Sonetos sobre Navios

12 resultados
Sonetos de navios escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Soneto das Metamorfoses

A Edmundo Morais

Carolina, a cansada, fez-se espera
e nunca se entregou ao mar antigo.
NĂŁo por temor ao mar, mas ao perigo
de com ela incendiar-se a primavera.

Carolina, a cansada que entĂŁo era,
despiu, humildemente, as vestes pretas
e incendiou navios e corvetas
já cansada, por fim, de tanta espera.

E cinza fez-se. E teve o corpo implume
escandalosamente penetrado
de imprevistos azuis e claro lume.

Foi quando se lembrou de ser esquife:
abandonou seu corpo incendiado
e adormeceu nas brumas do Recife.

Flor Do Mar

És da origem do mar, vens do secreto,
Do estranho mar espumaroso e frio
Que põe rede de sonhos ao navio,
E o deixa balouçar, na vaga, inquieto.

Possuis do mar o deslumbrante afeto,
As dormĂŞncias nervosas e o sombrio
E torvo aspecto aterrador, bravio
Das ondas no atro e proceloso aspecto.

Num fundo ideal de pĂşrpuras e rosas
Surges das águas mucilaginosas
Como a lua entre a nĂ©voa dos espaços…

Trazes na carne o eflorescer das vinhas,
Auroras, virgens musicas marinhas,
Acres aromas de algas e sargaços…

Em uma Tarde de Outono

Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono… Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto…

Por que, belo navio, ao clarĂŁo das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos…
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarĂŁo nascente do arrebol…

A Noite

A nebulosidade ameaçadora
Tolda o Ă©ter, mancha a gleba, agride os rios
E urde amplas teias de carvões sombrios
No ar que álacre e radiante, há instantes, fora.

A água transubstancia-se. A onda estoura
Na negridĂŁo do oceano e entre os navios
Troa bárbara zoada de ais bravios,
Extraordinariamente atordoadora.

A custĂłdia do anĂ­mico registro
A planetária escuridĂŁo se anexa…
Somente, iguais a espiões que acordam cedo,

Ficam brilhando com fulgor sinistro
Dentro da treva omnĂ­moda e complexa
Os olhos fundos dos que estĂŁo com medo!

VĂŞnus II

Singra o navio. Sob a água clara
VĂŞ-se o fundo do mar, de areia fina…
– Impecável figura peregrina,
A distância sem fim que nos separa!

Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparĂŞncia luminosa
Repousam, fundos, sob a água plana.

E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrágios, perdições, destroços!
– Ă“ fĂşlgida visĂŁo, linda mentira!

RĂłseas unhinhas que a marĂ© partira…
Dentinhos que o vaivĂ©m desengastara…
Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos…

As Tuas MĂŁos Terminam Em Segredo

As tuas mĂŁos terminam em segredo.
Os teus olhos sĂŁo negros e macios
Cristo na cruz os teus seios (?) esguios
E o teu perfil princesas no degredo…

Entre buxos e ao pé de bancos frios
Nas entrevistas alamedas, quedo
O vendo põe o seu arrastado medo
Saudoso o longes velas de navios.

Mas quando o mar subir na praia e for
Arrasar os castelos que na areia
As crianças deixaram, meu amor,

Será o haver cais num mar distante…
Pobre do rei pai das princesas feias
No seu castelo Ă  rosa do Levante !

A Vida que Vivemos

A vida que vivemos encerrou-se
na concha de coral duma lembrança.
Por muros altaneiros confmou-se,
volteia dentro deles em suave dança.

Liberta de sonhar, por tal fronteira,
condenada a um eterno redopio,
pusilânime e triste timoneira
balançando ao sabor do teu navio,

Ăł estranha expressĂŁo de movimento,
tĂŁo escrava de ti que nĂŁo tens fim,
Ăł reduto fechado dum tormento

cujas mĂŁos me maltratam sĂł a mim,
deixa as aves lançarem no teu meio
essa sombra das asas por que anseio!

Soneto Da Enseada

Sou sempre o que está além de mim
como a ponte de Brooklyn ao pĂ´r-do-sol.
Sou o peixe buscado pelo anzol
e o caracol imĂłvel no jardim.

De mim mesmo me parto, qual navio,
e sou tudo o que vive além de mim:
o barulho da noite e o cheiro de jasmim
que corre entre as estrelas como um rio.

Quem atravessa a ponte logo aprende
que a vida Ă© simplesmente a travessia
entre um aquém e um além que são dois nadas.

Na madrugada escura a luz se acende.
Que luz? De que vigĂ­lia ou de que dia?
De que barco ancorado na enseada?

Metáfora da Ambição

Vivia aquele Freixo no alto monte,
Verde e robusto: apenas o tocava
O brando vento, apenas o deixava
De abraçar pelos pés aquela fonte.

TĂŁo soberbo despois levanta a fronte,
Como o PavĂŁo, do bosque donde estava,
Envejoso de ver que o mar cortava
Um Pinho que nasceu dele defronte.

Ora saiu da terra e foi navio,
Lutou c’o Mar, lutou c’o vento em guerra:
– Quedas viu ser o que esperava abraços.

Ei-lo que chora em vĂŁo seu desvario.
De longe a vĂŞ, chegar deseja Ă  terra:
Não lho consente o Mar, nem em pedaços.

A MĂşsica

A mĂşsica p’ra mim tem seduções de oceano!
Quantas vezes procuro navegar,
Sobre um dorso brumoso, a vela a todo o pano,
Minha pálida estrela a demandar!

O peito saliente, os pulmões distendidos
Como o rijo velame d’um navio,
Intento desvendar os reinos escondidos
Sob o manto da noite escuro e frio;

Sinto vibrar em mim todas as comoções
D’um navio que sulca o vasto mar;
Chuvas temporais, ciclones, convulsões

Conseguem a minh’alma acalentar.
— Mas quando reina a paz, quando a bonança impera,
Que desespero horrĂ­vel me exaspera!

Tradução de Delfim Guimarães

VĂ©nus

I

Ă€ flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda…
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razĂŁo se perde!

PĂştrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.

O seu esboço, na marinha turva…
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pĂ©s atrás, como voando…

E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co’a salsugem.

II

Singra o navio. Sob a água clara
VĂŞ-se o fundo do mar, de areia fina…
_ Impecável figura peregrina,
A distância sem fim que nos separa!

Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparĂŞncia luminosa
Repousam, fundos, sob a água plana.

E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrágios, perdições, destroços!
_ Ă“ fĂşlgida visĂŁo, linda mentira!

RĂłseas unhinhas que a marĂ© partira…
Dentinhos que o vaivĂ©m desengastara…

Continue lendo…

Navios-Fantasmas

O arabesco fantástico do fumo
Do meu cigarro traça o que disseste,
A azul, no ar, e o que me escreveste,
E tudo o que sonhaste e eu presumo.

Para a minha alma estática e sem rumo,
A lembrança de tudo o que me deste
Passa como navio que perdeste,
No arabesco fantástico do fumo…

Lá vão! Lá vão! Sem velas e sem mastros,
TĂŞm o brilho rutilante de astros,
Navios-fantasmas, perdem-se a distância!

VĂŁo-me buscar, sem mastros e sem velas,
Noiva-menina, as doidas caravelas,
Ao ignoto PaĂ­s da minha infância…