Os Conselhos Mais Absurdos
As pessoas trocavam os conselhos mais absurdos. Incapazes de se escutarem, passavam as conversas a falar de si prĂłprias, em apaixonadas manifestações de egotismo que tornavam insuportáveis atĂ© os encontros mais promissores. Para alĂ©m de tudo, bastava um homem em sarilhos românticos manifestar o seu desespero, que logo irrompia, de entre os amigos, os conhecidos e os conhecidos de conhecidos, uma sĂ©rie de vampiros com uma espĂ©cie de amorĂłmetro na mĂŁo, determinados a provar a inexistĂŞncia da graça («NĂŁo. isso nĂŁo Ă© amor. NĂŁo a amas. NĂŁo amas tu, nem te ama ela a ti»), na ignorância absoluta da multiplicidade de formas que o amor assume e no desejo incontido de limitar o mundo Ă s escassas emoções susceptĂveis de penetrarem a couraça da sua apatia.
Textos sobre Forma de Joel Neto
3 resultadosSaber Zangar-se
O que me parece é que as pessoas, em geral, como que deixaram de saber zangar-se. Deixaram de saber zangar-se com aquilo que consideram errado – e, pior ainda, deixaram de saber dizê-lo na cara umas das outras. A não ser, naturalmente, que haja uma agenda.
Ainda nos zangamos muito, é verdade. Mas zangamo-nos mal. Com a maior das facilidades nos zangamos contra inimigos abstractos, como «o Governo», «o capitalismo selvagem» ou mesmo apenas «a crise». Com a maior das facilidades nos zangamos com aqueles que entendemos como nossos subordinados, no trabalho e na vida em geral (afinal, os nossos «superiores» acabam de pôr-nos a pata em cima. alguém vai ter de pagar a conta). Com aqueles que estão, de alguma forma, em ascendente sobre nós, já não nos zangamos: amuamos, que é a forma mais cobarde de nos zangarmos. Aos nossos iguais simplesmente não dizemos nada: engolimos e tornamos a engolir, convencendo-nos de que do outro lado está, afinal, um pobre diabo, tão pobre que nem sequer merece uma zanga – e, quando enfim nos zangamos, é para dar-lhe um tiro na cabeça, como todos os dias nos mostram os jornais.
A impressão com que eu fico é que tudo isto vem dessa mania das social skills e do team building e dos demais chavões moderninhos que os gurus dos livros de Economia nos enfiaram pela garganta abaixo,
Reinventar o Mistério
Cada vez acredito mais nisso: pode efectivamente haver bom sexo sem pecado. Mas nĂŁo pode, nunca pĂ´de, nem nunca poderá haver bom sexo sem mistĂ©rio. Se muitos casais perdem o desejo ao fim de alguns anos, Ă© porque o mistĂ©rio desapareceu. Se outros tantos o mantĂŞm latejante ao fim de várias dĂ©cadas, Ă© porque encontraram uma forma de reinventar o mistĂ©rio. Feitas as contas, tem de haver sempre alguma espontaneidade – atĂ© alguma pressa, alguma urgĂŞncia. E o melhor, apesar de tudo, Ă© que o sexo seja muitas vezes bom e todas as restantes apenas assim-assim. No exacto instante em que for perfeito perderá dois terços do interesse, se nĂŁo o interesse todo. Da prĂłxima já nĂŁo poderá ser melhor.
É claro: quatro quintos dos portugueses discordarĂŁo aberta e ostensivamente disto. Nos estudos sociolĂłgicos e nas conversas de cafĂ©, nas telenovelas e nas reportagens «do social», nĂŁo encontro outra coisa senĂŁo atletas sexuais – e nenhum atleta sexual alguma vez poderá ser surpreendido a aceitar que a sua Ăşltima sessĂŁo foi apenas assim-assim (e muito menos que a prĂłxima poderá ser assim-assim tambĂ©m).