Os cogumelos crescem da noite para o dia, mas morrem logo. Os carvalhos demoram para crescer, mas têm vida longa.
Passagens sobre Dia
2705 resultadosCrises entre quadro paredes? Use o dom da paciência. Se, dia a dia, cada qual ceder um centímetro, em breve tempo a crise estará porta afora!
Inquérito
Pergunta às árvores da rua
que notícia têm desse dia
filtrado em betume da noite;
se por acaso pressentiram
nas aragens conversadeiras,
ágil correio do universo,
um calar mais informativo
que toda grave confissão.Pergunta aos pássaros, cativos
do sol e do espaço, que viram
ou bicaram de mais estranho,
seja na pele das estradas
seja entre volumes suspensos
nas prateleiras do ar, ou mesmo
sobre a palma da mão de velhos
profissionais de solidão.Pergunta às coisas, impregnadas
de sono que precede a vida
e a consuma, sem que a vigília
intermédia as liberte e faça
conhecedoras de si mesmas,
que prisma, que diamante fluido
concentra mil fogos humanos
onde era ruga e cinza e não.Pergunta aos hortos que segredo
de clepsidra, areia e carocha
se foi desenrolando, lento,
no calado rumo do infante
a divagar por entre símbolos
de símbolos outros, primeiros,
e tão acessíveis aos pobres
como a breve casca do pão.Pergunta ao que, não sendo, resta
perfilado à porta do tempo,
Somos o Casamento da Noite com o Sangue
Meu amor, ao fechar esta porta nocturna
peço-te, amor, uma viagem por um escuro recinto:
fecha os teus sonhos, entra com teu céu nos meus olhos,
estende-te no meu sangue como num largo rio.Adeus, adeus, cruel claridade que foi caindo
no saco de cada dia do passado,
adeus a cada raio de relógio ou laranja,
salve, ó sombra, intermitente companheira!Nesta nau ou água ou morte ou nova vida,
uma vez mais unidos, adormecidos, ressuscitados,
somos o casamento da noite com o sangue.Não sei quem vive ou morre, quem repousa ou desperta,
mas é o teu coração que distribui
no meu peito os dons da aurora.
Nasceu um Menino
Nasceu, nasceu um Menino,
Nasceu um Menino mais,
No bercinho pouco fino
Das palhas duns animais!Que num vil curral por quarto
E entre uns pedregulhos nus,
Teve a santa dor do parto
A Mulher que o deu à luz.Mas de cada vez, no mundo,
Que mais um ser aparece,
Quem pode descer ao fundo
Do que o Destino nos tece?À hora em que Este chegava,
Lá para um cerro distante,
Por cada fibra chorava
Una velho cedro gigante.Chorava porque sabia
Que em seu peito condenado
Aquele Menino, um dia,
Seria crucificado.Ora cada vez, no mundo,
Que nasce mais um Menino,
Quem pode descer ao fundo
Do que nos tece o Destino?Já, pelos céus fora, um astro
Descendo sobre o curral,
Abre para sempre um rastro
De alvor sobrenatural.E o velho cedro, que chora
Porque se julga precito,
Pelos séculos em fora
Será sagrado e bendito.Que abertos pelos espaços,
No azul sereno e profundo,
Um Homem de Sucesso
Uma pessoa não é exatamente o que come, como diz o ditado e como eu próprio dei por garantido; uma pessoa é sobretudo o lugar onde come, e com quem come, e a correção com que nomeia o que come e a segurança com que escolhe, da ementa, os pratos certos, perante testemunhas. Um homem de sucesso é, muito especialmente, aquele que depois diz onde comeu e com quem. São essas coisas que definem o seu estatuto e a altitude a que voa, e que determinam se vaie a pena perder um quarto de hora com ele, pagar-lhe um copo e até tentar marcar um jantar para outro dia, estabelecer uma relação. Ou se, pelo contrário, deves responder-lhe que estás atrasado para uma reunião e consultar duas ou três vezes o relógio antes de te afastares rapidamente, mesmo que ele esteja disposto a pagar–te o jantar.
Decadentes
Richepin, Rollinat! gritos sangrentos
Da carne alvoroçada de desejos,
Mosto de risos, lágrimas e beijos,
Estertores de abutres famulentos.Desesperado frêmito dos ventos,
De harpas, sutis, fantásticos harpejos,
Clarins de guerra, e cânticos e adejos
De aves — todos os vivos elementos.Tudo flameja e nas estrofes canta,
Estruge, zune, em borbotões levanta
Noites, luares, fulgurantes dias.Mas nessa ideal temperatura forte
Tudo isso é triste como a flor da morte
Que brota dentro das caveiras frias…
Deixe de agir como se vida fosse uma repetição. Viva este dia como se fosse o último. O passado terminou e se foi. O futuro não está garantido.
Eterna Dor
Já te esqueceram todos neste mundo…
Só eu, meu doce amor, só eu me lembro,
Daquela escura noite de setembro
Em que da cova te deixei no fundo.Desde esse dia um látego iracundo
Açoitando-me está, membro por membro.
Por isso que de ti não me deslembro,
Nem com outra te meço ou te confundo.Quando, entre os brancos mausoléus, perdido,
Vou chorar minha acerba desventura,
Eu tenho a sensação de haver morrido!E até, meu doce amor, se me afigura,
Ao beijar o teu túmulo esquecido,
Que beijo a minha própria sepultura!
Palavras d’um Certo Morto
Há mil anos, e mais, que aqui estou morto,
Posto sobre um rochedo, à chuva e ao vento:
Não há como eu espectro macilento,
Nem mais disforme que eu nenhum aborto…Só o espírito vive: vela absorto
N’um fixo, inexorável pensamento:
«Morto, enterrado em vida!» o meu tormento
É isto só… do resto não me importo…Que vivi sei-o eu bem… mas foi um dia,
Um dia só — no outro, a Idolatria
Deu-me um altar e um culto… ai! adoraram-me.Como se eu fosse alguém! como se a Vida
Podesse ser alguém! — logo em seguida
Disseram que era um Deus… e amortalharam-me!
Tornamo-nos realmente adultos no dia em que conseguimos rir de facto… de nós mesmos.
A Um Gérmen
Começaste a existir, geléia crua,
E hás de crescer, no teu silêncio, tanto
Que, é natural, ainda algum dia, o pranto
Das tuas concreções plásmicas flua!A água, em conjugação com a terra nua,
Vence o granito, deprimindo-o … O espanto
Convulsiona os espíritos, e, entanto,
Teu desenvolvimento continua!Antes, geléia humana, não progridas
E em retrogradações indefinidas,
Volvas à antiga inexistência calma!…Antes o Nada, oh! gérmen, que ainda haveres
De atingir, como o gérmen de outros seres,
Ao supremo infortúnio de ser alma!
O Abraço
O abraço. O abraço que parece estar a acabar. O abraço raro, o abraço verdadeiro. Da mãe que recebe o filho, da mulher que recebe o marido, do amigo que recebe o amigo. O abraço que não se pensa, que não se imagina. O abraço que não é; o abraço que tem de ser. O abraço que serve para viver. O abraço que acontece – e que não se esquece. Um dia hei-de passar todo o dia a ensinar o abraço. A visitar as escolas e a explicar que abraçar não é dois corpos unidos e apertados pelos braços. Abraçar é dois instantes que se fundem por dentro do que une dois corpos. Abraçar é um orgasmo de vida, um clímax de partilha – uma orgia de gente. Abraçar é fechar os olhos e abrir a alma, apertar os músculos e libertar o sonho. Abraçar é fazer de conta que se é herói – e sê-lo mesmo. Porque nada é mais heróico do que um abraço que se deixa ser. Porque nada é mais heróico do que ter a coragem de abraçar, em frente do mundo, em frente da dor, em frente do fim, em frente da derrota. Abraçar é a vitória do homem sobre o homem,
Sinto-me sempre feliz quando tenho uma oportunidade para te escrever, e faço-o sempre que posso. Estou novamente em Lisboa por alguns dias, para ver os arranjos na nossa casa. Espero que ela te agrade. Tens quartos muito bonitos com uma vista soberba sobre o Tejo e sobre o mar. (…) Será aí que passaremos os dias da nossa felicidade em que viveremos um para o outro, em que seremos apenas um.
como a água meu amor
como a água
meu amor
também as asas nos sacodem
no final do beijoquantas páginas faltam?
se a fronteira é a das águas quem reprime a espuma
onde começa a praia?no meu espelho o que via
era um homem de rosto voltado
de rosto voltado
para sempre
e uma linha de ombros onde as águas
e os teus lábios de espuma meu amor
me embaciavamtambém ouvi chamar a isso
entardecer
idade
inclinação do solmas também cicatrizes ou sulcos como preferires
essa teia onde os dias marcam os seus signos
como as águas no solo meu amor
até furarem
Soneto
Agora é tarde para novo rumo
Dar ao sequioso espírito; outra via
Não terei de mostrar-lhe e à fantasia
Além desta em que peno e me consumo.Aí, de sol nascente a sol a prumo,
Deste ao declínio e ao desmaiar do dia,
Tenho ido empós do ideal que me alumia,
A lidar com o que é vão, é sonho, é fumo.Aí me hei de ficar até cansado
Cair, inda abençoando o doce e amigo
Instrumento em que canto e a alma me encerra;Abençoando-o por sempre andar comigo
E bem ou mal, aos versos me haver dado
Um raio do esplendor de minha terra.
Coroava-te de Rosas
Se pudesse, coroava-te de rosas
neste dia —
de rosas brancas e de folhas verdes,
tão jovens como tu, minha alegria.Terra onde os versos vão abrindo,
meu coração, não tem rosas para dar;
olhos meus, onde as águas vão subindo,
cerrai-vos, deixai de chorar.
Hoje que tanto se fala em crise, quem não vê que, por toda a Europa, uma crise financeira está minando as nacionalidades? É disso que há-de vir a dissolução. Quando os meios faltarem e um dia se perderem as fortunas nacionais, o regime estabelecido cairá para deixar o campo livre ao novo mundo económico.
O acumular de crises e o compensar dos crimes contra a ética convidam-nos a uma desistência da alma. Todos os dias uma silenciosa mensagem nos sugere o seguinte: o futuro não vale a pena. Há que viver o dia-a-dia, ou na linguagem dos mais jovens : há que curtir os prazeres imediatos.
Quando o Sol Torna donde vos Deixou
Quando o Sol torna donde vos deixou,
Tanto com os vossos olhos se parece,
Que quando a alma o vê, mais reconhece
Que por retrato vosso lhe ficou.Assim, no próprio Sol amor achou
Com que sempre presente vos tivesse,
Por que apartar um dia não pudesse
O que ele em tantos dias ajuntou.Depois que o Sol me esconde a terra avara,
Quantas estrelas abre a noite rica,
Com tantos olhos cuido que vos vejo.Mas nem a sorte assim com o Céu trocara,
Que inda que com vos ver tão belo fica,
A beleza não tem de meu desejo.