Textos sobre Cores de José Luís Peixoto

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Textos de cores de José Luís Peixoto. Leia este e outros textos de José Luís Peixoto em Poetris.

Amo-te

Talvez nĂŁo seja prĂłprio vir aqui, para as pĂĄginas deste livro, dizer que te amo. NĂŁo creio que os leitores deste livro procurem informaçÔes como esta. No mundo, hĂĄ mais uma pessoa que ama. Qual a relevĂąncia dessa notĂ­cia? À sombra do guarda-sol ou de um pinheiro de piqueniques, os leitores nĂŁo deverĂŁo impressionar-se demasiado com isso. Depois de lerem estas palavras, os seus pensamentos instantĂąneos poderĂŁo diluir-se com um olhar em volta. Para eles, este texto serĂĄ como iniciais escritas por adolescentes na areia, a onda que chega para cobri-las e apagĂĄ-las. E possĂ­vel que, perante esta longa afirmação, alguns desses leitores se indignem e que escrevam cartas de protesto, que reclamem junto da editora. Dou-lhes, desde jĂĄ, toda a razĂŁo.
Eu sei. Talvez nĂŁo seja prĂłprio vir aqui dizer aquilo que, de modo mais ecolĂłgico, te posso afirmar ao vivo, por email, por comentĂĄrio do facebook ou mensagem de telemĂłvel, mas Ă© tĂŁo bom acreditar, transporta tanta paz. Tu sabes. Extasio-me perante este agora e deixo que a sua imensidĂŁo me transcenda, nĂŁo a tento contrariar ou reduzir a qualquer coisa explicĂĄvel, que tenha cabimento nas palavras, nestas pobres palavras. Em vez disso, desfruto-a, sorrio-lhe. NĂŁo estou aqui com a expectativa de ser entendido.

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A Voz que Ouço quando Leio

Quando leio, hĂĄ uma voz que lĂȘ dentro de mim. Paro o olhar sobre o texto impresso, mas nĂŁo acredito que seja o meu olhar que lĂȘ. O meu olhar fica embaciado. É essa voz que lĂȘ. Quando Ă© sĂ©ria, ouço-a falar-me de assuntos sĂ©rios. Às vezes, sussurra-me. Às vezes, grita-me. Essa voz nĂŁo Ă© a minha voz. NĂŁo Ă© a voz que, em filmagens de festas de anos e de natais, vejo sair da minha boca, do movimento dos meus lĂĄbios, a voz que estranho por, num rosto parecido com o meu, nĂŁo me parecer minha. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas nĂŁo Ă© minha. NĂŁo Ă© a voz dos meus pensamentos. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas Ă© exterior a mim. É diferente de mim. Ainda assim, nĂŁo acredito que alguĂ©m possa ter uma voz que lĂȘ igual Ă  minha, por isso Ă© minha mas nĂŁo Ă© minha. Mas, claro, nĂŁo posso ter a certeza absoluta. NĂŁo sĂł porque uma voz Ă© indescritĂ­vel, mas tambĂ©m porque nunca ninguĂ©m me tentou descrever a voz que ouve quando lĂȘ e porque eu nunca falei com ninguĂ©m da voz que ouço quando leio.

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Estamos Atados, Filho

Levar-vos-ei sempre comigo. Olho de frente o Ășltimo raio de sol antes de o sol desaparecer. Penso: um homem Ă© um dia, um homem Ă© o sol durante um dia. E Ă© preciso continuar. Avançam os meus pĂ©s sobre a terra. Filho, dormes ainda, e quis mostrar-te o sol-pĂŽr. Quis mostrar-te a terra, ensinar-te a cor da terra por dentro, porque quem conhece a cor da terra por dentro conhece o mundo e os homens. Filho, o sol desapareceu agora e deixou uma aura vermelha de sangue Ă  volta do cabeço onde entrou, e quis ensinar-te que amanhĂŁ estarĂĄ calor. Quis ensinar-te que, se nĂŁo vires as estrelas de noite, espera chuva no dia seguinte. E saberes isto Ă© saberes tudo. SĂŁo estas as poucas coisas que nos dĂŁo a saber. O resto, filho, sĂŁo mistĂ©rios sem explicação. O resto sĂŁo punhais apontados dentro do nevoeiro. O resto sĂŁo punhais que vemos aproximarem-se do nosso peito, e estamos atados, filho.