Passagens sobre Defuntos

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Frases sobre defuntos, poemas sobre defuntos e outras passagens sobre defuntos para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Enterro de Luxo

Lá vai o enterro de luxo
puxado por sete cavalos
lá vai a rosa de plástico
na lapela do cadáver.

Lá vai o defunto imberbe
boiando em madeira nobre
lá vai a língua bilingue
com seu sotaque podre.

Lá vai o queixo amarrado
lá vai a gravata oblíqua
montada na escorreguenta
garupa da metafĂ­sica.

Lá vai o enterro de luxo
lá vai a conta bancária
lá vai a calva engomada
lá vai o ouro da cárie.

Lá vai o enterro de luxo
levado por ventos negros
lá vão os pendões de luto
com seus narizes alegres.

Lá vai o enterro de luxo
lá vai o perfil de árabe
tangido pra correnteza
volĂşvel da eternidade.

O jornal exerce todas as funções do defunto Satanás, de quem herdou a ubiquidade; e é não só o pai da mentira, mas o pai da discórdia.

O Deus-Verme

Factor universal do transformismo.
Filho da teleológica matéria,
Na superabundância ou na miséria,
Verme – Ă© o seu nome obscuro de batismo.

Jamais emprega o acérrimo exorcismo
Em sua diária ocupação fúnerea,
E vive em contubérnio com a bactéria,
Livre das roupas do antropomorfismo.

Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrĂłpicos, rĂłi vĂ­sceras magras
E dos defuntos novos incha a mĂŁo…

Ah! Para ele Ă© que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!

O Louvor do Jornal

Nas nossas democracias a ânsia da maioria dos mortais Ă© alcançar em sete linhas o louvor do jornal. Para se conquistarem essas sete linhas benditas, os homens praticam todas as acções – mesmo as boas.
(…) Para aparecerem no jornal, há assassinos que assassinam.
(…) O jornal exerce todas as funções do defunto Satanás, de quem herdou a ubiquidade; e Ă© nĂŁo sĂł o pai da mentira, mas o pai da discĂłrdia.

Que importa o mundo e as ilusões defuntas?…
Que importa o mundo e seus orgulhos vĂŁos?…
O mundo, Amor?… As nossas bocas juntas!…

Elegia

Vae em seis mezes que deixei a minha terra
E tu ficaste lá, mettida n’uma serra,
Boa velhinha! que eras mais uma criança…
Mas, tĂŁo longe de ti, n’este Payz de França,
Onde mal viste, entĂŁo, que eu viesse parar,
Vejo-te, quanta vez! por esta sala a andar…
Bates. Entreabres de mansinho a minha porta.
Virás tratar de mim, ainda depois de morta?
Vens de tĂŁo longe! E fazes, sĂł, essa jornada!
Ajuda-te o bordĂŁo que te empresta uma fada.
Altas horas, emquanto o bom coveiro dorme,
Escapas-teĂŁda cova e vens, Bondade enorme!
Atravez do MarĂŁo que a lua-cheia banha,
Atravessas, sorrindo, a mysteriosa Hespanha,
Perguntas ao pastor que anda guardando o gado,
(E as fontes cantam e o cĂ©u Ă© todo estrellado…)
Para que banda fica a França, e elle, a apontar,
Diz: «Vá seguindo sempre a minha estrella, no Ar!»
E ha-de ficar scismando, ao ver-te assim, velhinha,
Que Ă©s tu a Virgem disfarçada em probrezinha…
Mas tu, sorrindo sempre, olhando sempre os céus,
Deixando atraz de ti, os negros Pyrineus,
Sob os quaes rola a humanidade,

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Neste Dia Meu Amor

Neste dia meu amor
os meus dedos sĂŁo o candelabro que te ilumina
o Ăşnico existente.

E o homem
sua esfera perdida em mĂŁos alheias
Ă© o objecto de malabarismo
o insecto
voltejando cega a luz que lhe irradiam
o lĂ­mpido cristal corrompido
o defunto.

E este patíbulo onde o próprio carrasco se enforcará
eu o digo
será erguido como símbolo de todos os homens.

Aqui a hora vai sendo longĂ­nqua meu amor e solene.
O caminho Ă© grande o tempo tĂŁo pouco
tenhamos muita esperança e muito ódio
e vĂ­treas flores a ornar o teu cabelo
porque serei o homem para as transportar
e tu a última mulher que as aceitará.

E enquanto assim for
erguer-se-á a nuvem de múltiplas estrelas
a nebulosa
que dizem estar a milhões de anos-luz
mas nĂŁo acreditemos bem o sabes
porque em verdade a temos em nossas prĂłprias mĂŁos
oculta para a contemplarmos agora.

Os Sinos

1

Os sinos tocam a noivado,
No Ar lavado!
Os sinos tocam, no Ar lavado,
A noivado!

Que linda criança que assoma na rua!
Que linda, a andar!
Em extasi, o povo commenta que Ă© a Lua,
Que vem a andar…

Tambem, algum dia, o povo na rua,
Quando eu cazar,
Ao ver minha noiva, dirá que é a Lua
Que vae cazar…

2

E o sino toca a baptizado
Que lindo fado?
E o sino toca um lindo fado,
A baptizado!

E banham o anjinho na agoa de neve,
Para o lavar,
E banham o anjinho na agoa de neve,
Para o sujar.

Ă“ boa madrinha, que o enxugas de leve,
Tem dĂł d’esses gritos! Comprehende esses ais:
Antes o enxugue a Velha! antes Deus t’o leve!
NĂŁo soffre mais…

3

Os sinos dobram por anjinho,
Coitadinho!
Os sinos dobram, coitadinho…
Pelo anjinho!

Que aceiada que vae p’ra cova!
Olhae! olhae!
Sapatinhos de sola nova,
Olhae!

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Soneto XXX

Quando Ă s vezes a mi, por mi pergunto,
Quem fui responde que me nĂŁo conhece
Com nĂŁo ser, de quem sou me desconhece,
E tem-me por defunto, o já defunto.

Ele chora-me a mi, por ele ajunto
Com ele minhas lágrimas, e crece
Ua com outra dor, pois se oferece
Chorar quem já fui, e quem sou, junto.

Choro porque o nĂŁo vejo qual o via,
Ele porque me vĂŞ, qual me vĂŞ chora,
De mim, e dele, só lágrimas há.

Espero por um dia, cada dia,
Que ou acabe de ser quem sou agora,
Ou acabe o lembrar-me quem fui já.

As MĂŁes

Quando voltar ao Alentejo as cigarras já terĂŁo morrido. Passaram o verĂŁo todo a transformar a luz em canto – nĂŁo sei de destino mais glorioso. Quem lá encontraremos, pela certa, sĂŁo aquelas mulheres envolvidas na sombra dos seus lutos, como se a terra lhes tivesse morrido e para todo o sempre se quedassem ĂłrfĂŁs. NĂŁo as veremos apenas em Barrancos ou em Castro Laboreiro, elas estĂŁo em toda a parte onde nasça o sol: em CĂłria ou Catania, em Mistras ou Santa Clara del Cobre, em Varchats ou Beni Mellal, porque elas sĂŁo as MĂŁes. O olhar esperto ou sonolento, o corpo feito um espeto ou mal podendo com as carnes, elas sĂŁo as MĂŁes. A tua; a minha, se nĂŁo tivera morrido tĂŁo cedo, sem tempo para que o rosto viesse a ser lavrado pelo vento. Provavelmente estĂŁo aĂ­ desde a primeira estrela. E como duram! Feitas de urze ressequida, parecem imortais. Se o nĂŁo forem, sĂŁo pelo menos incorruptĂ­veis, como se participassem da natureza do fogo. Com mĂŁos friáveis teceram a rede dos nossos sonhos, alimentaram-nos com a luz coada pela obscuridade dos seus lenços. Ă€s vezes encostam-se Ă  cal dos muros a ver passar os dias,

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Certa Velhinha

1

Além, na tapada das Quatorze Cruzes,
Que triste velhinha que vae a passar!
NĂŁo leva candeia; hoje, o cĂ©u nĂŁo tem luzes…
Cautella, velhinha, não vás tropeçar!

Os ventos entoam cantigas funestas,
Relampagos tingem de vermelho o Azul!
Aonde irá ella, n’uma noite d’estas,
Com vento da Barra puxado do sul?

Aonde irá ella, pastores! boieiras!
Aonde irá ella, n’uma noite assim?
Se for un phantasma, fazei-lhe fogueiras,
Se for uma bruxa, queimae-lhe alecrim!

Contava-me aquella que a tumba já cerra,
Que Nossa Senhora, quando a chama alguem,
Escolhe estas noites p’ra descer á Terra,
Porque em noites d’estas nĂŁo anda ninguem…

Além, na tapada das Quatorze Cruzes,
Que linda velhinha que vem a passar!
E que olhos aquelles que parecem luzes!
Quaes velas accezas que a vĂŞm a guiar…

Que pobre capinha que leva de rastros,
TĂŁo velha, tĂŁo rĂ´ta! Que triste viuvez!
Mas se lhe dá vento, meu Deus! tantos astros!
É o cĂ©u estrellado vestido do envez…

Seu alvo cabello, molhado das chuvas,
Parece uma vinha de luar em flor…

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