Textos sobre Loucura

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Textos de loucura escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Duração da Vida em Perspectiva

A nossa religião não teve fundamento humano mais seguro do que o desprezo pela vida. Não somente o exercício da razão nos convida a isso, pois por que temeríamos perder uma coisa que perdida não pode ser lamentada; e, já que somos ameaçados por tantas formas de morte, não haverá maior mal em temê-las todas do que em suportar uma?
Que importa quando ela será, pois que é inevitável? A alguém que dizia a Sócrates: «Os trinta tiranos condenaram-te à morte», respondeu ele: «E a natureza a eles». Que tolice nos atormentarmos sobre o momento da passagem para a isenção de todo o tormento!
Assim como o nosso nascimento nos trouxe o nascimento de todas as coisas, assim a nossa morte trará a morte de todas as coisas. Por isso, chorar porque daqui a cem anos não estaremos a viver é loucura igual a chorar porque há cem anos atrás não vivíamos. A morte é origem de uma outra vida. Assim choramos nós; assim nos custou entrar nesta aqui; assim nos despojamos do nosso antigo véu quando entramos naquela.
Não pode ser penoso algo que o é apenas uma vez. Será certo temer por tão longo tempo uma coisa de tão breve duração?

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A Mentira é a Base da Civilização Moderna

É na faculdade de mentir, que caracteriza a maior parte dos homens actuais, que se baseia a civilização moderna. Ela firma-se, como tão claramente demonstrou Nordau, na mentira religiosa, na mentira política, na mentira económica, na mentira matrimonial, etc… A mentira formou este ser, único em todo o Universo: o homem antipático.
Actualmente, a mentira chama-se utilitarismo, ordem social, senso prático; disfarçou-se nestes nomes, julgando assim passar incógnita. A máscara deu-lhe prestígio, tornando-a misteriosa, e portanto, respeitada. De forma que a mentira, como ordem social, pode praticar impunemente, todos os assassinatos; como utilitarismo, todos os roubos; como senso prático, todas as tolices e loucuras.
A mentira reina sobre o mundo! Quase todos os homens são súbditos desta omnipotente Majestade. Derrubá-la do trono; arrancar-lhe das mãos o ceptro ensaguentado, é a obra bendita que o Povo, virgem de corpo e alma, vai realizando dia a dia, sob a direcção dos grandes mestres de obras, que se chamam Jesus, Buda, Pascal, Spartacus, Voltaire, Rousseau, Hugo, Zola, Tolstoi, Reclus, Bakounine, etc. etc. …
E os operários que têm trabalhado na obra da Justiça e do Bem, foram os párias da Índia, os escravos de Roma, os miseráveis do bairro de Santo António,

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Sobre a Descoberta

Ninguém nos pode privar da alegria do primeiro momento de consciência, ou seja, da descoberta. Mas, se reclamamos as respectivas honras, a alegria corre grave risco de se desfazer. Porque na maior parte dos casos não somos os primeiros.
O que é a descoberta? E quem pode dizer que descobriu isto ou aquilo? Que grande loucura é afinal alardear prioridades nesta matéria. Porque não querer confessar abertamente o plágio é arrogância e inconsciência.
Há dois sentimentos que são os mais difíceis de ultrapassar: o que resulta de descobrir uma coisa que já foi descoberta e o que decorre de se não ver descoberto aquilo que se devia ter descoberto.

O Antagonismo Racial

O elemento puramente instintivo não constitui senão uma pequena parte do ódio racial e não é difícil de vencer. O medo do que é estrangeiro, que é a sua principal essência, desaparece com a familiaridade. Se nenhum outro elemento o formasse, toda a perturbação desapareceria logo que pessoas de raças diferentes se habituassem umas às outras. Mas há sempre pretextos para se odiarem os grupos estrangeiros. Os seus hábitos são diferentes dos nossos e portanto (em nossa opinião) piores. Se triunfam, é porque nos roubam as oportunidades; se não triunfam, é porque são miseráveis vagabundos. A actual população do mundo descende dos sobreviventes de longos séculos de guerras e por instinto está à espreita de ocasiões de hostilidade colectiva.

O desejo de ter um inimigo fixa-se no coração desse instinto racista e constrói à sua volta um edifício monstruoso de crueldade e de loucura. Tais conflitos representam hoje uma catástrofe universal e não já somente, como outrora, um desastre para os vencidos: daí as inquietações do nosso tempo. É por isso que é mais importante do que nunca conseguir um certo grau de domínio racional sobre os nossos sentimentos destruidores.

Em geral o ódio racial tem duas origens,

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A Felicidade Está Fora da Nossa Realidade

O amoroso apaixonado já não vive em si, mas no que ama; quanto mais se afasta de si para se fundir no seu amor, mais feliz se sente. Assim, quando a alma sonha em fugir do corpo e renuncia a servir-se normalmente dos seus orgãos, podeis dizer com razão que ele enlouquece. As expressões correntes não querem dizer outra coisa: «Não está em si… Volta a ti… Ele voltou a si.» E quanto mais perfeito é o amor, maior a loucura e mais feliz.
Quem será, pois, essa vida no Céu, à qual aspiram tão ardentemente as almas piedosas? O espírito, mais forte e vitorioso, absorverá o corpo; isto será tanto mais fácil quanto mais purificado e extenuado tiver sido o corpo durante a vida. Por sua vez, o espírito será absorvido pela suprema Inteligência, cujos poderes são infinitos. Assim se encontrará fora de si mesmo o homem inteiro e a única razão da sua felicidade será de não mais se pertencer, mas de submeter-se a este soberano inefável, que tudo atrai a si.
Uma tal felicidade, é certo, só poderá ser perfeita no momento em que as almas, dotadas de imortalidade, retomem os antigos corpos. Mas, como a vida dos piedosos não é mais do que a meditação sobre a eternidade e como que a sombra dela,

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A Sabedoria é a Nossa Salvação

A nossa cultura é hoje muito superficial, e os nossos conhecimentos são muito perigosos, já que a nossa riqueza em mecânica contrasta com a pobreza de propósitos. O equilíbrio de espírito que hauríamos outrora na fé ardente, já se foi: depois que a ciência destruiu as bases sobrenaturais da moralidade o mundo inteiro parece consumir-se num desordenado individualismo, reflector da caótica fragmentação do nosso carácter.

Novamente somos defrontados pelo problema atormentador de Sócrates: como encontrar uma ética natural que substitua as sanções sobrenaturais já sem influência sobre a conduta do homem? Sem filosofia, sem esta visão de conjunto que unifica os propósitos e estabelece a hierarquia dos desejos, malbaratamos a nossa herança social em corrupção cínica de um lado e em loucuras revolucionárias de outro; abandonamos num momento o nosso idealismo pacífico para mergulharmos nos suicídos em massa da guerra; vemos surgir cem mil políticos e nem um só estadista; movemo-nos sobre a terra com velocidades nunca antes alcançadas mas não sabemos oara onde vamos, nem se no fim da viagem alcançaremos qualquer espécie de felicidade.
Os nossos conhecimentos destroem-nos. Embebedem-nos com o poder que nos dão. A única salvação está na sabedoria.

Ambição e Poder

Examinemo-nos no momento em que a ambição nos trabalha, em que lhe sofremos a febre; dissequemos em seguida os nossos «acessos». Verificaremos que estes são precedidos de sintomas cuirosos, de um calor especial, que não deixa nem de nos arrastar nem de nos alarmar. Intoxicados de porvir por abuso de esperança, sentimo-nos de súbito responsáveis pelo presente e pelo futuro, no núcleo da duração, carregada esta dos nossos frémitos, com a qual, agentes de uma anarquia universal, sonhamos explodir. Atentos aos acontecimentos que se passam no nosso cérebro e às vicissitudes do nosso sangue, virados para o que nos altera, espiamos-lhe e acarinhamos-lhe os sinais. Fonte de perturbações, de transtornos ímpares, a loucura política, se afoga a inteligência, favorece em contrapartida os instintos e mergulha-os num caos salutar. A ideia do bem e sobretudo do mal que imaginamos ser capazes de cumprir regozijar-nos-á e exaltar-nos-á; e o feito das nossas enfermidades, o seu prodígio, será tal que elas nos instituirão senhores de todos e de tudo.
À nossa volta, observaremos uma alteração análoga naqueles que a mesma paixão corrói. Enquanto sofrerem o seu império, serão irreconhecíves, presas de uma embriaguez diferente de todas as outras. Tudo mudará neles, até o timbre da voz.

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Vive Plenamente

Vê se consegues apanhar-te a lamentar-te, quer por palavras quer por pensamentos, por causa de determinada situação em que te encontres, do que as outras pessoas fazem ou dizem, do teu meio envolvente, da situação da tua vida, ou até mesmo por causa do tempo. Uma lamentação é sempre uma não aceitação daquilo que é. E traz invariavelmente consigo uma carga negativa inconsciente. Quando te lamentas, tu próprio te fazes de vítima. Quando elevas a voz, estás no teu poder. Por isso muda a situação tomando providências, levantando a voz se for necessário ou possível; deixa a situação ou aceita-a. Tudo o mais é loucura.

De certa forma, a inconsciência ordinária está sempre ligada à recusa do Agora. O Agora, evidentemente, também significa o aqui. Estás a resistir ao teu aqui e agora? Há pessoas que só estão bem onde não estão. O seu “aqui” nunca é suficientemente bom. Através da auto-observação, vê se é esse o teu caso. Estejas onde estiveres, está lá plenamente. Se achares que o teu aqui e agora é intolerável e te deixa infeliz, tens três opções à escolha: ou te retiras da situação, ou a mudas, ou a aceitas totalmente. Se quiseres tomar a responsabilidade pela tua vida,

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Quer-te Muito a Tua Mulherzinha

Recebi ontem à noite o telegrama que mandaste da Foz. Desejo que tivesses encontrado tudo bem na nossa casinha. Espero com ansiedade a primeira cartinha tua que já cá devia estar. Estou a escrever-te sentada a uma janela com o papel em cima dum livro e o tinteiro no chão; é 1 hora e meia, a hora de ir até às galinhas a ver se já havia algum ovo.

Há quanto tempo isso foi! Escreve para cá só até ao dia 23 ou 24 porque dia 26 pela manhã partimos para Vila Viçosa. O carnaval é dia 8 e já vejo que para minha desgraça o vou passar no covil enjaulada como as feras perigosas. Pouca sorte a da pobre Bela! Não posso ainda hoje falar com o advogado nem amanhã que é domingo, de forma que só segunda-feira te poderei dizer qualquer coisa a esse respeito. Há só um comboio dia sim dia não para Lisboa de forma que não estranhes nem te inquietes por alguma pequena demora na correspondência.
Aí vai um belo soneto que as saudades tuas me trouxeram ontem; só quando estou triste sei fazer versos com jeito como esses. Provavelmente não gostas…

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Amo-te com Toda a Loucura dos Meus Primeiros Anos

Meu anjo, minha vida, que sei eu mais? Amo-te com toda a loucura dos meus primeiros anos. Volto a ser para ti o irmão da Amélie; esqueço tudo desde que tu consentiste que eu caísse a teus pés. Sim, espero-te à beira mar, onde tu quiseres, muito longe do Mundo. Enlacei finalmente esse sonho de felicidade que há tanto tempo persigo. Foi a ti que eu adorei tanto tempo antes de te conhecer. Serás a minha vida; verás o que ninguém poderá saber senão após a minha morte; depositá-lo-ei nas mãos daquele que virá depois de nós. Acolhe tudo o que aqui ponho para ti. Amanhã às duas horas serei eu quem irá pedir-to.

Da Profundidade do Espírito

A profundeza é o termo da reflexão. Quem quer que tenha o espírito verdadeiramente profundo, deve ter a força de fixar o pensamento fugidio; de retê-lo sob os olhos para considerar-lhe o fundo, e reduzir a um ponto uma longa cadeia de ideias; é principalmente àqueles a quem esse espírito foi dado que a clareza e a justeza são necessárias. Quando lhes faltam essas vantagens, as suas vistas ficam embaraçadas com ilusões e cobertas de obscuridades. No entanto, como tais espíritos vêem sempre mais longe do que os outros nas coisas da sua alçada, julgam-se também mais próximos da verdade do que os demais homens; mas estes, não os podendo seguir nas suas sendas tenebrosas, nem remontar das consequências até a altura dos princípios, são frios e desdenhosos para com esse tipo de espírito que não podem mensurar.
E, mesmo entre as pessoas profundas, como algumas o são em relação às coisas do mundo e outras nas ciências ou numa arte particular, preferindo cada qual o objecto cujos usos melhor conhece, isso também é, de todos os lados, matéria de dissensão.
Finalmente, nota-se um ciúme ainda mais particular entre os espíritos vivazes e os espíritos profundos, que só possuem um na falta do outro;

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A Impossibilidade de Renunciar

Eu decido correr a uma provável desilusão: e uma manhã recebo na alma mais uma vergastada – prova real dessa desilusão. Era o momento de recuar. Mas eu não recuo. Sei já, positivamente sei, que só há ruínas no termo do beco, e continuo a correr para ele até que os braços se me partem de encontro ao muro espesso do beco sem saída. E você não imagina, meu querido Fernando, aonde me tem conduzido esta maneira de ser!… Há na minha vida um bem lamnetável episódio que só se explica assim. Aqueles que o conhecem, no momento em que o vivi, chamaram-lhe loucura e disparate inexplicável. Mas não era, não era. É que eu, se começo a beber um copo de fel, hei-de forçosamente bebê-lo até ao fim. Porque – coisa estranha! – sofro menos esgotando-o até à última gota, do que lançando-o apenas encetado. Eu sou daqueles que vão até ao fim. Esta impossibilidade de renúncia, eu acho-a bela artisticamente, hei-de mesmo tratá-la num dos meus contos, mas na vida é uma triste coisa. Os actos da minha existência íntima, um deles quase trágico, são resultantes directos desse triste fardo. E, coisas que parecem inexplicáveis, explicam-se assim. Mas ninguém as compreende.

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Ideais Fatais

Não há ideal a que possamos sacrificar-nos, porque de todos eles conhecemos a mentira, nós os que ignoramos em absoluto o que seja a verdade. A sombra terrestre que se alonga por detrás dos deuses de mármore basta para nos afastar deles. Ah, com que amplexo o homem se estreitou a si próprio! Pátria, justiça, grandeza, piedade, verdade, qual das suas estátuas não traz em si os sinais das mãos humanas para que não desperte a mesma ironia triste que os velhos rostos outrora amados? Compreender não significa necessariamente aceitar todas as loucuras. E, no entanto, quantos sacrifícios, quantos heroísmos injustificados dormem em nós…

Uma Casa Cheia de Livros

Os livros, esses animais sem pernas, mas com olhar, observam-nos mansos desde as prateleiras. Nós esquecemo-nos deles, habituamo-nos ao seu silêncio, mas eles não se esquecem de nós, não fazem uma pausa mínima na sua vigia, sentinelas até daquilo que não se vê. Desde as estantes ou pousados sem ordem sobre a mesa, os livros conseguem distinguir o que somos sem qualquer expressão porque eles sabem, eles existem sobretudo nesse nível transparente, nessa dimensão sussurrada. Os livros sabem mais do que nós mas, sem defesa, estão à nossa mercê. Podemos atirá-los à parede, podemos atirá-los ao ar, folhas a restolhar, ar, ar, e vê-los cair, duros e sérios, no chão.

(…) Os livros, esses animais opacos por fora, essas donzelas. Os livros caem do céu, fazem grandes linhas rectas e, ao atingir o chão, explodem em silêncio. Tudo neles é absoluto, até as contradições em que tropeçam. E estão lá, aqui, a olhar-nos de todos os lados, a hipnotizar-nos por telepatia. Devemos-lhes tanto, até a loucura, até os pesadelos, até a esperança em todas as suas formas.

A Necessidade da Compaixão

Arrebatavam-me os espectáculos teatrais, cheios de imagens das minhas misérias e de alimento próprio para o fogo das minhas paixões. Mas porque quer o homem condoer-se, quando presenceia cenas dolorosas e trágicas, se de modo algum deseja suportá-las? Todavia, o espectador anseia por sentir esse sofrimento que, afinal, para ele constitui um prazer. Que é isto senão rematada loucura? Com efeito, tanto mais cada um se comove com tais cenas quanto menos curado se acha de tais afectos (deletérios). Mas ao sofrimento próprio chamamos ordinariamente desgraça, e à comparticipação das dores alheias, compaixão. Que compaixão é essa em assuntos fictícios e cénicos, se não induz o espectador a prestar auxílio, mas somente o convida à angústia e a comprazer o dramaturgo na proporção da dor que experimenta? E se aquelas tragédias humanas, antigas ou fingidas, se representam de modo a não excitarem a compaixão, e espectador retira-se enfastiado e criticando. Pelo contrário, se se comove, permanece atento e chora de satisfação.
Amamos, portanto, as lágrimas e as dores. Mas todo o homem deseja o gozo. Ora, ainda que a ninguém apraz ser desgraçado, apraz-nos contudo a ser compadecidos. Não gostaremos nós dessas emoções dolorosas pelo único motivo de que a compaixão é companheira inseparável da dor?

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A Vida é uma Busca

A vida é uma busca — uma busca constante, uma busca desesperada, uma busca sem esperança, uma busca de algo que não se sabe o que é. Há um forte impulso para procurar, mas não se sabe o que se procura. E há um certo estado de espírito em que nada daquilo que consegue lhe dará qualquer satisfação. A frustração parece ser o destino da humanidade, porque tudo aquilo que se obtém perde o sentido no momento exacto em que se consegue. Começa-se novamente a procurar.
A busca continua, quer se consiga alguma coisa ou não. Parece ser irrelevante o que se tem e o que não se tem, pois a busca continua de qualquer maneira. Os pobres andam à procura, os ricos andam à procura, os doentes andam à procura, os que estão bem andam à procura, os poderosos andam à procura, os estúpidos andam à procura, os sensatos andam à procura – e ninguém sabe exactamente de quê.

Essa mesma procura — o que é e porque existe — tem de ser compreendida. Parece haver um hiato no ser humano, na mente humana. Na própria estrutura da consciência humana parece haver um buraco, um buraco negro.

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Não Queira Ser Especial

Se uma pessoa se aceitar tal como é e usar as suas capacidades para desenvolver a criatividade – e todas as pessoas nascem com certas capacidades, determinados talentos e alguma criatividade será imensamente feliz apesar de não ser ninguém. Um indivíduo não tem de ser forçosamente feliz só porque se converteu no homem mais rico ou no homem mais poderoso do mundo. Estas são as noções infantis do homem primitivo, um fardo que temos carregado até aos dias de hoje.
Eu gostava de lhe pedir: abandone as palavras «aceitação total». Substitua-as por palavras simples e sinta-se alegre interiormente. No momento em que se alegrar em si mesmo, toda a existência se alegra em si. Terá, então, alcançado a sintonia com a dança harmoniosa que acontece ao seu redor.
Só o homem se desfez em pedaços, e o motivo por que se desfez tem que ver com o facto de querer ser especial. Se quiser ser especial, terá de aceitar algum tipo de loucura.

O Papel do Sonho na Vida

Por vezes, o homem é mais sincero e rico na desordem dos sonhos que na consciência unitária do raciocinador acordado, mas nós vivemos enquanto negamos o sonho e o tornamos inútil. O génio é a extradição do sonho, porque enriquece a consciência com as reservas e as pessoas do inconsciente. Expulsa o selvagem e o delinquente, destila a sagacidade do louco, adopta a criança e escuta o poeta. Não é autocrata surdo, como o homem vulgar, mas pai de iguais. A concórdia de se terem almas subterrâneas faz a grandeza do génio, e a sua obra é a sublimação do sonho, desenrolado na vida verdadeira, liberdade concedida aos pensamentos inocentes dos reclusos.
Escolher é próprio do homem, mas escolhe-se com a rejeição e mais com o acolhimento. Vencer não significa apenas destruir, mas incorporar. A razão será tanto mais razoável quanto maior a loucura que assumir em si; o herói será mais forte se transferir para si a energia do pecador, e a fantasia do poeta tornará mais profundos os cálculos do político.
Quando o chefe da alma é o poeta, verdadeiramente poeta, não encarcera a razão, mas condu-la consigo para cima, ao céu em que até o silogismo se torna fogo.

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Lucidez sem Ignorância nem Sobranceria

Possivelmente não é sem razão que atribuímos à ingenuidade e ignorância a facilidade de crer e de se deixar persuadir: pois parece-me haver aprendido outrora que a crença era como uma impressão que se fazia na nossa alma; e, na medida em que esta se encontrava mais mole e com menor resistência, era mais fácil imprimir-lhe algo. Assim como, necessariamente, os pesos que nele colocamos fazem pender o prato da balança, assim a evidência arrasta a mente (Cícero). Quanto mais vazia e sem contrapeso está a alma, mais facilmente ela cede sob a carga da primeira persuasão. Eis porque as crianças, o vulgo, (…) e os doentes estão mais sujeitos a ser conduzidos pelas orelhas (ou seja, pelo que ouvem). Mas também, por outro lado, é uma tola presunção ir desdenhando e condenando como falso o que não nos parece verossímil; esse é um vício habitual nos que pensam ter algum discernimento além do comum. Outrora eu agia assim, e, se ouvia falar de espíritos que retornam, ou do prognóstico das coisas futuras, de encantamentos, de feitiçarias, ou contarem alguma outra história que eu não conseguisse compreender, vinha-me compaixão pelo pobre povo logrado por essas loucuras. Mas actualmente acho que eu próprio era no mínimo igualmente digno de pena;

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A Ira é uma Loucura Breve

Alguns sábios afirmaram que a ira é uma loucura breve; por não se controlar a si mesma, perde a compostura, esquece as suas obrigações, persegue os seus intentos de forma obstinada e ansiosa, recusa os conselhos da razão, inquieta-se por causas vãs, incapaz de discernir o que é justo e verdadeiro, semelhante às ruínas que se abatem sobre quem as derruba. Mas, para que percebas que estão loucos aqueles que estão possuídos pela ira, observa o seu aspecto; na verdade, são claros indícios de loucura a expressão ardente e ameaçadora, a fronte sombria, o semblante feroz, o passo apressado, as mãos trementes, a mudança de cor, a respiração forte e acelerada, indícios que estão também presentes nos homens irados: os olhos incendiam-se e fulminam, a cara cobre-se totalmente de um rubor, por causa do sangue que a ela aflui do coração, os lábios tremem, os dentes comprimem-se, os cabelos arrepiam-se e eriçam-se, a respiração é ofegante e ruidosa, as articulações retorcem-se e estalam, entre suspiros e gemidos, irrompem frases praticamente incompreensíveis, as mãos entrechocam-se constantemente, os pés batem no chão e todo o corpo se agita ameaçador, a face fica inchada e deformada, horrenda e assutadora. Ficas sem saber se o que há de pior neste vício é ele ser detestável ou tão disforme.

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