Textos sobre Vinte de Miguel Esteves Cardoso

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Textos de vinte de Miguel Esteves Cardoso. Leia este e outros textos de Miguel Esteves Cardoso em Poetris.

Amo-te, Portugal

Portugal,

Estou há que séculos para te escrever. A primeira vez que dei por ti foi quando dei pela tua falta. Tinha 19 anos e estava na Inglaterra. De repente, deixei de me sentir um homem do mundo e percebi, com tristeza, que era apenas mais um dos teus desesperados pretendentes.

Apaixonaste-me sem que eu desse por isso. Deve ter sido durante os meus primeiros 18 anos de vida, quando estava em Portugal e só queria sair de ti. Insinuaste-te. Não fui eu que te escolhi. Quando descobri que te amava, já era tarde de mais.

Eu não queria ficar preso a ti; queria correr mundo. Passei a querer correr para ti – e foi para ti que corri, mal pude.

Teria preferido chegar à conclusão que te amava por uma lenta acumulação de razões, emoções e vantagens. Mas foi ao contrário. Apaixonei-me de um dia para o outro, sem qualquer espécie de aviso, e desde esse dia, que remédio, lá fui acumulando, lentamente, as razões por que te amo, retirando-as uma a uma dentre todas as outras razões, para não te amar, ou não querer saber de ti.

Custou-me justificar o meu amor por ti.

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O Peso Bruto da Irritação

Se fôssemos contabilizar as paixões desta vida, os ódios e os amores, os grandes sobressaltos, as comoções, os transtornos, os arrebatamentos e os arroubos, os momentos de terror e de esperança, os ataques de ansiedade e de ternura, a violência dos desejos, os acessos de saudade e as elevações religiosas e se as somássemos todas numa só sensação, não seria nada comparada com o peso bruto da irritação. Passamos mais tempo e gastamos mais coração a sermos irritados do que em qualquer outro estado de espírito.
Apaixonamo-nos uma vez na vida, odiamos duas, sofremos três, mas somos irritados pelo menos vinte vezes por dia. Mais que o divórcio, mais que o despedimento, mais que ser traído por um amigo, a irritação é a principal causa de «stress» — e logo de mortalidade — da nossa existência.
É a torneira que pinga e o colega que funga, a criança que bate com o garfinho no rebordo do prato, a empregada que se esquece sempre de comprar maionnaise, a namorada que não enche o tabuleiro de gelo, o namorado que se esquece de tapar a pasta dentrífica, a nossa própria incompetência ao tentar programar o vídeo, o homem que mete um conto de gasolina e pede para verificar a pressão dos pneus,

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