O Machismo Português e as Traições Amorosas
Na gíria portuguesa, os palitos são a versão económica, e mais moderna, dos cornos. Os cornos, à semelhança do que aconteceu com os automóveis e os computadores, tornaram-se demasiado volumosos e pesados para as exigências do homem de hoje. Daí a crescente popularidade dos mais portáteis e menos onerosos palitos. Contudo, visto que se vive presentemente um período de transição, em que os novos palitos ainda se vêem lado a lado com os tradicionais cornos, continuam a existir algumas sobreposições. Uma delas, herdada do antigamente, deve-se ao facto dos palitos não se saldarem numa diminuição proporcional de sofrimento. Ou seja, não dão uma mera dor de palito — dão à mesma, incontrovertivelmente, dor de corno. Não é mais carinhoso, por isso, pôr os «palitos» a alguém — continua a ser exactamente o mesmo que pôr os outros.
Tudo isto vem a propósito da forma atípica, entre os povos latinos, que assume o machismo português. Não se trata do machismo triunfalmente dominador, género «Aqui quem manda sou eu!», do brutamontes que não dá satisfações à mulher. Não — o machismo português, imortalizado pelo fado «Não venhas tarde», é um machismo apologético, todo «desculpa lá ó Mafalda», que alcança os seus objectivos de uma maneira mais eficaz.
Textos sobre Amor de Miguel Esteves Cardoso
46 resultadosAmar Ajuda
Hoje, no dia antes do dia de São Valentim, quero escrever sobre o amor nos outros dias do ano. Ontem foi um deles. Recebi uma má notícia e imediatamente a Maria João recebeu-a como se fosse ela a recebê-la.
Recebemos a má notícia e, ao recebê-la no plural, diluiu-se por muito mais do que dois. O plural de um não é dois: são muitos. Sentimo-nos como se fôssemos muitos.
Existe o espalhar o mal pelas aldeias. Mas com o amor, com o casamento de almas que, virando-se uma para a outra, se voltam, viradas, contra o mundo, o mal multiplica-se e exagera-se ao ponto dos dois apaixonados se tornarem numa multidão de revoltados que se revolta tanto como se ama.
A boa ideia – mas talvez errada – vem de Platão, das duas metades que se encontram para alcançarem a unidade de um só ser completo. Sendo assim, as almas gémeas são apenas duas metades que se completam: precisam de completar-se para se transformarem numa unidade.
Não é verdade. O amor junta duas unidades – a Maria João e eu, por exemplo – e faz com que tenham muito mais do que a força de uma só pessoa.
Como Ser Livre
Bom é ver as pessoas livres. A liberdade tanto é uma coisa que se pratica como um conceito que se discute.
Para se ser livre é preciso pensar-se que se pode ser um bardamerda (e mais, sendo provável que se seja) mas que isso não impede a nossa vontade (que é deliciosa muito antes de ser um direito) de se dizer o que se pensa.
A liberdade é aquilo com que nascemos, com que os bebés se exprimem. A contenção é que é ensinada. Todas estas regras, boas e más (até acredito que msis de 50 por cento sejam boas), só servem para nos reprimir.
A vida é muito curta e a coragem é muito pouca. Os outros assustam muito mais do que querem e Sartre, quando não disse exactamente que «o inferno são os outros» estava a fazer questão de falar da nossa excessiva (e estúpida) dificuldade de falar e agir colectivamente.
O amor e a amizade são as duas grandes provas do valor da liberdade. A vida é uma sentença a que todos estamos condenados. Estarmos vivos não pode ter qualquer valor, por muito que custe à brigada comercialista que nos quer congratular por não termos morrido.
Alimentar o Amor
Começar é fácil. Acabar é mais fácil ainda. Chega-se sempre à primeira frase, ao primeiro número da revista, ao primeiro mês de amor. Cada começo é uma mudança e o coração humano vicia-se em mudar. Vicia-se na novidade do arranque, do início, da inauguração, da primeira linha na página branca, da luz e do barulho das portas a abrir.
Começar é fácil. Acabar é mais fácil ainda. Por isso respeito cada vez menos estas actividades. Aprendi que o mais natural é criar e o mais difícil de tudo é continuar. A actividade que eu mais amo e respeito é a actividade de manter.
Em Portugal quase tudo se resume a começos e a encerramentos. Arranca-se com qualquer coisa, de qualquer maneira, com todo o aparato. À mínima comichão aparece uma «iniciativa», que depois não tem prosseguimento ou perseverança e cai no esquecimento. Nem damos pela morte.
É por isso que eu hoje respeito mais os continuadores que os criadores. Criadores não nos faltam. Chefes não nos faltam. Faltam-nos continuadores. Faltam-nos tenentes. Heróis não nos faltam. Faltam-nos guardiões.É como no amor. A manutenção do amor exige um cuidado maior. Qualquer palerma se apaixona, mas é preciso paciência para fazer perdurar uma paixão.
Os Portugueses e o Amor Livre
Tipicamente, os Portugueses deixaram arrastar não a revolução socialista, não a revolução interior, não a revolução cultural, mas a revolução sexual. Foi como se tivessem pena de se desfazer dela. Em 89, sem ligar nenhuma à libertação feminina e à SIDA, Portugal, sexualmente falando, continua em 69.
Tanto porfiaram os Portugueses e as Portuguesas nas práticas e noções do «amor livre» que se tornaram nos peritos internacionais das «relações modernas». Cada um «sabe de si» e assobia «l am Free». Ninguém «invade o espaço» de ninguém. Hoje é sempre «o primeiro dia do resto da tua vida». As pessoas vivem «para o momento». Isto é, «curtem» umas com as outras. O lema é «Não te prendas», e a filosofia, na sua expressão mais completa, é «Enquanto der, deu — quando já não der, já não dá».Tudo isto é alegre e tem a sua graça. A conjunção, no português, de um feitio ciumento e possessivo (palavras portuguesas) com uma aparência, «cool» e «non-chalant» (palavras estrangeiras) até tem piada. E atraente. Numa situação de ciúme ou de brusca afirmação de independência do outro, o português (sobretudo o homem, por ser mais estúpido) encolhe os ombros e diz que «OK,
No Amor Começa-se Sempre a Zero
Fazer um registo de propriedade é chato e difícil mas fazer uma declaração de amor ainda é pior. Ninguém sabe como. Não há minuta. Não há sequer um despachante ao qual o premente assunto se possa entregar. As declarações de amor têm de ser feitas pelo próprio. A experiência não serve de nada — por muitas declarações que já se tenham feito, cada uma é completamente diferente das anteriores. No amor, aliás, a experiência só demonstra uma coisa: que não tem nada que estar a demonstrar coisíssima nenhuma. É verdade — começa-se sempre do zero. Cada vez que uma pessoa se apaixona, regressa à suprema inocência, inépcia e barbárie da puberdade. Sobem-nos as bainhas das calças nas pernas e quando damos por nós estamos de calções. A experiência não serve de nada na luta contra o fogo do amor. Imaginem-se duas pessoas apanhadas no meio de um incêndio, sem poderem fugir, e veja-se o sentido que faria uma delas virar-se para a outra e dizer: «Ouve lá, tu que tens experiência de queimaduras do primeiro grau…»
Pode ter-se sessenta anos. Mas no dia em que o peito sacode com as aurículas a brincar aos carrinhos-de-choque com os ventrículos,