Textos sobre Semelhantes de Blaise Pascal

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Textos de semelhantes de Blaise Pascal. Leia este e outros textos de Blaise Pascal em Poetris.

A Distorção do Entendimento

Que difícil é propor um problema ao entendimento alheio sem corromper esse entendimento pela maneira de propor! Se dizemos: acho isto belo, acho obscuro, ou outra coisa semelhante, arrastamos a imaginação para este juízo, ou irritamo-la, levando-a ao juízo contrário. Mais vale nada dizer, e então o outro julga segundo o que é, ou segundo o que é naquele momento, e de acordo com o que as outras circunstâncias, de que não somos responsáveis, lá tiverem posto. Mas pelo menos nós não pusemos nada; a não ser que o nosso silêncio tenha também o seu efeito, segundo o sentido e a interpretação que ele estiver disposto a atribuir-lhe, ou segundo o que depreende dos movimentos e da expressão do rosto, ou do tom de voz, conforme for melhor ou pior fisionomista: tão difícil é não deslocar um entendimento da sua base natural, ou antes, tão pouco um entendimento tem de firme e estável!

O Juízo no seu Ponto Natural

Como é difícil propor uma coisa ao juízo alheio, sem lhe corromper o juízo pela maneira de lha propor! Se se diz: acho-o belo, acho-o obscuro, ou outra coisa semelhante, arrasta-se a imaginação a este juízo, ou, pelo contrário, afastamo-la dele. Vale mais não dizer nada; e então ele julga conforme o que é, quer dizer, conforme o que é então e o que as outras circunstâncias de que não somos autores lhe tenham sugerido. Mas ao menos não teremos insinuado nada; a não ser que este silêncio também produza o seu efeito, conforme a volta e a interpretação que estiver de humor a dar-lhe, ou conforme o que conjecturar dos movimentos de expressão da cara ou do tom da voz, conforme for fisionomista: tão difícil é manter um juízo no seu ponto natural, ou antes, tão pouca firmeza e estabilidade há!

A Vida é um Sonho um Pouco Menos Inconstante

Se sonhássemos todas as noites a mesma coisa, ela afectar-nos-ia tanto como os objectos que vemos todos os dias. E, se um artista estivesse seguro de sonhar todas as noites, durante doze horas, que é um rei, creio que seria quase tão feliz como um rei que sonhasse todas as noites, durante doze horas, que era um artista.
Se sonhássemos todas as noites que somos perseguidos por inimigos, e agitados por esses fantasmas penosos, e se passássemos todos os dias em diversas ocupações, como quando se faz uma viagem, sofrer-se-ia quase tanto como se isso fosse verdadeiro, e apreender-se-ia o dormir como se apreende o despertar quando se teme entrar em semelhantes desgraças realmente. E, com efeito, isto faria pouco mais ou menos o mesmo mal que a realidade.
Mas, porque os sonhos são todos diferentes, e porque mesmo um se diversifica, o que se vê neles afecta bem menos que o que se vê acordado, por causa da continuidade, que não é contudo tão contínua e igual que não mude também, mas menos bruscamente, a não ser raramente, como quando se viaja; e então diz-se: «Parece-me que sonho»; pois a vida é um sonho um pouco menos inconstante.

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