras lavradas,
À espera das inflamadas
Ondas do sol, como fachos.Veio o sol e fecundou-as,
Deu-lhes vigor, enseivou-as,
Tornou-as férteis de amor.Eis que as vinhas rebentaram
E as uvas amaduraram,
Sanguíneas, com sol na cor.
Hei-de Tomar-te
Lindo e subtil trançado, que ficaste
Em penhor do remédio que mereço,
Se só contigo, vendo-te, endoudeço,
Que fora co’os cabelos que apertaste?Aquelas tranças de ouro que ligaste,
Que os raios de sol têm em pouco preço,
Não sei se para engano do que peço,
Ou para me matar as desataste.Lindo trançado, em minhas mãos te vejo,
E por satisfação de minhas dores,
Como quem não tem outra, hei-de tomar-te.E se não for contente o meu desejo,
Dir-lhe-ei que, nesta regra dos amores,
Por o todo também se toma a parte.
Sofredora
Cobre-lhe a fria palidez do rosto
O sendal da tristeza que a desola;
Chora – o orvalho do pranto lhe perola
As faces maceradas de desgosto.Quando o rosário de seu pranto rola,
Das brancas rosas do seu triste rosto
Que rolam murchas como um sol já posto
Um perfume de lágrimas se evola.Tenta às vezes, porém, nervosa e louca
Esquecer por momento a mágoa intensa
Arrancando um sorriso à flor da boca.Mas volta logo um negro desconforto,
Bela na Dor, sublime na Descrença.
Como Jesus a soluçar no Horto!
In Memoriam
Ao meu morto querido
Na cidade de Assis, “il Poverello”
santo, três vezes santo, andou pregando
Que o Sol, a Terra, a flor, o rocio brando,
Da pobreza o tristíssimo flagelo,Tudo quanto há de vil, quanto há de belo,
Tudo era nosso irmão! — E assim sonhando,
Pelas estradas da Umbra foi forjando
Da cadeia do amor o maior elo!“Olha o nosso irmão Sol, nossa irmã Água…”
Ah! Poverello! Em mim, essa lição
Perdeu-se como vela em mar de mágoaBatida por furiosos vendavais!
— Eu fui na vida a irmã de um só Irmão,
E já não sou a irmã de ninguém mais!