Ermida
Lá onde a calma e a placidez existe,
Sobre as colinas que o vergel encobre,
Aquela ermida como está tão pobre,
Aquela ermida como está tão triste.A minha musa, sem falar, assiste,
Do meio-dia ante o aspecto nobre,
O vago, estranho e murmurante dobre
Daquela ermida que aos trovões resisteE as gargalhadas funéreas, sombrias,
Dos crus invernos e das ventanias,
Do temporal desolador e forte.Daquela triste esbranquiçada ermida,
Que me recorda, me parece a vida
Jogada às magoas e ilusões da sorte.
Sonetos sobre Temporais
6 resultadosSpleen
Fora, na vasta noute, um vento de procela
Erra, aos saltos, uivando, em rajadas e em fĂşria;
E num rumor de choro, uma voz de lamĂşria,
Ouço a chuva a escorrer nos vidros da janela.No desconforto do meu quarto de estudante,
Velo. Sinto-me como insulado da vida.
Eu imagino a morte assim, aborrecida
SolidĂŁo numa sombra infinita e constante…Tu, que Ă©s forte, rebrame em fĂşria, natureza!
Eu, caĂdo num fundo abismo de tristeza,
Invejo-te a expansão livre do temporal;E, no tédio feroz que me assalta e me toma,
Sinto ansiarem-me n’alma instintos de chacal…
E compreendo Nero incendiando Roma.
Psicologia Humana
A Santos Lostada
Por trás de uns vidros d’Ăłculos opacos
Muita vez um leĂŁo e um tigre rugem,
E como um surdo temporal estrugem
Os Ăłdios dos covardes e dos fracos.Partir pudesses, Ăł poeta, em cacos,
Vidros que ocultam almas de ferrugem,
Que espumam de ira, tenebrosas mugem,
Mugem como de dentro de uns buracos.Que essas sombrias, dĂşbias almas foscas
Que parecem, no entanto, como moscas,
Inofensivas, babam como as lesmas.Mas tu, em vĂŁo, tais vidros partirias,
Pois que no mundo, eternamente, as frias
Almas humanas serĂŁo sempre as mesmas!
Tempestade AmazĂ´nica
O calor asfixia e o ar escurece. O rio,
Quieto, nĂŁo tem uma onda. Os insetos na mata
Zumbem tontos de medo. E o pássaro, o sombrio
Da floresta procura, onde a chuva nĂŁo bata.SĂşbito, o raio estala. O vento zune. Um frio
De terror tudo invade… E o temporal desata
As peias pelo espaço e, bufando, bravio,
O arvoredo retorce e as folhas arrebata.O anoso buriti curva a copa, e farfalha.
Aves rodam no céu, num estéril esforço,
Entre nuvens de folha e fragmentos de palha.No alto o trovĂŁo repousa e em baixo a mata brama.
Ruge em meio a amplidĂŁo. Das nuvens pelo dorso
Correm serpes de fogo. E a chuva se derrama…
O Inimigo
A mocidade foi-me um temporal bem triste,
Onde raro brilhou a luz d’um claro dia;
Tanta chuva caiu, que quase nĂŁo existe
Uma flor no jardim da minha fantasia.E agora, que alcancei o outono, alquebrantado,
Que paciente labor não preciso — ai de mim! —
Se quiser renovar o terreno encharcado,
Cheio de boqueirões, que Ă© hoje o meu jardim!E quem sabe se as flor’s ideais que ora cobiço
Iriam encontrar no chão alagadiço
O preciso alimento ao seu desabrochar?Corre o tempo veloz, num galope desfeito,
E a Dor, a ingente Dor, que nos corrĂłi o peito,
Com nosso próprio sangue, a crescer, a medrar!Tradução de Delfim Guimarães
A MĂşsica
A mĂşsica p’ra mim tem seduções de oceano!
Quantas vezes procuro navegar,
Sobre um dorso brumoso, a vela a todo o pano,
Minha pálida estrela a demandar!O peito saliente, os pulmões distendidos
Como o rijo velame d’um navio,
Intento desvendar os reinos escondidos
Sob o manto da noite escuro e frio;Sinto vibrar em mim todas as comoções
D’um navio que sulca o vasto mar;
Chuvas temporais, ciclones, convulsõesConseguem a minh’alma acalentar.
— Mas quando reina a paz, quando a bonança impera,
Que desespero horrĂvel me exaspera!Tradução de Delfim GuimarĂŁes