Estado de Graça
Quem já conheceu o estado de graça reconhecerá o que vou dizer. Não me refiro à inspiração, que é uma graça especial que tantas vezes acontece aos que lidam com arte. O estado de graça de que falo não é usado para nada. É como se viesse apenas para que se soubesse que realmente se existe. Nesse estado, além da tranquila felicidade que se irradia de pessoas e coisas, há uma lucidez que só chamo de leve porque na graça tudo é tão, tão leve. E uma lucidez de quem não adivinha mais: sem esforço, sabe. Apenas isto: sabe. Não perguntem o quê, porque só posso responder do mesmo modo infantil: sem esforço, sabe-se.
E há uma bem-aventurança fĂsica que a nada se compara. O corpo se transforma num dom. E se sente que Ă© um dom porque se está experimentando, numa fonte direta, a dádiva indubitável de existir materialmente.
No estado de graça vĂŞ-se Ă s vezes a profunda beleza, antes inatingĂvel, de outra pessoa. Tudo, aliás, ganha uma espĂ©cie de nimbo que nĂŁo Ă© imaginário: vem do esplendor da irradiação quase matemática das coisas e das pessoas. Passa-se a sentir que tudo o que existe — pessoa ou coisa — respira e exala uma espĂ©cie de finĂssimo resplendor de energia.
Textos sobre Dádiva
24 resultadosA Dádiva da Evidência de Si
Que havia, pois, mais para a vida, para responder ao seu desafio de milagre e de vazio, do que vivê-la no imediato, na execução absoluta do seu apelo? Eliminar o desejo dos outros para exaltar o nosso. Queimar no dia-a-dia os restos de ontem. Ser só abertura para amanhã. A vida real não eram as leis dos outros e a sua sanção e o seu teimoso estabelecimento de uma comunidade para o furor de uma plenitude solitária. O absoluto da vida, a resposta fechada para o seu fechado desafio só podia revelar-se e executar-se na união total com nós mesmos, com as forças derradeiras que nos trazem de pé e são nós e exigem realizar-se até ao esgotamento. Este «eu» solitário que achamos nos instantes de solidão final, se ninguém o pode conhecer, como pode alguém julgá-lo? E de que serve esse «eu» e a sua descoberta, se o condenamos à prisão? Sabê-lo é afirmá-lo! Reconhecê-lo é dar-lhe razão. Que ignore isso o que ignora que é. Que o despreze e o amordace o que vive no dia-a-dia animal. Mas quem teve a dádiva da evidência de si, como condenar-se a si ao silêncio prisional? Ninguém pode pagar, nada pode pagar a gratuitidade deste milagre de sermos.
Dádivas e presentes cegam os conselhos dos sábios
Dádivas e presentes cegam os conselhos dos sábios, e como uma mordaça na boca retêm as repreensões.
Faz da Sociedade uma Devedora
O homem vem ao mundo com dĂvidas e morre com dĂvidas ainda maiores. Nasce com dĂvidas porque muitos se sacrificaram antes dele para lhe dar as condições de vida de que pode usufruir. MĂ©dicos, cientistas, professores, operários, prepararam muitos dos confortos de que ele beneficia; e houve homens e mulheres que lutaram e morreram pela sua liberdade. A sua sáude, a sua capacidade criadora, a sua inteligĂŞncia, herdou-os; sĂŁo uma dádiva da humanidade. Morre com dĂvidas ainda maiores porque durante a vida foi ajudado por muitos. Ele prĂłprio deve contribuir com qualquer coisa enquanto está no mundo como um ser criador, e deve fazer progredir a arte de viver por ter vivido. Faça o bem se quer ser bem sucedido. Esta á a suprema lei da vida. Esteja entre os grandes servidores, os benfeitores da humanidade. É o Ăşnico caminho para o sucesso. «O que deres ser-te-á tornado.» Faça da sociedade uma devedora e poderá encontrar o seu lugar entre os imortais.