LXXVIII
Campos, que ao respirar meu triste peito
Murcha, e seca tornais vossa verdura,
Não vos assuste a pálida figura,
Com que o meu rosto vedes tão desfeito.Vós me vistes um dia o doce efeito
Cantar do Deus de Amor, e da ventura;
Isso já se acabou; nada já dura;
Que tudo à vil desgraça está sujeito.Tudo se muda enfim: nada há, que seja
De tão nobre, tão firme segurança,
Que não encontre o fado, o tempo, a inveja.Esta ordem natural a tudo alcança;
E se alguém um prodígio ver deseja,
Veja meu mal, que só não tem mudança.
Sonetos sobre Tristes
308 resultadosVoz de Outono
Ouve tu, meu cansado coração,
O que te diz a voz da Natureza:
— «Mais te valera, nú e sem defesa,
Ter nascido em aspérrima soidão,Ter gemido, ainda infante, sobre o chão
Frio e cruel da mais cruel
deveza, Do que embalar-te a Fada da Beleza,
Como embalou, no berço da Ilusão!Mais valera à tua alma visionária
Silenciosa e triste ter passado
Por entre o mundo hostil e a turba vária,(Sem ver uma só flor, das mil, que amaste)
Com ódio e raiva e dor… que ter sonhado
Os sonhos ideais que tu sonhaste!» —
Solitário
Longe de ti, do mundo – solitário.
sem o riso das falsas alegrias
vou desfiando, um a um, todos os dias,
como contas de dor, no meu rosário…E assim – sem Ter ninguém – oh, quantas vezes!
– no amor que já deixei fico a pensar…
E as semanas se escoam sem parar:
a primeira… outra mais… mais outra… e os meses…O outono já chegou, e as folhas solta…
E eu, sem querer, nostálgico, me ponho
a pensar que esse amor aos poucos volta…Mentira!… Vã mentira que me ilude!…
Como é triste a ilusão mesmo num sonho,
Eu que na vida me iludir não pude!…
LXIV
Que tarde nasce o Sol, que vagaroso!
Parece, que se cansa, de que a um triste
Haja de aparecer: quanto resiste
A seu raio este sítio tenebroso!Não pode ser, que o giro luminoso
Tanto tempo detenha: se persiste
Acaso o meu delírio! se me assiste
Ainda aquele humor tão venenoso!Aquela porta ali se está cerrando;
Dela sai um pastor: outro assobia,
E o gado para o monte vai chamando.Ora não há mais louca fantasia!
Mas quem anda, como eu, assim penando,
Não sabe, quando é noite, ou quando é dia.
XXVIII
Faz a imaginação de um bem amado,
Que nele se transforme o peito amante;
Daqui vem, que a minha alma delirante
Se não distingue já do meu cuidado.Nesta doce loucura arrebatado
Anarda cuido ver, bem que distante;
Mas ao passo, que a busco neste instante
Me vejo no meu mal desenganado.Pois se Anarda em mim vive, e eu nela vivo,
E por força da idéia me converto
Na bela causa de meu fogo ativo;Como nas tristes lágrimas, que verto,
Ao querer contrastar seu gênio esquivo,
Tão longe dela estou, e estou tão perto.
Noite De Chuva
Chuva…Que gotas grossas!…Vem ouvir:
Uma …duas…mais outra que desceu…
É Viviana, é Melusina, a rir,
São rosas brancas dum rosal do Céu…Os lilases deixaram-se dormir…
Nem um frémito…a terra emudeceu…
Amor! Vem ver estrelas a cair:
Uma…duas…mais outra que desceu…Fala baixo, juntinho ao meu ouvido,
Que essa fala de amor seja um gemido,
Um murmúrio, um soluço, um ai desfeito…Ah! deixa à noite o seu encanto triste!
E a mim…o teu amor que mal existe,
Chuva a cair na noite do meu peito!
Este Livro
Este livro é de mágoas.Desgraçados os
Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente a vossa dor de Torturados
Pode, talvez, senti-lo…e compreendê-lo.Este livro é para vós. Abençoados
Os que o sentirem, sem ser bom nem belo!
Bíblia de tristes…Ó Desventurados,
Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!Livro de Mágoas…Dores…Ansiedades!
Livro de Sombras…Névoas e Saudades!
Vai pelo mundo…(Trouxe-o no meu seio…)Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,
Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro só de mágoas cheio!…
A Anto!
Poeta da saudade, ó meu poeta qu´rido
Que a morte arrebatou em seu sorrir fatal,
Ao escrever o Só pensaste enternecido
Que era o mais triste livro deste Portugal,Pensaste nos que liam esse teu missal,
Tua bíblia de dor, teu chorar sentido
Temeste que esse altar pudesse fazer mal
Aos que comungam nele a soluçar contigo!Ó Anto! Eu adoro os teus estranhos versos,
Soluços que eu uni e que senti dispersos
Por todo o livro triste! Achei teu coração…Amo-te como não te quis nunca ninguém,
Como se eu fosse, ó Anto, a tua própria mãe
Beijando-te já frio no fundo do caixão!
Sempre o Futuro, Sempre! e o Presente
Sempre o futuro, sempre! e o presente
Nunca! Que seja esta hora em que se existe
De incerteza e de dor sempre a mais triste,
E só farte o desejo um bem ausente!Ai! que importa o futuro, se inclemente
Essa hora, em que a esperança nos consiste,
Chega… é presente… e só á dor assiste?…
Assim, qual é a esperança que não mente?Desventura ou delirio?… O que procuro,
Se me foge, é miragem enganosa,
Se me espera, peor, espectro impuro…Assim a vida passa vagarosa:
O presente, a aspirar sempre ao futuro:
O futuro, uma sombra mentirosa.
Soneto Da Hora Final
Será assim, amiga: um certo dia
Estando nós a contemplar o poente
Sentiremos no rosto, de repente,
O beijo leve de uma aragem fria.Tu me olharás silenciosamente
E eu te olharei também, com nostalgia
E partiremos, tontos de poesia
Para a porta de trevas, aberta em frente.Ao transpor as fronteiras do segredo
Eu, calmo, te direi: – Não tenhas medo
E tu, tranqüila, me dirás: – Sê forte.E como dois antigos namorados
Noturnamente tristes e enlaçados
Nós entraremos nos jardins da morte.
Tudo Nada
É isso mesmo a vida, – eu que tenho ao meu lado
a espera do primeiro gesto
mulheres que desprezo e que me tem paixão,
– imploro o teu amor, de joelhos, desprezado…– És feliz, dizem uns; és querido e admirado;
outros dizem; – no entanto, eu sinto o coração
vazio, e ninguém sabe que em minha alma estão
presos, – um grande amor e um sonho imensurado…– Podes ter aos teus pés o mundo e o que quiseres;
afirmam-me… E eu sorrio, amargurado e mudo
ante a oferta de amor de inúmeras mulheres…Tanta cousa!… E a minha alma triste e amargurada!
– Que me adianta esse amor, esse mundo, isso tudo,
Se Tudo para mim, sem teu amor, é o Nada!…
Desterro
Já me não amas? Basta! Irei, triste, e exilado
Do meu primeiro amor para outro amor, sozinho.
Adeus, carne cheirosa! Adeus, primeiro ninho
Do meu delírio! Adeus, belo corpo adorado!Em ti, como num vale, adormeci deitado,
No meu sonho de amor, em meão do caminho…
Beijo-te inda uma vez, num último carinho,
Como quem vai sair da pátria desterrado…Adeus, corpo gentil, pátria do meu desejo!
Berço em que se emplumou o meu primeiro idílio,
Terra em que floresceu o meu primeiro beijo!Adeus! Esse outro amor há de amargar-me tanto
Como o pão que se come entre estranhos, no exílio,
Amassado com fel e embebido de pranto…
A Flor Do Cárcere
Nascera ali – no limo viridente
Dos muros da prisão – como uma esmola
Da natureza a um coração que estiola –
Aquela flor imaculada e olente…E ele que fôra um bruto, e vil descrente,
Quanta vez, numa prece, ungido, cola
O lábio seco, na úmida corola
Daquela flor alvíssima e silente!…E – ele – que sofre e para a dor existe –
Quantas vezes no peito o pranto estanca!..
Quantas vezes na veia a febre acalma,Fitando aquela flor tão pura e triste!…
– Aquela estrela perfumada e branca,
Que cintila na noite de sua alma…
A Minha Tragédia
Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!Ó minha vã, inútil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida! …
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade! …Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim! …
Perdoa-Me Visão Dos Meus Amores
Perdoa-me visão dos meus amores,
Se a ti ergui meus olhos suspirando!…
Se eu pensava num beijo desmaiando
Gozar contigo a estação das flores!De minhas faces os mortais palores,
Minha febre noturna delirando,
Meus ais, meus tristes ais vão revelando
Que peno e morro de amorosas dores…Morro, morro por ti! na minha aurora
A dor do coração, a dor mais forte,
A dor de um desengano me devora…Sem que última esperança me conforte,
Eu – que outrora vivia! – eu sinto agora
Morte no coração, nos olhos morte!
Erra a Minha Alma, em Contemplar-vos Tanto
S’erra minh’alma, em contemplar-vos tanto,
E estes meus olhos tristes, em vos ver,
S’erra meu amor grande, em não querer
Crer que outra cousa há ai de mor espanto,S’erra meu espírito, em levantar seu canto
Em vós, e em vosso nome só escrever,
S’erra minha vida, em assim viver
Por vós continuamente em dor, e pranto,S’erra minha esperança, em se enganar
Já tantas vezes, e assim enganada
Tornar-se a seus enganos conhecidos,S’erra meu bom desejo, em confiar
Que algu’hora serão meus males cridos,
Vós em meus erros só sereis culpada.
Hora que Passa
Vejo-me triste, abandonada e só
Bem como um cão sem dono e que o procura
Mais pobre e desprezada do que Job
A caminhar na via da amargura!Judeu Errante que a ninguém faz dó!
Minh’alma triste, dolorida, escura,
Minh’alma sem amor é cinza, é pó,
Vaga roubada ao Mar da Desventura!Que tragédia tão funda no meu peito!…
Quanta ilusão morrendo que esvoaça!
Quanto sonho a nascer e já desfeito!Deus! Como é triste a hora quando morre…
O instante que foge, voa, e passa…
Fiozinho d’água triste… a vida corre…
XXIX
Por tanto tempo, desvairado e aflito,
Fitei naquela noite o firmamento,
Que inda hoje mesmo, quando acaso o fito,
Tudo aquilo me vem ao pensamento.Sal, no peito o derradeiro grito
Calcando a custo, sem chorar, violento…
E o céu fulgia plácido e infinito,
E havia um choro no rumor do vento…Piedoso céu, que a minha dor sentiste!
A áurea esfera da lua o ocaso entrava.
Rompendo as leves nuvens transparentes;E sobre mim, silenciosa e triste,
A via-láctea se desenrolava
Como um jorro de lágrimas ardentes.
De Martins Pena Foi Bem Triste A Sorte
De Martins Pena foi bem triste a sorte:
Moço, bem moço, quando o seu talento
Desabrochava n’um deslumbramento,
Caiu, ferido pela mão da morte!Era, entretanto, um lutador, um forte,
E, como não merece o esquecimento,
Que a nossa festa, ao menos um momento,
O seu risonho espírito conforte.Quem o amou e o leu em vão procura
O seu nome na placa de uma esquina
Ou sobre a pedra de uma sepultura!Porém, voltando à brasileira cena,
Há de brilhar a estrela peregrina
Que se chamou Luiz Carlos Martins Pena!
Impossível
Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste:
“Parece Sexta-Feira de Paixão.
Sempre a cismar, cismar de olhos no chão,
Sempre a pensar na dor que não existe …O que é que tem?! Tão nova e sempre triste!
Faça por estar contente! Pois então?! …”
Quando se sofre, o que se diz é vão …
Meu coração, tudo, calado, ouviste …Os meus males ninguém mos adivinha …
A minha Dor não fala, anda sozinha …
Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera! …Os males de Anto toda a gente os sabe!
Os meus … ninguém … A minha Dor não cabe
Nos cem milhões de versos que eu fizera! …