A Verdade Ă© Amor
A verdade Ă© amor — escrevi um dia. Porque toda a relação com o mundo se funda na sensibilidade, como se aprendeu na infância e nĂŁo mais se pĂ´de esquecer. É esse equilĂbrio interno que diz ao pintor que tal azul ou vermelho estĂŁo certos na composição de um quadro. É o mesmo equilĂbrio indizĂvel que ao filĂłsofo impõe a verdade para a sua filosofia. Porque a filosofia Ă© um excesso da arte. Ela acrescenta em razões ou explicações o que lhe impĂ´s esse equilĂbrio, resolvido noutros num poema, num quadro ou noutra forma de se ser artista. Assim o que exprime o nosso equilĂbrio interior, gerado no impensável ou impensado de nĂłs, Ă© um sentimento estĂ©tico, um modo de sermos em sensibilidade, antes de o sermos em. razĂŁo ou mesmo em inteligĂŞncia. Porque sĂł se entende o que se entende connosco, ou seja, como no amor, quando se está «feito um para o outro». SĂł entra em harmonia connosco o que o nosso equilĂbrio consente. E sĂł o consente, se o amar. Porque mesmo a verdade dos outros — a polĂtica, por exemplo — se temos improvavelmente de a reconhecer, reconhecemo-la talvez no Ăłdio, que Ă© a outra face do amor e se organiza ainda na sensibilidade.
Textos sobre Infância de VergĂlio Ferreira
2 resultadosUm Mundo de Vidas
NĂłs vivemos da nossa vida um fragmento tĂŁo breve. NĂŁo Ă© da vida geral – Ă© da nossa. É em primeiro lugar a restrita porção do que em cada elemento haveria para viver. Porque em cada um desses elementos há a intensidade com o que poderĂamos viver, a profundeza, as ramificações. NĂłs vivemos Ă superfĂcie de tudo na parte deslizante, a que Ă© facilidade e fuga. O resto prende-se irremediavelmente ao escuro do esquecimento e distracção. Mas há sobretudo a zona incomensurável dos possĂveis que nĂŁo poderemos viver. Porque em cada instante, a cada opção que fazemos, a cada opção que faz o destino por nĂłs, correspondem as inumeráveis opções que nada para nĂłs poderá fazer. Um golpe de sorte ou de azar, o acaso de um encontro, de um lance, de uma falĂŞncia ou benefĂcio fazem-nos eliminar toda uma rede de caminhos para se percorrer um sĂł. Em cada momento há inĂşmeros possĂveis, favoráveis ou desfavoráveis, diante de nĂłs. Mas Ă© um sĂł o que se escolheu ou nos calhou.
Assim durante a vida vão-nos ficando para trás mil soluções que se abandonaram e não poderão jamais fazer parte da nossa vida. Regresso à minha infância e entonteço com as milhentas possibilidades que se me puseram de parte.