Textos sobre Direção de José Luís Peixoto

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Textos de direção de José Luís Peixoto. Leia este e outros textos de José Luís Peixoto em Poetris.

A Mulher de Negro

Os sons da floresta, as ĂĄrvores, a bicicleta e, ao longe, o silĂȘncio imĂłvel de um vulto negro. Aproximei-me e era uma mulher vestida de negro. Um xaile negro sobre os ombros. Um lenço negro sobre a cabeça. O som dos pneus da bicicleta a pararem, o som de amassarem folhas hĂșmidas e de fazerem estalar ramos. Os meus pĂ©s a pousarem no chĂŁo. Os olhos da mulher entre o negro. Os olhos pequenos da mulher. O seu rosto branco. Vimo-nos como se nos encontrĂĄssemos, como se nos tivĂ©ssemos perdido havia muito tempo e nos encontrĂĄssemos. O tempo deixou de existir. O silĂȘncio deixou de existir. Pousei a bicicleta no chĂŁo para caminhar na direcção da mulher. Era atraĂ­do por segredos. Durante os meus passos, a mulher estendeu-me a mĂŁo. A sua mĂŁo era muito velha. A palma da sua mĂŁo tinha linhas que eram o mapa de uma vida inteira, uma vida com todos os seus enganos, com todos os seus erros, com todas as suas tentativas. Os seus olhos de pedra. Senti os ossos da sua mĂŁo a envolverem os meus dedos. NĂŁo me puxou, mas eu aproximei o meu corpo do seu. Senti a sua respiração no meu pescoço.

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O Outono da Vida

Começa devagarinho. É como tudo. A gente andamos na nossa vida, andamos influĂ­dos e estĂĄ claro que nĂŁo reparamos. De manhĂŁ, temos de pensar no cafĂ©.
Depois, hĂĄ-de vir o almoço. EstĂĄ claro que nem reparamos numa aragem. Mal uma aragem mais fresca que se mistura com o sol-pĂŽr. JĂĄ setembro quer acabar e ainda temos a torrina do sol na pele, a hora do calor, (quase cansada, para a cadela invisĂ­vel) Anda cĂĄ, Ladina… TambĂ©m estĂĄs a ficar velha… Arriba, cadela… (voltando ao tom e Ă  direcção inicial) A gente nem dĂĄ fĂ©. Primeiro, Ă© umas pontadas nas costas, umas sezĂ”es, umas coisas assim. Primeiro, a gente julga que vai passar, como passavam os esfolĂ”es nas pernas quando Ă©ramos pequenos e andĂĄvamos a correr pelas ruas ou quando encontrĂĄvamos alguma ĂĄrvore a jeito de subir. Começa mesmo devagarinho. Aos poucos, (com ternura, para a cadela) Ah, Ladina… Bochinha, bochinha… EntĂŁo, nĂŁo queres vir? Anda cĂĄ, cadela… (voltando Ă  direcção inicial) E as mĂŁos começam a tremer um bocadinho. E o trabalho começa a ser mais custoso. E um dia a gente jĂĄ quase que nĂŁo conhece a nossa cara no espelho no lavatĂłrio. É nesse dia, Ă© nessa hora que começa o outono.

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