Textos sobre Pensamentos de Friedrich Nietzsche

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Textos de pensamentos de Friedrich Nietzsche. Leia este e outros textos de Friedrich Nietzsche em Poetris.

A Má Consciência como Inibição dos Instintos

A má consciência é para mim o estado mórbido em que devia ter caído o homem quando sofreu a transformação mais radical que alguma vez houve, a que nele se produziu quando se viu acorrentado à argola da sociedade e da paz. À maneira dos peixes obrigados a adaptarem-se a viver em terra, estes semianimais, acostumados à vida selvagem, à guerra, às correrias e aventuras, viram-se obrigados de repente a renunciar a todos os seus nobres instintos. Forçavam-nos a irem pelo seu pé, a «levarem-se a si mesmos», quando até então os havia levado a água: esmagava-os um peso enorme. Sentiam-se inaptos para as funções mais simples; neste mundo novo e desconhecido não tinham os seus antigos guias estes instintos reguladores, inconscientemente falíveis; viam-se reduzidos a pensar, a deduzir, a calcular, a combinar causas e efeitos. Infelizes! Viam-se reduzidos à sua «consciência», ao seu órgão mais fraco e mais coxo! Creio que nunca houve na terra desgraça tão grande, mal-estar tão horrível!
Acrescente-se a isto que os antigos instintos não haviam renunciado de vez às suas exigências. Mas era difícil e amiúde impossível satisfazê-las; era preciso procurar satisfações novas e subterrâneas. Os instintos sob a enorme força repressiva, volvem para dentro,

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É Actuando que Devemos Abandonar

Eu odeio, no fundo, toda a moral que diz: «Não faças isto, não faças aquilo. Renuncia. Domina-te…». Gosto, pelo contrário, da moral que me leva a fazer uma coisa, a refazê-la, a pensar nela de manhã à noite, a sonhar com ela durante a noite, e a não ter jamais outra preocupação que não seja fazê-la bem, tão bem quanto for capaz entre todos os homens. A viver assim despojamo-nos, uma a uma, de todas as preocupações que não têm nada a ver com esta vida: vê-se sem ódio nem repugnância desaparecer hoje isto, amanhã aquilo, folhas amarelas que o menor sopro um pouco vivo solta da árvore; ou mesmo nem sequer se dá por isso, de tal modo o objectivo absorve o olhar, de tal modo o olhar se obstina em ver para diante, não se desviando nunca, nem para a direita nem para a esquerda, nem para cima nem para baixo. «É a nossa actividade que deve determinar o que temos de abandonar; é actuando que deixaremos», eis o que amo, eis o meu próprio placitum! Mas eu não quero trabalhar para me empobrecer mantendo os olhos abertos, não quero essas virtudes negativas que têm por essência a negação e a renúncia.

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Pensamentos não Acabados

Tal como não só a idade viril, mas também a juventude e a infância têm um valor em si e não devem de modo algum ser consideradas somentes como passagens e pontes, assim também os pensamentos não acabados têm o seu valor. Não se deve por isso, atormentar um poeta com uma subtil interpretação e divertir-se com a incerteza do seu horizonte, como se o caminho para vários pensamentos ainda estivesse aberto. Está-se no limiar; espera-se como no desenterramento de um tesouro: é como se devesse estar iminente um feliz achado de pensamento profundo. O poeta antecipa qualquer coisa do prazer que o pensador tem, ao encontrar uma ideia fundamental, e, com isso, torna-nos cobiçosos, de modo que nós tentamos apanhá-la; esta, porém, passa, esvoaçando, sobre a nossa cabeça e mostra as mais belas asas de borboleta… e, contudo, escapa-nos.

Dignidade Perdida

A meditação perdeu toda a sua dignidade exterior; ridicularizou-se o cerimonial e a atitude solene daquele que reflecte; já não se poderia continuar a suportar um sages da velha escola. Pensamos demasiado depressa, e pelo caminho, em plena marcha, no meio de negócios de toda a espécie, mesmo quando se trate das coisas mais graves; temos apenas necessidade de pouca preparação, e até de pouco silêncio: tudo se passa como se tivéssemos na cabeça uma máquina que girasse incessantemente e que prosseguisse o seu trabalho, mesmo nas piores circunstâncias. Outrora, quando alguém se queria pôr a pensar – era uma coisa excepcional! – era coisa que se notava imediatamente ; notava-se que queria tornar-se mais sábio e que se preparava para uma ideia: o seu rosto ganhava uma expressão como em oração; o homem detinha-se na sua marcha; ficava até imóvel durante horas na rua, apoiado numa perna ou nas duas, quando a ideia lhe «surgia». A coisa «valia» então «esse trabalho».

Como a Aparência se Torna Ser

O actor acaba por não deixar de pensar na impressão causada pela sua pessoa e no efeito cénico total, até por ocasião da mais profunda mágoa, por exemplo, mesmo no enterro do seu filho; chorará ante o seu próprio desgosto e respectivas exteriorizações como sendo o seu próprio espectador. O hipócrita, que desempenha sempre um mesmo papel, acaba por deixar de ser hipócrita; por exemplo, sacerdotes, que, enquanto homens novos, são habitualmente, de modo consciente ou inconsciente, hipócritas, por fim tornam-se naturais e são, então, realmente, sem qualquer simulação, mesmo sacerdotes; ou se o pai não consegue lá chegar, então, talvez, o filho, que se serve do avanço do pai e herda a sua habituação. Se uma pessoa quiser, durante muito tempo e persistentemente, parecer alguma coisa, consegue-o pois acaba por se lhe tornar difícil ser qualquer outra coisa. A profissão de quase toda a gente, até do artista, começa com hipocrisia, com uma imitação a partir do exterior, com um copiar de aquilo que é eficaz. Aquele, que traz sempre a máscara das expressões fisionómicas amistosas, tem de acabar por adquirir poder sobre as disposições anímicas benévolas, sem as quais não é possível forçar a expressão da afabilidade –

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O Ideal Quimérico

Tenho grandes suspeitas e muitas reservas maldosas em relação ao que se chama ideal. O meu pessimismo está em ter reconhecido que os grandes sentimentos são uma fonte de infelicidades; ou seja, de estiolamento, de desvalorização do Homem. Sempre que esperamos dum ideal algum progresso, entramos na ilusão: a vitória do ideal tem sofrido, até hoje, um movimento retrógrado.
Cristianismo, revolução, abolição da escravatura, igualdade de direitos, filantropia, amor ao inimigo, justiça, verdade… Tudo grandes palavras, que só têm valor nas batalhas ou nas bandeiras: não como realidades, mas como fórmulas aparatosas, que exprimem o contrário do que dizem.
Afinal, o nosso idealismo quimérico faz também parte da existência, e também deve manifestar-se no carácter da existência; não sendo a fonte da existência, nem por isso deixa de estar presente nela. Tanto os nossos pensamentos mais elevados como os mais temerários são fragmentos característicos da realidade. Porque, o nosso pensamento é feito de características da realidade; o nosso pensamento é feito da mesma substância de todas as coisas.

Querer Vingar-se e Vingar-se

Ter um pensamento de vingança e realizá-lo significa apanhar um forte acesso de febre, mas que passa; ter, porém, um pensamento de vingança, sem força nem coragem para o realizar, significa trazer consigo um padecimento crónico, um envenenamento do corpo e da alma. A moral, que só olha para as intenções, avalia de igual maneira ambos os casos; em geral, considera-se o primeiro caso como pior (por causa das más consequências que o acto de vingança talvez traga consigo). Ambas as avaliações são de vistas curtas.

A Sabedoria do Corpo

Tu dizes «eu» e orgulhas-te desta palavra. Mas há qualquer coisa de maior, em que te recusas a aceditar, é o teu corpo e a sua grande razão; ele não diz Eu, mas procede como Eu.
Aquilo que a inteligência pressente, aquilo que o espírito reconhece nunca em si tem o seu fim. Mas a inteligência e o espírito quereriam convencer-te que são o fim de todas as coisas; tal é a sua soberba.
Inteligência e espírito não passam de instrumentos e de brinquedos; o Em si está situado para além deles. O Em si informa-se também pelos olhos dos sentidos, ouve também pelos ouvidos do espírito.
O Em si está sempre à escuta, alerta; compara, submete; conquista, destrói. Reina, e é também soberano do Eu.
Por detrás dos teus pensamentos e dos teus sentimentos, meu irmão, há um senhor poderoso, um sábio desconhecido: chama-se o Em si. Habita no teu corpo, é o teu corpo.
Há mais razão no teu corpo do que na própria essência da tua sabedoria.

Hábitos Breves

Gosto dos hábitos que não duram; são de um valor inapreciável se quisermos aprender a conhecer muitas coisas, muitos estados, sondar toda a suavidade, aprofundar a amargura. Tenho uma natureza que é feita de breves hábitos, mesmo nas necessidades de saúde física, e, de uma maneira geral, tão longe quanto posso ver nela, de alto a baixo dos seus apetites. Imagino sempre comigo que esta ou aquela coisa se vai satisfazer duradouramente – porque o próprio hábito breve acredita na eternidade, nesta fé da paixão; imagino que sou invejável por ter descoberto tal objecto: devoro-o de manhã à noite, e ele espalha em mim uma satisfação, cujas delícias me penetram até à medula dos ossos, não posso desejar mais nada sem comparar, desprezar ou odiar.
E depois um belo dia, aí está: o hábito acabou o seu tempo; o objecto querido deixa-me então, não sob o efeito do meu fastio, mas em paz, saciado de mim e eu dele, como se ambos nos devêssemos gratidão e estendemo-nos a mão para nos despedirmos. E já um novo me aguarda, mas aguarda no limiar da minha porta com a minha fé – a indestrutível louca… e sábia! – em que este novo objecto será o bom,

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Quantos Séculos Precisa um Espírito para Ser Compreendido?

Os maiores acontecimentos e os maiores pensamentos – mas os maiores pensamentos são os maiores acontecimentos – são os que mais tarde se compreendem: as gerações que lhes são contemporâneas não vivem esses acontecimentos, – passam por eles. Acontece aqui algo de análogo ao que se observa no domínio dos astros. A luz das estrelas mais distantes chega mais tarde aos homens; e antes da sua chegada, os homens negam que ali – existam estrelas. “Quantos séculos precisa um espírito para ser compreendido?” – aí está também uma medida, um meio de criar uma hierarquia e uma etiqueta necessárias: para o espírito e para a estrela.