Textos sobre Perfeição de Clarice Lispector

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Textos de perfeição de Clarice Lispector. Leia este e outros textos de Clarice Lispector em Poetris.

A Perfeição

O que me tranquiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta. O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete não transborda nem uma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete. Tudo o que existe é de uma grande exatidão. Pena é que a maior parte do que existe com essa exatidão nos é tecnicamente invisível. Apesar da verdade ser exata e clara em si própria, quando chega até nós se torna vaga pois é tecnicamente invisível. O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas. Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição.

A Imaginação é a Base do Homem

De tal modo a imaginação é a base do homem — Joana de novo — que todo o mundo que ele tem construído encontra sua justificativa na beleza da criação e não na sua utilidade, não em ser o resultado de um plano de fins adequados às necessidades. Por isso é que vemos multiplicarem-se os remédios destinados a unir o homem às ideias e instituições existentes — a educação, por exemplo, tão difícil — e vemo-lo continuar sempre fora do mundo que ele construiu. O homem levanta casas para olhar e não para nelas morar. Porque tudo segue o caminho da inspiração. O determinismo não é um determinismo de fins, mas um estreito determinismo de causas. Brincar, inventar, seguir a formiga até seu formigueiro, misturar água com cal para ver o resultado, eis o que se faz quando se é pequeno e quando se é grande. É erro considerar que chegamos a um alto grau de pragmatismo e materialismo. Na verdade o pragmatismo — o plano orientado para um dado fim real — seria a compreensão, a estabilidade, a felicidade, a maior vitória de adaptação que o homem conseguisse. No entanto fazer as coisas «para quê» parece-me, perante a realidade,

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Não Sei Dizer quem Sou

É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Ou pelo menos o que me faz agir não é o que eu sinto mas o que eu digo. Sinto quem sou e a impressão está alojada na parte alta do cérebro, nos lábios — na língua principalmente —, na superfície dos braços e também correndo dentro, bem dentro do meu corpo, mas onde, onde mesmo, eu não sei dizer. O gosto é cinzento, um pouco avermelhado, nos pedaços velhos um pouco azulado, e move–se como gelatina, vagarosamente. As vezes torna-se agudo e me fere, chocando-se comigo. Muito bem, agora pensar em céu azul, por exemplo. Mas sobretudo donde vem essa certeza de estar vivendo? Não, não passo bem. Pois ninguém se faz essas perguntas e eu… Mas é que basta silenciar para só enxergar, abaixo de todas as realidades, a única irredutível, a da existência. E abaixo de todas as dúvidas — o estudo cromático — sei que tudo é perfeito, porque seguiu de escala a escala o caminho fatal em relação a si mesmo.

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