Amigos para Sempre
Os amigos cada vez mais se vêem menos. Parece que era só quando éramos novos, trabalhávamos e bebíamos juntos que nos víamos as vezes que queríamos, sempre diariamente. E, no maior luxo de todos, há muito perdido: porque não tínhamos mais nada para fazer.
Nesta semana, tenho almoçado com amigos meus grandes, que, pela primeira vez nas nossas vidas, não vejo há muitos anos. Cada um começa a falar comigo como se não tivéssemos passado um único dia sem nos vermos.
Nada falha. Tudo dispara como se nos estivera – e está – na massa do sangue: a excitação de contar coisas e partilhar ninharias; as risotas por piadas de há muito repetidas; as promessas de esperanças que estão há que décadas por realizar.
Há grandes amigos que tenho a sorte de ter que insistem na importância da Presença com letra grande. Até agora nunca concordei, achando que a saudade faz pouco do tempo e que o coração é mais sensível à lembrança do que à repetição. Enganei-me. O melhor que os amigos e as amigas têm a fazer é verem-se cada vez que podem. É verdade que, mesmo tendo passado dez anos, sente-se o prazer inencontrável de reencontrar quem se pensava nunca mais encontrar.
Textos sobre Piadas de Miguel Esteves Cardoso
4 resultadosOs Portugueses e o Amor Livre
Tipicamente, os Portugueses deixaram arrastar não a revolução socialista, não a revolução interior, não a revolução cultural, mas a revolução sexual. Foi como se tivessem pena de se desfazer dela. Em 89, sem ligar nenhuma à libertação feminina e à SIDA, Portugal, sexualmente falando, continua em 69.
Tanto porfiaram os Portugueses e as Portuguesas nas práticas e noções do «amor livre» que se tornaram nos peritos internacionais das «relações modernas». Cada um «sabe de si» e assobia «l am Free». Ninguém «invade o espaço» de ninguém. Hoje é sempre «o primeiro dia do resto da tua vida». As pessoas vivem «para o momento». Isto é, «curtem» umas com as outras. O lema é «Não te prendas», e a filosofia, na sua expressão mais completa, é «Enquanto der, deu — quando já não der, já não dá».Tudo isto é alegre e tem a sua graça. A conjunção, no português, de um feitio ciumento e possessivo (palavras portuguesas) com uma aparência, «cool» e «non-chalant» (palavras estrangeiras) até tem piada. E atraente. Numa situação de ciúme ou de brusca afirmação de independência do outro, o português (sobretudo o homem, por ser mais estúpido) encolhe os ombros e diz que «OK,
As Lágrimas e o Amor
As lágrimas das raparigas refrescam-me. Levantam-me o moral. Às vezes lambo-as dos cantos dos olhos. São mini-margaridas, sem álcool, inteiramente naturais. Dizer «Não chores» funciona sempre, porque só mencionar o verbo «chorar» emociona-as e liberta-as, dando-lhe a carta branca para chorar ainda mais. Só intervenho com piadas e palavras de esperança e de amor quando elas vão longe demais e começam, por exemplo, a pingar do nariz.
As raparigas, depois de chorar, ficam com vontade de fazer amor. É como se tivessem apanhado uma carga de chuva. Ficam todas molhadas. Nós somos a toalha que está mais à mão. O turco maluco com que se embrulham e enxutam. É horrível, não é? Mas só um santo não se aproveitaria.
E as raparigas que choram depois de se virem? Estarão assim tão arrependidas? Comovidas? Simplesmente agradecidas? Gostaria de pensar que sim. As três coisas, pelo menos. Elas próprias não sabem. Riem-se logo de seguida. As piores são as que se riem logo ao princípio. Mas as piores também são muito queridas.
A Monstruosa Amálgama da Identidade Europeia
O mal do totalitarismo é ser uniformizador e impositivo. Há sempre um modelo de perfeição, que os povos mais atrasados terão de seguir e com o qual terão de se comparar. Há sempre uma identidade superior, uma ideologia acima da realidade, um futuro comum aos mais diversos interesses. O totalitarismo é o grande inimigo da diferença e a própria democracia liberal, ao impor e exigir certas igualdades menos naturais, tem aspectos totalitários.
É com horror que assisto à construção da chamada «identidade» europeia, uma monstruosa amálgama beneluxiana que reduz todos os ingredientes nacionais a uma pasta amorfa de argamassa processada. Quando temo pela resistência da nossa diferença à uniformização europeia, não temo a nossa dominação de todas as nacionalidades — temo é a dominação de todas as nacionalidades por um euro-híbrido que não seja escolhido ou amado por nenhuma delas. A verdade é que a Itália está menos italiana, a Alemanha está menos alemã, a Inglaterra está menos inglesa e Portugal está menos português. E nem por isso estão mais parecidos com outra nacionalidade qualquer. O que perderam em carácter não ganharam em mais nada. As nações europeias estão cada vez mais iguais, mais incaracterísticas, mais chatas. Qualquer dia deixa de ter piada viajar.