Sonetos sobre Terra

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Sonetos de terra escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Poeira

Poeira leve, a vibrar as moléculas: poeira
Que um pobre sonhador, à luz da Arte, risonho,
Busca fazer faiscar: pó, que se ergue à carreira
Do Mazepa do Amor pela estepe do Sonho.

Para ver-te subir, voar da crosta rasteira
Da terra, a trabalhar, todas as forças ponho:
E a seguir teu destino, enlevada, a alma inteira
O teu ciclo fará, seja suave ou tristonho.

Não irás, com certeza, alto ou distante. O insano
Pó não és que, a turvar o céu claro da Itália,
Traz o vento, a bramir, do Deserto africano:

Que és o humílimo pó duma estrada sem povo,
Que, pisado uma vez, pelo ambiente se espalha,
Sente um raio de Sol, cai na terra de novo.

Noite Cruel

A meu irmão Henrique

Morrer… morrer… morrer… Fechar na terra os olhos
A tudo o que se ama, a tudo o que se adora;
E nunca mais ouvir a música sonora
Da ilusão a cantar da vida nos refolhos…

Sentir o coração ferir-se nos escolhos
De tormentoso mar, – pobre vaga que chora! –
E no arranco final da derradeira hora,
Soluçando morrer num oceano de abrolhos.

Nem ao menos beijar – ó supremo desgosto! –
A mão doce e fiel que nos enxuga o rosto
Mostrando-nos o Céu suspenso de uma Cruz…

E perguntar a Deus na agonia e nas trevas:
Onde fica, Senhor, a terra a que nos levas,
Com as mãos postas no seio e os dois olhos sem luz?!

A Um Gérmen

Começaste a existir, geléia crua,
E hás de crescer, no teu silêncio, tanto
Que, é natural, ainda algum dia, o pranto
Das tuas concreções plásmicas flua!

A água, em conjugação com a terra nua,
Vence o granito, deprimindo-o … O espanto
Convulsiona os espíritos, e, entanto,
Teu desenvolvimento continua!

Antes, geléia humana, não progridas
E em retrogradações indefinidas,
Volvas à antiga inexistência calma!…

Antes o Nada, oh! gérmen, que ainda haveres
De atingir, como o gérmen de outros seres,
Ao supremo infortúnio de ser alma!

Soneto

Agora é tarde para novo rumo
Dar ao sequioso espírito; outra via
Não terei de mostrar-lhe e à fantasia
Além desta em que peno e me consumo.

Aí, de sol nascente a sol a prumo,
Deste ao declínio e ao desmaiar do dia,
Tenho ido empós do ideal que me alumia,
A lidar com o que é vão, é sonho, é fumo.

Aí me hei de ficar até cansado
Cair, inda abençoando o doce e amigo
Instrumento em que canto e a alma me encerra;

Abençoando-o por sempre andar comigo
E bem ou mal, aos versos me haver dado
Um raio do esplendor de minha terra.

Vila Rica

O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre;
Sangram, em laivos de ouro, as minas, que ambição
Na torturada entranha abriu da terra nobre:
E cada cicatriz brilha como um brasão.

O ângelus plange ao longe em doloroso dobre,
O último ouro de sol morre na cerração.
E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre,
O crepúsculo cai como uma extrema-unção.

Agora, para além do cerro, o céu parece
Feito de um ouro ancião, que o tempo enegreceu…
A neblina, roçando o chão, cicia, em prece,

Como uma procissão espectral que se move…
Dobra o sino… Soluça um verso de Dirceu…
Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove.

Quando o Sol Torna donde vos Deixou

Quando o Sol torna donde vos deixou,
Tanto com os vossos olhos se parece,
Que quando a alma o vê, mais reconhece
Que por retrato vosso lhe ficou.

Assim, no próprio Sol amor achou
Com que sempre presente vos tivesse,
Por que apartar um dia não pudesse
O que ele em tantos dias ajuntou.

Depois que o Sol me esconde a terra avara,
Quantas estrelas abre a noite rica,
Com tantos olhos cuido que vos vejo.

Mas nem a sorte assim com o Céu trocara,
Que inda que com vos ver tão belo fica,
A beleza não tem de meu desejo.

Pela Pátria

Ouve, meu Filho: cheio de carinho,
Ama as Árvores, ama. E, se puderes,
(E poderás: tu podes quanto queres!)
Vai-as plantando à beira do caminho.

Hoje uma, outra amanhã, devagarinho.
Serão em fruto e em flor, quando cresceres.
Façam os outros como tu fizeres:
Aves de Abril que vão compondo o ninho.

Torne fecunda e bela cada qual,
a terra em que nascer: e Portugal
Será fecundo e belo, e o mundo inteiro.

Fortes e unidos, trabalhai assim…
– A Pátria não é mais do que um jardim
Onde nós todos temos um canteiro.

Pero Coelho

(Descobridor do Ceará)

Na umidade do cárcere de Olinda
– Enjaulado jaguar que a vida acaba
Lembrando a selva rumorosa e linda –
Sonha o conquistador da Ibiapaba.

O sonho é o resto da jornada: é a vinda;
E a morte; é a sede; é o desespero; a taba
Toda investindo. A terra em fogo. Um baba;
Outro cai; outro fica; outro se finda…

Dois filhos morrem nos seus braços: vede!
E nem, sequer, irmão de Agar, tem perto,
Nos olhos água que lhes mate a sede!

E, ao fim de tudo, acusações e gritas…
Ah! por que não tombara no Deserto
Abraçado com os seus israelitas!?…

Criação

Há no amor um momento de grandeza,
que é de inconsciência e de êxtase bendito:
os dois corpos são toda a Natureza,
as duas almas são todo o Infinito.

É um mistério de força e de surpresa!
Estala o coração da terra aflito;
rasga-se em luz fecunda a esfera acesa,
e de todos os astros rompe um grito.

Deus transmite o seu hálito aos amantes:
cada beijo é a sanção dos Sete Dias,
e a Gênese fulgura em cada abraço;

Porque, entre as duas bocas soluçantes,
rola todo o Universo, em harmonias
e em florificações, enchendo o espaço!

Que Encanto é o Teu?

Amo-te muito, meu amor, e tanto
que, ao ter-te, amo-te mais, e mais ainda
depois de ter-te, meu amor. Não finda
com o próprio amor o amor do teu encanto.

Que encanto é o teu? Se continua enquanto
sofro a traição dos que, viscosos, prendem,
por uma paz da guerra a que se vendem,
a pura liberdade do meu canto,

um cântico da terra e do seu povo,
nesta invenção da humanidade inteira
que a cada instante há que inventar de novo,

tão quase é coisa ou sucessão que passa…
Que encanto é o teu? Deitado à tua beira,
sei que se rasga, eterno, o véu da Graça.

Outonal

Caem as folhas mortas sobre o lago!
Na penumbra outonal, não sei quem tece
As rendas do silêncio…Olha, anoitece!
— Brumas longínquas do País Vago…

Veludos a ondear…Mistério mago…
Encantamento…A hora que não esquece,
A luz que a pouco e pouco desfalece,
Que lança em mim a bênção dum afago…

Outono dos crepúsculos doirados,
De púrpuras, damascos e brocados!
— Vestes a Terra inteira de esplendor!

Outono das tardinhas silenciosas,
Das magníficas noites voluptuosas
Em que soluço a delirar de amor…

Pobre De Cristo

A José Emídio Amaro

Ó minha terra na planície rasa,
Branca de sol e cal e de luar,
Minha terra que nunca viste o mar,
Onde tenho o meu pão e a minha casa.

Minha terra de tardes sem uma asa,
Sem um bater de folhas…a dormitar…
Meu anel de rubis a flamejar,
Minha terra moirisca a arder em brasa!

Minha terra onde meu irmão nasceu
Aonde a mãe que eu tive e que morreu
Foi moça e loira, amou e foi amada!

Truz…Truz…Truz… — Eu não tenho onde me acoite,
Sou um pobre de longe, é quase noite,
Terra, quero dormir, dá-me pousada!…

Soneto XI

Lá nua estranha e solitária terra,
De gente e nação bárbara habitada,
O metal nobre não se estima em nada
Que embalde seu valor e preço encerra.

Ouro, com que se arrea e move guerra
A corações, a Dama delicada,
Serve lá de grilhão, que em apertada
Corrente a malfeitores fecha e cerra.

Nace esta confusão e diferença
Do muito que uns o seu valor alcançam,
E do pouco que de outros se conhece.

Julguem do Sol, e sua glória imensa
Os olhos d’Águia, já que todos cansam,
Que só para tais olhos resplandece.

II

Celeste… É assim, divina, que te chamas.
Belo nome tu tens, Dona Celeste…
Que outro terias entre humanas damas,
Tu que embora na terra do céu vieste?

Celeste… E como tu és do céu não amas:
Forma imortal que o espírito reveste
De luz, não temes sol, não temes chamas,
Porque és sol, porque és luar, sendo celeste.

Incoercível como a melancolia,
Andas em tudo: o sol no poente vasto
Pede-te a mágoa do findar do dia.

E a lua, em meio à noite constelada,
Pede-te o luar indefinido e casto
Da tua palidez de hóstia sagrada.

Namorados

Um ao lado do outro, – assim juntinhos,
mãos enlaçadas num enlevo infindo,
– seguem… a imaginar que estão seguindo
o mais suave de todos os caminhos…

Com gravetos de sonho vão construindo
na terra, como no ar os passarinhos,
a esplêndida ilusão de um mundo lindo,
entre beijos, sorrisos e carinhos…

Nada tolda os seus olhos… Nem um véu…
Andam sem ver os lados, vendo o fim
e o fim que vêem é o azul do céu…

Ah! se a gente, tal como namorados,
pudesse eternamente andar assim
pela vida a sonhar de braços dados!

Em Busca Da Beleza IV

Leva-me longe, meu suspiro fundo,
Além do que deseja e que começa,
Lá muito longe, onde o viver se esqueça
Das formas metafísicas do mundo.

Aí que o meu sentir vago e profundo
O seu lugar exterior conheça,
Aí durma em fim, aí enfim faleça
O cintilar do espírito fecundo.

Aí… mas de que serve imaginar
Regiões onde o sonho é verdadeiro
Ou terras para o ser atormentar?

É elevar demais a aspiração,
E, falhando esse sonho derradeiro,
Encontrar mais vazio o coração.

De Joelhos

“Bendita seja a Mãe que te gerou.”
Bendito o leite que te fez crescer
Bendito o berço aonde te embalou
A tua ama, pra te adormecer!

Bendita essa canção que acalentou
Da tua vida o doce alvorecer …
Bendita seja a Lua, que inundou
De luz, a Terra, só para te ver …

Benditos sejam todos que te amarem,
As que em volta de ti ajoelharem
Numa grande paixão fervente e louca!

E se mais que eu, um dia, te quiser
Alguém, bendita seja essa Mulher,
Bendito seja o beijo dessa boca!!

Vosso Nome de Amor

Quando entoar começo com voz branda
Vosso nome de amor, doce, e suave,
A terra, o mar, vento, água, flor, folha, ave
Ao brando som se alegra, move, e abranda.

Nem nuvem cobre o céu, nem na gente anda
Trabalhoso cuidado, ou peso grave,
Nova cor toma o Sul, ou se erga, ou lave
No claro Tejo, e nova luz nos manda.

Tudo se ri, se alegra, e reverdece.
Todo mundo parece que renova.
Nem há triste planeta, ou dura sorte.

A minh’alma só chora, e se entristece,
Maravilha de Amor cruel, e nova!
O que a todos traz vida, a mim traz morte.

Doces Águas E Claras Do Mondego

Doces águas e claras do Mondego,
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo após si me trouxe cego;

de vós me aparto; mas, porém, não nego
que inda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.

Bem pudera Fortuna este instrumento
d’alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;

mas alma, que de cá vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vós, águas, voa, e em vós se banha.

Deusa Serena

Espiritualizante Formosura
Gerada nas Estrelas impassíveis,
Deusa de formas bíblicas, flexíveis,
Dos eflúvios da graça e da ternura.

Açucena dos vales da Escritura,
Da alvura das magnólias marcessíveis,
Branca Via-Láctea das indefiníveis
Brancuras, fonte da imortal brancura.

Não veio, é certo, dos pauis da terra
Tanta beleza que o teu corpo encerra,
Tanta luz de luar e paz saudosa…

Vem das constelações, do Azul do Oriente,
Para triunfar maravilhosamente
Da beleza mortal e dolorosa!