Soneto XXX
Quando às vezes a mi, por mi pergunto,
Quem fui responde que me não conhece
Com não ser, de quem sou me desconhece,
E tem-me por defunto, o já defunto.Ele chora-me a mi, por ele ajunto
Com ele minhas lágrimas, e crece
Ua com outra dor, pois se oferece
Chorar quem já fui, e quem sou, junto.Choro porque o não vejo qual o via,
Ele porque me vê, qual me vê chora,
De mim, e dele, só lágrimas há.Espero por um dia, cada dia,
Que ou acabe de ser quem sou agora,
Ou acabe o lembrar-me quem fui já.
Passagens sobre Choro
133 resultadosA Mão que a Seu Amigo Hesita em Dar-se
Perguntaste se eu amo o meu amigo?
como rompendo um demorado açude
na tua voz quis hausto que transmude
todo o cristal dos ímpetos consigoNeste meu choro enevoado abrigo
pôs-me a palavra o peito em alaúde
que uma doce pergunta tua ajude
no sim furtivo que eu levei comigoMas a meu lábio lento em confessar-se
um mestre inda melhor o cunharia
A mão que a seu amigo hesita em dar-seele a tomou o que mais firme a guia
para que ao coração secreto amando
ao mundo todo em rimas o vá dando.Tradução de Vasco Graça Moura
Lágrimas Ocultas
Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida…E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!E fico, pensativa, olhando o vago…
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim…E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
IV
Sou pastor; não te nego; os meus montados
São esses, que aí vês; vivo contente
Ao trazer entre a relva florescente
A doce companhia dos meus gados;Ali me ouvem os troncos namorados,
Em que se transformou a antiga gente;
Qualquer deles o seu estrago sente;
Como eu sinto também os meus cuidados.Vós, ó troncos, (lhes digo) que algum dia
Firmes vos contemplastes, e seguros
Nos braços de uma bela companhia;Consolai-vos comigo, ó troncos duros;
Que eu alegre algum tempo assim me via;
E hoje os tratos de Amor choro perjuros.
Ah, que Olhos Pôs Amor na Minha Cara
Ah, que olhos pôs Amor na minha cara
mas sem correspondência a fiel vista?
Ou se a têm, meu juízo onde é que pára
que em tão falsas censuras inda insista?Se é belo o que meus olhos falso adoram
que quer dizer o mundo em negação?
E se não é, amor mostra se goram
seus olhos, menos fiéis que os homens: não,como pode? Como pode, se pranto
e espera o afectam, ser fiel no olhar?
De erros da minha vista não me espanto,o sol não vê até o céu limpar.
Manhoso amor, com choros pões-me cego,
mas vendo bem, a tuas faltas chego.
O choro que vive na preguiça, esquece do trabalho, não é mais choro, é perturbação.
Dia de Descanso
Hoje reservo o dia inteiro para chorar
É o domingo decadente em que muitos
esperam pela morte de pé
É o dia do sarro que vem à boca da mediocridade
circular dos gestos que andam disfarçados de gestos
dos amores que deram em estribilhos
das correrias pederásticas para o futebol em calções
mais o melhor fato e a mesquinhez nacional dos 10%
de desconto em todo o vestuárioE choro choro porque a coragem
não me falta para tudo isto e assisto
na nega de me ceder ao braço dadoPrecisarei de um cansaço mas
lá estavam espertas
as mil e não sei quantas lojas abertas
para mo vender!Mas hoje é domingo
Lá está o chão reluzente de martírio
e nem já o sonho me dá de graça o ter por não ter
já nem o amor que suponho me dá o sonho de serE choro de coragem isto é
as lágrimas hão-de cair sêcas nas minhas mãos
Falo cristalinamente sozinho
procurando entre as paredes e as varandas que vão cair
algum acaso isto é
o eco,
Adeus!
Adeus! para sempre adeus!
Vai-te, oh! vai-te, que nesta hora
Sinto a justiça dos céus
Esmagar-me a alma que chora.
Choro porque não te amei,
Choro o amor que me tiveste;
O que eu perco, bem no sei,
Mas tu… tu nada perdeste;
Que este mau coração meu
Nos secretos escaninhos
Tem venenos tão daninhos
Que o seu poder só sei eu.Oh! vai… para sempre adeus!
Vai, que há justiça nos céus.
Sinto gerar na peçonha
Do ulcerado coração
Essa víbora medonha
Que por seu fatal condão
Há-de rasgá-lo ao nascer:
Há-de sim, serás vingada,
E o meu castigo há-de ser
Ciúme de ver-te amada,
Remorso de te perder.Vai-te, oh! vai-te, longe, embora,
Que sou eu capaz agora
De te amar – Ai! se eu te amasse!
Vê se no árido pragal
Deste peito se ateasse
De amor o incêndio fatal!
Mais negro e feio no inferno
Não chameia o fogo eterno.
Que sim? Que antes isso? – Ai, triste!
Não sabes o que pediste.
Passagem das Horas
Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
O coral das Maldivas em passagem cálida,
Macau à uma hora da noite… Acordo de repente
Yat-iô–ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô … Ghi-…
E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade
A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol
Dar-es-Salaam (a saída é difícil)…
Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagascar…
Tempestades em torno ao Guardaful…
E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada…
E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo…Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei…
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos…
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu,
Amo-te Muito, Muito!
Amo-te muito, muito!
Reluz-me o paraíso
Num teu olhar fortuito,
Num teu fugaz sorriso!Quando em silêncio finges
Que um beijo foi furtado
E o rosto desmaiado
De cor-de-rosa tinges,Dir-se-á que a rosa deve
Assim ficar com pejo
Quando a furtar-lhe um beijo
O zéfiro se atreve!E às vezes que te assalta
Não sei que idem, jovem,
Que o rosto se te esmalta
De lágrimas que chovem;Que fogo é que em ti lavra
E as forças te aniquila,
Que choras, mas tranquila,
E nem uma palavra?…Oh! se essa mudez tua
É como a que eu conservo
Lá quando à noite observo
O que no céu flutua;Ou quando à luz que adoro
Às horas do infinito,
Nas rochas de granito
Os braços cruzo e choro;Amamo-nos! Não cabe
Em nossa pobre língua
O que a alma sente, à mingua
De voz… que só Deus sabe!
A Minha Mãe
Lembra alvuras de cisne sobre um lago
A minha vida imaculada e honesta…
Ouço bater meu coração em festa,
Pela bondade e amor que nele trago!Do meu orgulho olímpico de mago
Só o desdém aos inimigos resta,
Maior que às folhas mortas da floresta,
Que nos meus dedos pálidos esmago.Mas a piedade enche o meu peito, e vem,
Em vez de tão humano e vil desdém,
Ungir meus lábios de um perdão divino…Julguei ser Deus! E choro de cansaço…
Oh, mãe piedosa, embala no regaço
Meu coração exausto de menino!…
Homem, um Corpo Choro!
Aqui, dizeis, na cova a que me abeiro,
Não ‘stá quem eu amei. Olhar nem riso
Se escondem nesta leira.
Ah, mas olhos e boca aqui se escondem!
Mãos apertei, não alma, e aqui jazem.
Homem, um corpo choro!
Sim, eu sou um homem e choro. Um homem não tem olhos ? Não tem também mãos, sentidos, inclinações, paixões ? Porque é que um homem não devia chorar?