Textos sobre Vez de Blaise Pascal

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Textos de vez de Blaise Pascal. Leia este e outros textos de Blaise Pascal em Poetris.

O Medo Da Nossa Condição Humana

Quando me ponho às vezes a considerar as diversas agitações dos homens, e os perigos e trabalhos a que eles se expõem, na corte, na guerra, donde nascem tantas querelas, paixões, cometimentos ousados e muitas vezes nocivos, etc., descubro que toda a miséria dos homens vem duma só coisa, que é não saberem permanecer em repouso, num quarto. Um homem que tenha o bastante para viver, se fosse capaz de ficar em sua casa com prazer não sairia para ir viajar por mar ou pôr cerco a uma praça-forte. Ninguém compraria tão caro um posto no exército se não achasse insuportável deixar-se estar quieto na cidade; e quem procura a convivência e a diversão dos jogos é porque é incapaz de ficar, em casa, com prazer.
Mas quando pensei melhor, e que, depois de ter encontrado a causa de todos os nossos males, quis descobrir a razão desta, achei que há uma bem efectiva, que consiste na natural infelicidade da nossa condição frágil e mortal, e tão miserável que nada nos pode consolar quando nela pensamos a fundo.

É o Hábito Que Nos Persuade

É preciso não nos conhecermos mal: somos autómato, tanto quanto espírito, donde resulta que o instrumento pelo qual se faz a persuasão não é unicamente a demonstração. Quão poucas são as coisas demonstradas! As provas não convencem senão o espírito. O hábito dá-nos provas mais fortes e mais críveis; inclina o autómato, que arrasta o espírito, sem que ele o saiba. Quem demonstrou que amanhã será dia, e que morremos? E que existirá de mais crível? É, portanto, o hábito que nos persuade; é ele que faz tantos cristãos, que faz os maometanos, os pagãos, os artesãos, os soldados, etc.
Enfim, é preciso recorrer a ele depois de o espírito ter visto onde está a verdade, para nos dessedentar e nos impregnar dessa crença que nos escapa a todo o momento; pois ter as provas sempre presentes é por demais penoso. É mister adquirir uma crença mais fácil – a do hábito -, que, sem violência, sem artifício, sem argumento, nos faz crer nas coisas e predispõe todas as nossas faculdades para essa crença, de sorte que a nossa alma nela mergulhe naturalmente.Não basta crer pela força da convicção, quando o autómato está predisposto a crer o contrário. É preciso fazer com que as nossas duas partes creiam: o espírito,

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A Dissimulação da Identidade

Não nos contentamos com a vida que temos em nós e no nosso próprio ser: queremos viver na ideia dos outros uma vida imaginária e para isso esforçamo-nos por manter as aparências. Trabalhamos incessantemente para embelezar e conservar o nosso ser imaginário, e descuramos o verdadeiro. E se temos ou a tranquilidade, ou a generosidade, ou a felicidade, apressamo-nos a apregoá-lo, a fim de atribuir estas virtudes ao nosso outro ser, e se fosse preciso estararíamos prontos a despojar-nos delas para as juntar ao outro; de bom grado seríamos cobardes para adquirirmos a reputação de valentes.
Grande sinal do nada que somos, não nos contentarmos de uma coisa sem a outra, e trocarmos muitas vezes uma pela outra! Pois quem não morresse para conservar a sua honra seria infame.

O Costume Constrange a Natureza

A coisa mais importante de toda a vida é a escolha do ofício: o acaso prepara-a. O costume faz os pedreiros, soldados, empalhadores. «E um excelente empalhado», diz-se; e, falando dos soldados: «Eles são loucos», diz-se; e outros pelo contrário: «Não há nada maior do que a guerra; o resto dos homens são uns cobardes». À força de ouvir louvar na infância estes ofícios e desprezar todos os outros, escolhe-se; pois naturalmente ama-se a virtude, e detesta-se a loucura; estas palavras emocionam-nos: só se peca na aplicação. É tão grande a força do costume que, daqueles que a natureza fez apenas homens, se fazem todas as condições dos homens; pois há regiões onde são todos pedreiros, noutras todos soldados, etc. Certamente que a natureza não é tão uniforme. É portanto o costume que faz isto, porque constrange a natureza; e algumas vezes a natureza supera-o, e conserva o homem no seu instinto, apesar do costume, bom ou mau.