Textos sobre Interior de Miguel Esteves Cardoso

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Textos de interior de Miguel Esteves Cardoso. Leia este e outros textos de Miguel Esteves Cardoso em Poetris.

O Amor e a Memória

O amor e a memória conspiram juntos. É por não nos conseguirmos lembrar de quem amamos que temos de estar sempre junto dela. A olhar para ela. Cada vez que a vejo sou apanhado de surpresa. Baque do costume. Já chateia. É sempre diferente, mais bonita, mais interessante do que eu pensava.
Porque é que eu não me consigo lembrar da cara dela? Já tentei. Já fiz tudo. Fiquei acordado a tentar aprendê-la de cor. Estudei-a. Sobrancelha por sobrancelha. Dez minutos para cada uma. Tomei apontamentos. Escrevi-a num caderno. Tirei-lhe fotografias. Pendurei-a na parede. Decorei o meu quarto (e os interiores do meu coração) com ela, mas mesmo assim não a consigo ver. No momento em que tiro os olhos dela, desaparece. Os meus olhos prendem-se a ela, mas os olhos dela não param dentro de mim. Isto assusta-me. Ela impressiona-me tanto. Mas não deixa impressão. Deixa um vazio. É isso que o amor faz. Troça de nós. Ou se calhar ela é como um bombardeamento que presencio e esqueço. Como um soldado cheio de medo, escondido na minha trincheira, varro-a da memória. E depois ela volta quando começo a sonhar.

Os Portugueses e o Amor Livre

Tipicamente, os Portugueses deixaram arrastar não a revolução socialista, não a revolução interior, não a revolução cultural, mas a revolução sexual. Foi como se tivessem pena de se desfazer dela. Em 89, sem ligar nenhuma à libertação feminina e à SIDA, Portugal, sexualmente falando, continua em 69.
Tanto porfiaram os Portugueses e as Portuguesas nas práticas e noções do «amor livre» que se tornaram nos peritos internacionais das «relações modernas». Cada um «sabe de si» e assobia «l am Free». Ninguém «invade o espaço» de ninguém. Hoje é sempre «o primeiro dia do resto da tua vida». As pessoas vivem «para o momento». Isto é, «curtem» umas com as outras. O lema é «Não te prendas», e a filosofia, na sua expressão mais completa, é «Enquanto der, deu — quando já não der, já não dá».

Tudo isto é alegre e tem a sua graça. A conjunção, no português, de um feitio ciumento e possessivo (palavras portuguesas) com uma aparência, «cool» e «non-chalant» (palavras estrangeiras) até tem piada. E atraente. Numa situação de ciúme ou de brusca afirmação de independência do outro, o português (sobretudo o homem, por ser mais estúpido) encolhe os ombros e diz que «OK,

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