Textos de Séneca

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Textos de Séneca. Conheça este e outros autores famosos em Poetris.

Prazer não Significa Felicidade

Aqueles que disseram ser o prazer o sumo bem, viram bem a posição vergonhosa em que o colocaram. Negam eles também que a virtude possa ser separada do prazer e dizem que ninguém pode viver honestamente sem viver agradavelmente, tal como ninguém pode viver agradavelmente sem viver honestamente. Não vejo como elementos tão diversos podem ser postos lado a lado. Porque não se poderá, pergunto-vos, separar a virtude do prazer? Visto que o princípio de todo o bem é a virtude, será ela também a raiz de tudo o que vós amais e desejais? Todavia, se a virtude e o prazer não fossem coisas distintas, não se compreenderia por que razão há umas coisas que são agradáveis, mas desonestas, e outras que são honestíssimas, mas penosas e causadoras de sofrimento.
Acrescenta ainda que, enquanto o prazer se coaduna com uma vida vergonhosa, a virtude não admite uma má vida, e quantos há que são infelizes não por não terem prazer, mas precisamente por causa do prazer, o que não aconteceria se conjugassem o prazer com a virtude, a qual existe muitas vezes sem ele, sem nunca precisar dele para existir.
Porquê confundir coisas tão diversas ou mesmo opostas?

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A Adversidade é Essencial

Porquê espantar-nos que possa ser vantajoso, por vezes mesmo desejável, expor-nos ao fogo, às feridas, à morte, à prisão? Para o homem esbanjador a austeridade é um castigo, para o preguiçoso o trabalho equivale a um suplício; ao efeminado toda a labuta causa dó, para o indolente qualquer esforço é uma tortura: pela mesma ordem de ideias toda a actividade de que nos sentimos incapazes se nos afigura dura e intolerável, esquecendo-nos de que para muitos é uma autêntica tortura passar sem vinho ou acordar de madrugada! Qualquer destas situações não é difícil por natureza, os homens é que são moles e efeminados!
Para formar juízos de valor sobre as grandes questões há que ter uma grande alma, pois de outro modo atribuiremos às coisas um defeito que é apenas nosso, tal como objectos perfeitamente direitos nos parecem tortos e partidos ao meio quando os vemos metidos dentro de água. O que interessa não é o que vemos, mas o modo como o vemos; e no geral o espírito humano mostra-se cego para a verdade!
Indica-me um jovem ainda incorrupto e de espírito alerta, e ele não hesitará em julgar mais afortunado o homem capaz de suportar todo o peso da adversidade sem dobrar os ombros,

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A Justa Medida, sem Grandezas nem Excessos

Uma grande alma distingue-se por desprezar a grandeza, e por preferir a justa medida aos excessos, já que a primeira se limita ao que é útil e indispensável à vida, enquanto os últimos se tornam nocivos pelo próprio facto de serem supérfluos. É assim que a fertilidade excessiva prejudica as searas, os colmos partem-se com o peso e a demasiada abundância de grão não chega a amadurecer. O mesmo ocorre com as almas corroídas por um bem estar desmesurado, do qual usam em prejuízo não só dos outros como de si próprias. Nenhum inimigo inflingiu a alguém golpes tão duros como aqueles que certas pessoas sofrem ocasionados pelos próprios prazeres. Só uma coisa pode desculpar a imoderação, a louca voluptuosidade de tal gente: é que sofrem a consequência dos seus actos.
Não é sem razão, aliás, que uma tal loucura se apodera delas: o desejo de ultrapassar os limites naturais descamba necessariamente na desmesura. A necessidade natural tem o seu termo próprio, enquanto as necessidades artificiais derivadas do prazer nunca conhecem limitações. A utilidade serve de medida ao que é indispensável; mas por que padrão aferir o que é supérfluo? Por conseguinte, muitos afundam-se em prazeres sem os quais,

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Não Peças o que na Realidade não Pretendes Obter

“Não te ponhas a pedir o que não pretendes obter!” É que sucede muitas vezes nós pedirmos com empenho coisas que recusaríamos se alguém no-las oferecesse. Por ligeireza? Por excesso de gentileza? Seja qual for a razão, apliquemos-lhe um castigo: acedamos largamente ao pedido. Muitas coisas nós desejamos parecer querer quando de facto as não queremos. Numa leitura pública, um autor levou uma vez uma obra histórica enorme, escrita em letra miudinha, num volume densíssimo, e, depois de ler a maior parte, disse: “Se querem, fico por aqui.” Ora os auditores, embora o seu único desejo fosse que o homem se calasse imediatamente, gritaram em coro: “Continua a leitura, continua!” Muitas vezes, também, queremos uma coisa mas escolhemos outra, e nem sequer aos deuses confessamos a verdade; o que vale é que os deuses ou não nos atendem ou têm pena de nós!

Não há Sabedoria sem Esforço

Certos vícios, temos o hábito de atribuí-los aos condicionalismos do lugar e do tempo, mas o certo é que, para onde quer que vamos, esses vícios nos acompanham. (…) Para quê iludirmo-nos? O nosso mal não vem do exterior, está dentro de nós, enraizado nas nossas vísceras, e, como ignoramos o mal de que sofremos, só com dificuldade recuperamos a saúde. E mesmo que já tenhamos iniciado o tratamento, quando nos será possível levar de vencida a enorme virulência de tão numerosas enfermidades? Nem sequer solicitamos a presença do médico, quando afinal é mais fácil tratar uma doença ainda no início. Almas ainda frescas e inexperientes obedecem sem tardar a quem lhes indique o justo caminho. Só é difícil reconduzir à via da natureza quem deliberadamente dela se apartou. Parece que temos vergonha de aprender a sabedoria! Pelos deuses, se acharmos que é vergonhoso buscar um mestre, então podemos perder a esperança de obter as vantagens da sabedoria por obra do acaso. A sabedoria só se obtém pelo esforço.
Para dizer a verdade, nem sequer é necessário grande esforço se, como disse, começarmos a formar e a corrigir a nossa alma antes que as más tendências cristalizem. Mas mesmo já empedernidas,

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O Ingrato e o seu Oposto

O ingrato tortura-se e aflige-se a si mesmo; odeia os benefícios que recebe por ter de retribuí-los, procura reduzir a sua importância e, pelo contrário, agigantar enormemente as ofensas que lhe foram causadas. Há alguém mais miserável do que um homem que se esquece dos benefícios para só se lembrar das ofensas? A sabedoria, pelo contrário, valoriza todos os benefícios, fixa-se na sua consideração, compraz-se em recordá-los continuamente. Os maus só têm um momento de prazer, e mesmo esse breve: o instante em que recebem o benefício; o sábio, pelo seu lado, extrai do benefício recebido uma satisfação grande e perene. O que lhe dá prazer não é o momento de receber, mas sim o facto de ter recebido o benefício; isto é para ele algo de imortal, de permanente. O sábio não tem senão desprezo por aquilo que o lesou; tudo isso ele esquece, não por incúria, mas voluntariamente. Não interpreta tudo pelo pior, não procura descobrir o culpado do que lhe sucedeu, preferindo atribuir os erros dos homens à fortuna.
Não atribui más intenções às palavras ou aos olhares dos outros, antes procura dar do que lhe fazem uma interpretação benevolente. Prefere lembrar-se do bem que lhe fizeram,

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Sapiência Diversificada

Entre outras vantagens, a sabedoria também tem isto de bom: só se pode ser ultrapassado por outro durante a fase de ascenção. Quando se chega ao cume, não mais subsistem diferenças: a sabedoria é um estado constante, não passível de qualquer incremento. Acaso o Sol pode aumentar de tamanho ou a Lua sair da sua órbita? Os oceanos também não crescem; o mundo conserva sempre a sua forma e as suas medidas. Todos os seres que atingiram as suas dimensões ideais já não podem aumentar e, por isso, todos os homens que atingirem a sapiência são de valor inteiramente idêntico. De entre eles, cada um terá as suas qualidades próprias: um poderá ser mais afável, outro mais desembaraçado, outro de palavra mais pronta, outro dotado de maior eloquência. Mas o ponto que nos interessa – a sapiência que gera a beatitude – essa será igual em todos eles.

Tempo Desperdiçado por Negligência

Procede deste modo, caro Lucílio: reclama o direito de dispores de ti, concentra e aproveita todo o tempo que até agora te era roubado, te era subtraído, que te fugira das mãos. Convence-te de que as coisas são tal como as descrevo: uma parte do tempo é-nos tomada, outra parte vai-se sem darmos por isso, outra deixamo-la escapar. Mas o pior de tudo é o tempo desperdiçado por negligência. Se bem reparares, durante grande parte da vida agimos mal, durante a maior parte não agimos nada, durante toda a vida agimos inutilmente.
Podes indicar-me alguém que dê o justo valor ao tempo aproveite bem o seu dia e pense que diariamente morre um pouco? É um erro imaginar que a morte está à nossa frente: grande parte dela já pertence ao passado, toda a nossa vida pretérita é já do domínio da morte!
Procede, portanto, caro Lucílio, conforme dizes: preenche todas as tuas horas! Se tomares nas mãos o dia de hoje conseguirás depender menos do dia de amanhã. De adiamento em adiamento, a vida vai-se passando.

A Ignorância leva ao Impulso sem Sentido

A ignorância é uma coisa vil, abjecta, indigna, servil, sujeita a inúmeras e violentíssimas paixões. Destes insuportáveis tiranos que são as paixões – e que por ora nos governam alternadamente, ora em conjunto – te libertará a sabedoria, a única liberdade autêntica. Para chegar à sabedoria, um só caminho e em linha recta; não há que errar, avança em passo firme e constante. Se queres que tudo te esteja sujeito, sujeita-te tu à razão; dirigirás muitos outros, se a ti te dirigir a razão. Ela te dirá o que deves empreender, e que maneira; assim não serás surpreendido pelos acontecimentos. Tu não podes apontar-me alguém que saiba de que modo começou a querer aquilo que quer. E porquê? Porque o comum das pessoas não é levada pela reflexão, mas arrastada por impulsos. A fortuna cai sobre nós não menos vezes do que nós caimos sobre ela.