Passagens de Clarice Lispector

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Toda ùnsia é busca de prazer. Todo remorso, piedade, bondade, é o seu temor. Todo o desespero e as buscas de outros caminhos são a insatisfação.

De novo estou de amor alegre. O que Ă©s eu respiro depressa sorvendo o teu halo de maravilha antes que se finde no evaporado do ar. Minha fresca vontade de viver-me e de viver-te Ă© a tessitura mesma da vida? A natureza dos seres e das coisas – Ă© Deus? Talvez entĂŁo se eu pedir muito Ă  natureza, eu paro de morrer? Posso violentar a morte e abrir-lhe uma fresta para a vida?

Não me lembro mais qual foi nosso começo. Sei que não começamos pelo começo. Jå era amor antes de ser.

Sou feliz na hora errada. Infeliz quando todos dançam. Me disseram que os aleijados se rejubilam assim como me disseram que os cegos se alegram. É que os infelizes se compensam. in Um Sopro de Vida

A Vida OblĂ­qua

SĂł agora pressenti o oblĂ­quo da vida. Antes sĂł via atravĂ©s de cortes retos e paralelos. NĂŁo percebia o sonso traço enviesado. Agora adivinho que a vida Ă© outra. Que viver nĂŁo Ă© sĂł desenrolar sentimentos grossos — Ă© algo mais sortilĂ©gico e mais grĂĄcil, sem por isso perder o seu fino vigor animal. Sobre essa vida insolitamente enviesada tenho posto minha pata que pesa, fazendo assim com que a existĂȘncia feneça no que tem de oblĂ­quo e fortuito e no entanto ao mesmo tempo sutilmente fatal. Compreendi a fatalidade do acaso e nĂŁo existe nisso contradição.

A vida oblĂ­qua Ă© muito Ă­ntima. NĂŁo digo mais sobre essa intimidade para nĂŁo ferir o pensar-sentir com palavras secas. Para deixar esse oblĂ­quo na sua independĂȘncia desenvolta.
E conheço tambĂ©m um modo de vida que Ă© suave orgulho, graça de movimentos, frustração leve e contĂ­nua, de uma habilidade de esquivança que vem de longo caminho antigo. Como sinal de revolta apenas uma ironia sem peso e excĂȘntrica. Tem um lado da vida que Ă© como no inverno tomar cafĂ© num terraço dentro da friagem e aconchegada na lĂŁ.
Conheço um modo de vida que é sombra leve desfraldada ao vento e balançando leve no chão: vida que é sombra flutuante,

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Para que existo? E a resposta Ă©: a fome me justifica. Ah, Ă© assim, nĂŁo Ă©? Pois bem, jĂĄ que Ă© assim eu me vingarei e viverei minha vida com brutalidade, sem piedade.

Amor nĂŁo Tem NĂșmero

Se vocĂȘ nĂŁo tomar cuidado vira nĂșmero atĂ© para si mesmo. Porque a partir do instante em que vocĂȘ nasce classificam-no com um nĂșmero. Sua identidade no FĂ©lix Pacheco Ă© um nĂșmero. O registro civil Ă© um nĂșmero. Seu tĂ­tulo de eleitor Ă© um nĂșmero. Profissionalmente falando vocĂȘ tambĂ©m Ă©. Para ser motorista, tem carteira com nĂșmero, e chapa de carro. No Imposto de Renda, o contribuinte Ă© identificado com um nĂșmero. Seu prĂ©dio, seu telefone, seu nĂșmero de apartamento — tudo Ă© nĂșmero.
Se Ă© dos que abrem crediĂĄrio, para eles vocĂȘ Ă© um nĂșmero. Se tem propriedade, tambĂ©m. Se Ă© sĂłcio de um clube tem um nĂșmero. Se Ă© imortal da Academia Brasileira de Letras tem o nĂșmero da cadeira.
É por isso que vou tomar aulas particulares de Matemática. Preciso saber das coisas. Ou aulas de Física. Não estou brincando: vou mesmo tomar aulas de Matemática, preciso saber alguma coisa sobre cálculo integral.
Se vocĂȘ Ă© comerciante, seu alvarĂĄ de localização o classifica tambĂ©m.
Se Ă© contribuinte de qualquer obra de beneficĂȘncia tambĂ©m Ă© solicitado por um nĂșmero. Se faz viagem de passeio ou de turismo ou de negĂłcio recebe um nĂșmero. Para tomar um aviĂŁo,

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Quanto a mim, tenho a lhes dizer que as estrelas sĂŁo mais do que curumins. Estrelas sĂŁo os olhos de Deus vigiando para que corra tudo bem. Para sempre. E, como se sabe, “sempre” nĂŁo acaba nunca.

Vou Voltar para Mim Mesma

Minha vida Ă© um grande desastre. É um desencontro cruel, Ă© uma casa vazia. Mas tem um cachorro dentro latindo. E eu — sĂł me resta latir para Deus. Vou voltar para mim mesma. É lĂĄ que eu encontro uma menina morta sem pecĂșlio. Mas uma noite vou Ă  Secção de Cadastro e ponho fogo em tudo e nas identidades das pessoas sem pecĂșlio. E sĂł entĂŁo fico tĂŁo autĂłnoma que sĂł pararei de escrever depois de morrer. Mas Ă© inĂștil, o lago azul da eternidade nĂŁo pega fogo. Eu Ă© que me incineraria atĂ© meus ossos. Virarei nĂșmero e pĂł. Que assim seja. AmĂ©n. Mas protesto. Protesto Ă  toa como um cĂŁo na eternidade da Seção de Cadastro.

Às vezes sentava-se na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocĂĄ-lo, em ĂȘxtase purĂ­ssimo. NĂŁo era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante.

Sem um pensamento: apenas corpo se movimentando calmo, rosto pleno de uma suave esperança que ninguém då e ninguém tira.

Com uma amiga chegamos a um tal ponto de simplicidade ou liberdade que às vezes eu telefono e ela responde: não estou com vontade de falar. Então digo até logo e vou fazer outra coisa.