Textos sobre Fatalidade de Clarice Lispector

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Textos de fatalidade de Clarice Lispector. Leia este e outros textos de Clarice Lispector em Poetris.

A Palavra Secreta

Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha måquina é macio. Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amå-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma idéia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.
Devemos modelar nossas palavras atĂ© se tornarem o mais fino invĂłlucro dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor Ă© identificĂĄvel por um extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo – Ă© por esconderem outras palavras.
Qual Ă© mesmo a palavra secreta? NĂŁo sei Ă© porque a ouso? NĂŁo sei porque nĂŁo ouso dizĂȘ-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que nĂŁo pode e nĂŁo deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto nĂŁo Ă© proibido. Mas acontece que eu quero Ă© exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou serĂĄ? Se eu encontrar essa palavra, sĂł a direi em boca fechada, para mim mesma, senĂŁo corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade.

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A Vida OblĂ­qua

SĂł agora pressenti o oblĂ­quo da vida. Antes sĂł via atravĂ©s de cortes retos e paralelos. NĂŁo percebia o sonso traço enviesado. Agora adivinho que a vida Ă© outra. Que viver nĂŁo Ă© sĂł desenrolar sentimentos grossos — Ă© algo mais sortilĂ©gico e mais grĂĄcil, sem por isso perder o seu fino vigor animal. Sobre essa vida insolitamente enviesada tenho posto minha pata que pesa, fazendo assim com que a existĂȘncia feneça no que tem de oblĂ­quo e fortuito e no entanto ao mesmo tempo sutilmente fatal. Compreendi a fatalidade do acaso e nĂŁo existe nisso contradição.

A vida oblĂ­qua Ă© muito Ă­ntima. NĂŁo digo mais sobre essa intimidade para nĂŁo ferir o pensar-sentir com palavras secas. Para deixar esse oblĂ­quo na sua independĂȘncia desenvolta.
E conheço tambĂ©m um modo de vida que Ă© suave orgulho, graça de movimentos, frustração leve e contĂ­nua, de uma habilidade de esquivança que vem de longo caminho antigo. Como sinal de revolta apenas uma ironia sem peso e excĂȘntrica. Tem um lado da vida que Ă© como no inverno tomar cafĂ© num terraço dentro da friagem e aconchegada na lĂŁ.
Conheço um modo de vida que é sombra leve desfraldada ao vento e balançando leve no chão: vida que é sombra flutuante,

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