Textos sobre Espera de José Luís Peixoto

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Textos de espera de José Luís Peixoto. Leia este e outros textos de José Luís Peixoto em Poetris.

Acreditei que Podia Dar-te um CĂ©u para Brincares

Filho. Gostava que houvesse uma aragem qualquer que me explicasse esse teu sorriso e outra que te explicasse, sem te magoar, o meu silĂȘncio. Gostava de aprender o trejeito dos teus lĂĄbios, a maneira dos teus olhos, e to lembrar quando tivesses a minha idade. Fui um dia a tua inocĂȘncia. E dela ficou-me a grande inocĂȘncia de acreditar.
Acreditei que podia dar-te um céu para brincares e que a vida seria o que nós quiséssemos. Assim. Bastaria querermos, esforçarmo-nos muito, trabalharmos, e teríamos então o que desejåssemos. Não digo coisas majestosas, roupas bonitas ou charretes, mas comida, comida gostosa e bem temperada, e um cavalo de cartão novo, se por acaso esquecesses o teu no quintal numa noite de chuva. Acreditei que a felicidade dos teus olhos a sorrir podia voltar aos olhos da tua mãe, aos meus e perdurar intocada nos teus. Acreditei em tantas coisas. Sabes, aproximo-me da vila e o que me espera é morrer um pouco mais. Preferia que não o soubesses, mas infelizmente nem isso posso esconder-te, porque um dia, quando te contarem a história da tua vida, dir-te-ão que numa noite de estrelas, o teu pai foi à vila e levou uma sova;

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Estamos Atados, Filho

Levar-vos-ei sempre comigo. Olho de frente o Ășltimo raio de sol antes de o sol desaparecer. Penso: um homem Ă© um dia, um homem Ă© o sol durante um dia. E Ă© preciso continuar. Avançam os meus pĂ©s sobre a terra. Filho, dormes ainda, e quis mostrar-te o sol-pĂŽr. Quis mostrar-te a terra, ensinar-te a cor da terra por dentro, porque quem conhece a cor da terra por dentro conhece o mundo e os homens. Filho, o sol desapareceu agora e deixou uma aura vermelha de sangue Ă  volta do cabeço onde entrou, e quis ensinar-te que amanhĂŁ estarĂĄ calor. Quis ensinar-te que, se nĂŁo vires as estrelas de noite, espera chuva no dia seguinte. E saberes isto Ă© saberes tudo. SĂŁo estas as poucas coisas que nos dĂŁo a saber. O resto, filho, sĂŁo mistĂ©rios sem explicação. O resto sĂŁo punhais apontados dentro do nevoeiro. O resto sĂŁo punhais que vemos aproximarem-se do nosso peito, e estamos atados, filho.