Triste Padeço
Aves que o ar discorrei,
No vôo as asas batendo,
E por vossas penas conta
Às minhas meu sentimento.Compadecidas ouvi
De minha dor os excessos,
Mas em dizer que é saudade,
Digo o que posso dizer-vos.
Triste padeço, e ausente
Os golpes dos meus receios
Nas batalhas da distância,
Nos desafios do tempo.Nas violências, do que choro,
Dos alívios desespero,
Que não adormece a queixa,
Quando a desperta o desvelo.Esmoreceu a esperança
Nas dilações do desejo
Prognosticando a ruína
Frenético o pensamento.Se meu mal são sintomas,
Mortais ausências, e zelos,
Era o remédio esquecer-me,
Se em mim houvera esquecimento.Mas se faz no meu cuidado
Operações o veneno,
Viva de senti-lo quem,
Não morre de padecê-lo.Já que morro, ingrata sorte,
Às mãos da tua porfia,
Deixa-me inquirir um dia
A causa da minha morte:Se amor com impulso forte
Me rendeu, como me aparta
Do bem, que na alma retrata
Minha doce saudade,
Passagens sobre Violência
202 resultadosA violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota.
A violência do governo só pode fazer uma coisa: gerar a contra-violência.
A Base da Actividade
Em nenhuma actividade é bom sinal se, de início, existe o desejo de vencer – emulação, violência, ambição, etc. Deve começar-se por amar a técnica de cada actividade por si própria, como se ama a vida pelo simples parazer de viver.
Nisto consiste a verdadeira vocação e a promessa de êxito sério. Em seguida, poderão vir todas as paixões sociais imagináveis, para reanimar o puro amor da técnica – têm mesmo que vir -, mas começar por elas é indício de que se deseja perder tempo. Em suma, é preciso amar uma actividade, como se mais nada existisse no mundo, por si própria.
É por isso que o momento significativo é o do início: porque, então, é como se o mundo (paixões sociais) não existisse ainda no que diz respeito a essa actividade.
Também porque toda a gente é capaz de se interessar por um trabalho que se sabe quanto rende; o difícil é apaixonarmo-nos gratuitamente.
Heroísmo no comando, violência sem sentido e toda detestável idiotice que é chamada de patriotismo – eu odeio tudo isso de coração.
A violência nas mãos do povo não é violência mas justiça.
A Fidelidade é a mais Integral de todas as Virtudes Humanas
A fidelidade (…) é a mais integral de todas as virtudes humanas. O homem participa numa batalha e, sem a fidelidade, não conhece a sua luta; apenas usa da violência, interpreta uma vontade, é instrumento de uma opinião. A fidelidade move-o desde a sua origem, é a primeira condição da consciência. Não se efectuam coisas novas sem fidelidade. Não se engrandece a piedade ou se priva com o mais simples sentimento, sem a fidelidade. Uma acção progressiva tem que ter raízes tumulares, raízes naquilo que encerrámos definitivamente – uma era, um conhecimento, uma arte, uma maneira de viver. A fidelidade, disse eu, assegura-nos o tempo de criar e o tempo de destruir o que se tornou inconforme à imagem do homem. Nada é digno de valor, sem fidelidade.
Desprezo e Receio
Já notei que a maior parte dos homens se sente açulada e indignada quando, em pleno combate moral, recorremos à ternura e ao afecto. É vê-los feras amansadas e apanhadas de surpresa assim que recorremos à violência ou à dureza. Raça detestável! Tal preceito mantém-se praticamente inalterável no que respeita ao amor.
Realidade estranha e deplorável, pois, em muitos casos, é igualmente aplicável à amizade; realidade pavorosa, desesperante, mas inevitável, necessária à subsistência das nossas sociedades, dos governos mais democráticos aos mais despóticos. Quando não é refreado nem reprimido, o homem aproveita imediatamente para cometer abusos. Despreza quem o receia e maltrata quem o ama; receia quem o despreza e ama quem o maltrata.
A injustiça atrai a injustiça, a violência gera a violência.
Homens que querem ajudar as mulheres em nossa luta por liberdade e justiça deviam compreender que não é extraordinariamente importante para nós que eles aprendam a chorar; é importante para nós que eles parem os crimes de violência contra nós.
A Exaltação da Pele
Hoje quero com a violência da dádiva interdita.
Sem lírios e sem lagos
e sem o gesto vago
desprendido da mão que um sonho agita.
Existe a seiva. Existe o instinto. E existo eu
suspensa de mundos cintilantes pelas veias
metade fêmea metade mar como as sereias.
Todo o Português Popular é um Reformador Impaciente
Todo o português popular é um reformador impaciente. Não há atitude que não avalie, serviço que não comente, governança que não desconheça, ingratidão que não ouse, para maior desembaraço das suas aptidões. Estas podem não ser famosas, mas constituem a soma dum profundo sentido de perseverança e de sacrifício. Quando o mundo se super-humanizar, lá estará o português para achar natural o que acontece, e portanto necessitado de reforma, e por conseguinte de diálogo. O último homem sobre a terra terá de ser um português que duvida do que é natural e que se indisciplina perante a consumação dos séculos.
Há raças mais dinâmicas, outras mais brilhantes; mas nenhuma outra possui o segredo da importunidade que estimula, desassossega, altera, contradiz e, no entanto, não chega a ser violência. Dizei-lhe que a vida é um dom, que o trabalho é uma honra, que o homem é uma criação maravilhosa – e ele, ou vos acha hipócritas, ou ocos e delirantes. Os princípios «a piori» não lhe merecem respeito, e prefere analisar os seus pequenos problemas quotidianos, a obstinar-se na seriedade ou atrofiar-se na eloquência que é a mãe da burla. Ele sabe que a pior injúria é enobrecer a desgraça.
A arma mais poderosa não é a violência mas falar com as pessoas.
Ode Triunfal
À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical –
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força –
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,
O Encanto da Vida
Todas as noites acordado até desoras, à espera da última cena de pancadaria num jogo de futebol, do último insulto num debate parlamentar, do último discurso demagógico num comício eleitoral, da última pirueta dum cabotino entrevistado, da última farsa no palco internacional. Crucificações masoquistas, que a prudência desaconselha e a imprudência impõe. Vou deste mundo farto de o conhecer e faminto de o descobrir.
Mas não há perspicácia, nem constância de atenção capazes de lhe prefigurar os imprevistos. O que acontece hoje excede sempre o que sucedeu ontem. A violência, o facciosismo, a ambição de poder, a crueldade e o exibicionismo não têm limites. Felizmente que a abnegação, a generosidade e o altruísmo também não. E o encanto da vida é precisamente esse: nenhum excesso nela ser previsível. Nem no mal nem no bem. E não me canso de o verificar, de surpresa em surpresa, à luz dos acontecimentos.
Quando julgo que estou devidamente informado sobre o amor, sobre o ódio, sobre a santidade, sobre a perfídia, sobre as virtudes e os defeitos humanos, acabo por concluir que soletro ainda o á-bê-cê da realidade. Cabeçudo como sou, teimo na aprendizagem. Hoje fizeram-me a revelação surpreendente de que um avarento meu conhecido,
XIV
Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata, civil correspondência,
Ou desconhece o rosto da violência,
Ou do retiro a paz não tem provado.Que bem é ver nos campos transladado
No gênio do pastor, o da inocência!
E que mal é no trato, e na aparência
Ver sempre o cortesão dissimulado!Ali respira amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Um só trata a mentira, outro a verdade.Ali não há fortuna, que soçobre;
Aqui quanto se observa, é variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!
Virtude Representa Muito Mais que Bondade
Parece-me que a virtude é coisa diferente e mais nobre do que as inclinações para a bondade que nascem em nós. As almas bem ajustadas por si mesmas e bem nascidas seguem o mesmo andamento e apresentam nas suas ações a mesma aparência que as virtuosas. Porém a virtude significa não sei quê de maior e mais activo do que, por uma índole favorecida, deixar-se conduzir docemente e tranquilamente na esteira da razão. Aquele que com uma doçura e complacência naturais menosprezasse as ofensas recebidas faria coisa mui bela e digna de louvor; mas aquele que, espicaçado e ultrajado até o âmago por uma ofensa, se armasse com as armas da razão contra o furioso apetite de vingança e após um grande conflito finalmente o dominasse, sem a menor dúvida seria muito mais. Aquele agiria bem, e este virtuosamente: uma acção poder-se-ia dizer bondade; a outra, virtude, pois parece que o nome de virtude pressupõe dificuldade e oposição, e que ela não pode se exercer sem combate. Talvez seja por isso que chamamos Deus de bom, forte e liberal, e justo; mas não O chamamos de virtuoso: Os Seus actos são todos naturais e sem esforço.
Metelo, o único de todos os senadores romanos a se ter proposto,
O Amor-Próprio como Fonte de Todos os Males
É preciso não confundir o amor-próprio e o amor de si mesmo, duas paixões muito diferentes pela sua natureza e pelos seus efeitos. O amor de si mesmo é um sentimento natural que leva todo o animal a velar pela sua própria conservação, e que, dirigido no homem pela razão e modificado pela piedade, produz a humanidade e a virtude. O amor-próprio é apenas um sentimento relativo, factício e nascido na sociedade, que leva cada indivíduo a fazer mais caso de si do que de qualquer outro, que inspira aos homens todos os males que se fazem mutuamente, e que é a verdadeira fonte da honra.
Bem entendido isso, repito que, no nosso estado primitivo, no verdadeiro estado de natureza, o amor-próprio não existe; porque, cada homem em particular olhando a si mesmo como o único espectador que o observa, como o único ser no universo que toma interesse por ele, como o único juiz do seu próprio mérito, não é possível que um sentimento que teve origem em comparações que ele não é capaz de fazer possa germinar na sua alma.
Pela mesma razão, esse homem não poderia ter ódio nem desejo de vingança, paixões que só podem nascer da opinião de alguma ofensa recebida.
A violência é o último refúgio do incompetente.
Esquecer os deveres básicos de solidariedade é uma violência, uma cobardia escondida em nome do bom-senso.