Não há Sabedoria sem Esforço
Certos vĂcios, temos o hábito de atribuĂ-los aos condicionalismos do lugar e do tempo, mas o certo Ă© que, para onde quer que vamos, esses vĂcios nos acompanham. (…) Para quĂŞ iludirmo-nos? O nosso mal nĂŁo vem do exterior, está dentro de nĂłs, enraizado nas nossas vĂsceras, e, como ignoramos o mal de que sofremos, sĂł com dificuldade recuperamos a saĂşde. E mesmo que já tenhamos iniciado o tratamento, quando nos será possĂvel levar de vencida a enorme virulĂŞncia de tĂŁo numerosas enfermidades? Nem sequer solicitamos a presença do mĂ©dico, quando afinal Ă© mais fácil tratar uma doença ainda no inĂcio. Almas ainda frescas e inexperientes obedecem sem tardar a quem lhes indique o justo caminho. SĂł Ă© difĂcil reconduzir Ă via da natureza quem deliberadamente dela se apartou. Parece que temos vergonha de aprender a sabedoria! Pelos deuses, se acharmos que Ă© vergonhoso buscar um mestre, entĂŁo podemos perder a esperança de obter as vantagens da sabedoria por obra do acaso. A sabedoria sĂł se obtĂ©m pelo esforço.
Para dizer a verdade, nem sequer Ă© necessário grande esforço se, como disse, começarmos a formar e a corrigir a nossa alma antes que as más tendĂŞncias cristalizem. Mas mesmo já empedernidas, nem assim eu desespero: com esforço persistente, com cuidados aturados e intensos, todas as más tendĂŞncias serĂŁo vencidas. Podemos aprumar toros de madeira, por muito tortos que estejam; por meio de calor Ă© possĂvel endireitar pranchas curvas e adaptar a sua forma natural Ă s nossas conveniĂŞncias. Com muito mais facilidade se pode dar forma Ă alma, essa entidade flexĂvel, mais maleável que qualquer lĂquido. De facto o que Ă© a alma senĂŁo uma espĂ©cie de sopro dotado de certa consistĂŞncia? Ora tu podes observar como o ar Ă© mais elástico que as outras espĂ©cies de matĂ©ria por ser a mais subtil. NĂŁo há, pois, LucĂlio, motivo para desesperares de nĂłs pelo facto de a maldade nos dominar, nos possuir mesmo há tanto tempo: ninguĂ©m atingiu a sabedoria sem primeiro passar pela insensatez! Todos temos o inimigo dentro de casa: aprender as virtudes equivale a desaprender os vĂcios. Com tanto maior vontade nos devemos aplicar a emendar-nos: uma vez aprendidos, os bens da sabedoria permacem para sempre na nossa posse. A virtude nunca se esquece.
As plantas crescem com dificuldade num solo inadequado, e por isso será fácil arrancá-las, eliminá-las; mas colocadas num terreno apropriado ganham raĂzes firmes. A virtude está de acordo com a natureza; os vĂcios, esses, sĂŁo como plantas daninhas e nocivas. As virtudes adquiridas nĂŁo podem ser extirpadas, Ă© com facilidade que as podemos conservar; adquiri-las, contudo, Ă© tarefa árdua, portanto Ă© prĂłprio de um espĂrito fraco e doente recear experiĂŞncias desconhecidas. Obriguemos, portanto, esse espĂrito a dar os primeiros passos. Passada esta fase o tratamento deixa de amargar e torna-se mesmo, enquanto se processa a cura, uma fonte de prazer. Com os remĂ©dios do corpo o prazer sĂł chega depois da cura; a filosofia, pelo contrário, Ă© salutar e saborosa simultaneamente.