Para um Grande Espírito Nada há que Seja Grande
Evitai tudo quanto agrade ao vulgo, tudo quanto o acaso proporciona; diante de qualquer bem fortuito parai com desconfiança e receio: também a caça ou o peixe se deixa enganar por esperanças falacciosas. Julgais que se trata de benesses da sorte? São armadilhas! Quem quer que deseje passar a vida em segurança evite quanto possa estes benefícios escorregadios nos quais, pobres de nós, até nisto nos enganamos: ao julgar possuí-los, deixamo-nos apanhar! Esta corrida leva-nos para o abismo; a única saída para uma vida «elevada», é a queda!
E mais: nem sequer poderemos parar quando a fortuna começa a desviar-nos da rota certa, nem ao menos ir a pique, cair instantaneamente: não, a fortuna não nos faz tropeçar, derruba-nos, esmaga-nos.
Prossegui, pois, um estilo de vida correcto e saudável, comprazendo o corpo apenas na medida do indispensável à boa saúde. Mas há que tratá-lo com dureza, para ele obedecer sem custo ao espírito: limite-se a comida a matar a fome, a bebida a extinguir a sede, a roupa a afastar o frio, a casa a servir de abrigo contra as intempéries. Que a habitação seja feita de ramos ou de pedras coloridas importadas de longe, é pormenor sem interesse: ficai sabendo que para abrigar um homem tão bom é o colmo como o ouro!
Exclamativos
2657 resultadosGratidão
A minha gratidão te dá meus versos:
Meus versos, da lisonja não tocados,
Satélites de Amor, Amor seguindo
Co’as asas que lhes pôs benigna Fama,
Qual níveo bando de inocentes pombas,
Os lares vão saudar, propícios lares,
Que em doce recepção me contiveram
Incertos passos da Indigência errante;
Dos olhos vão ser lidos, que apiedara
A catástrofe acerba de meus dias,
Dos infortúnios meus o quadro triste;
Vão pousar-te nas mãos, nas mãos que foram
Tão dadivosas para o vate opresso,
Que o peso dos grilhões me aligeiraram,
Que sobre espinhos me esparziram flores,
Enquanto não recentes, vãos amigos,
Inúteis corações, volúvel turba
(A versos mais atenta que a suspiros)
No Letes mergulhou memórias minhas.
Amigos da Ventura e não de Elmano,
Aónio serviçal de vós me vinga;
Ao nome da Virtude o Vício core.Não sei se vens de heróis, se vens de grandes;
Não sei, meu benfeitor, se teus maiores
Foram cobertos, decorados foram
De purpúreos dosséis, de márcios loiros;
Sei que frequentas da Amizade o templo,
Que és grande,
Hino À Razão
Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre só a ti submissa.Por ti é que a poeira movediça
De astros, sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.Por ti, na arena trágica, as nações
buscam a liberdade entre clarões;
e os que olham o futuro e cismam, mudos,Por ti podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!
Sonetos Para Maria Helena
Tu que por crenças vãs a Vida arrasas
e ante o espelho não queres ver que és,
que imagina viver abrindo as asas
e te esqueces de andar com os próprios pés…Que transforma o Sonho num revés
mesmo a acender o fogo em que abrasas,
e te algema as mãos, – as mãos escravas
como as do prisioneiro das galés.Tu que te enganas a falar de alturas
com as palavras mais belas e mais puras
e te imolas num gesto superior,não percebes nessa ânsia de suicida
que nada há enfim mais alto do que a Vida
quando a erguemos num brinde – ébrios de amor!
Tu Mandaste-me Dizer
Tu mandaste-me dizer
Que tornavas novamente
Quando viesse a tardinha;
E eu, para mais te prender,
– N’esse dia…Pintei de negro os meus olhos
E de rôxo a minha boca.
As rosas eram aos mólhos
Para a noite rubra e louca!Entornei sobre o meu corpo,
– Que fôra delgado e bello!
O perfume mais extranho e mais subtil;
E um brocado rôxo e verde
Envolveu a minha carne
Macerada e varonil.
Os meus hombros florentinos,
Cobértos de pedraria,
Eram chagas luminosas
Alumiando o meu corpo
Todo em fébre e nostalgia.
Nas minhas mãos de cambraia,
As esmeraldas scintillavam;
E as pérolas nos meus braços,
Murmuravam…
Desmanchado, o meu cabello,
Em ondas largas, cahia,
Na minha fronte
Ligeiramente sombría.Estava pallido e dir-se-hia
Que a pallidez aumentava
A minha grande belleza!Na minha boca ondulava
Um sorriso de tristeza.A noite vinha tombando.
E, como tardasses,
Fiquei-me, sentádo, olhando
O meu vulto reflectido
No espelho de crystal;
A Verdadeira Morte é a Decadência
– Nunca se faz nada da vida.
– Mas ela faz alguma coisa de nós.
– Nem sempre… O que espera você da sua?
– Penso que sei sobretudo o que não espero dela…
– De cada vez que você teve de optar, não se…
– Não sou eu que opto: é aquilo que resiste.
– Mas o quê?
– À consciência da morte.
– A verdadeira morte, é a decadência. É tão mais grave, envelhecer ! Aceitarmos o nosso destino, a nossa função, a casota de cão erguida na nossa vida única… Não se sabe o que é a morte quando se é novo…
A Rua Dos Cataventos – XXXV
Quando eu morrer e no frescor de lua
Da casa nova me quedar a sós,
Deixa-me em paz na minha quieta rua…
Nada mais quero com nenhum de vós!Quero é ficar com alguns poemas tortos
Que andei tentando endireitar em vão…
Que lindo a Eternidade, amigos mortos,
Para as torturas lentas da Expressão!…Eu lavarei comigo as madrugadas,
Pôr de sóis, algum luar, asas em bando,
Mais o rir das primeiras namoradas…E um dia a morte há de fitar com espanto
Os fios da vida que eu urdi, cantando,
Na orla negra do seu negro manto…
O Sucesso para um Grande Amor
Estou contente porque a minha querida não tem ainda o afecto exclusivo e único que há-de sentir um dia por um homem, apesar de todas as suas teorias que há-de ver voar, voar para tão longe ainda!… E no entanto, elas são tão verdadeiras! Ainda assim, minha querida Júlia, uma das coisas melhores da nossa vida de tão prosaico século, é o amor, o grande e discutido amor, o nosso encanto e o nosso mistério; as nossas pétalas de rosa e a nossa coroa de espinhos. O amor único, doce e sentimental da nossa alma de portugueses, o amor de que fala Júlio Dantas, «uma ternura casta, uma ternura sã» de que «o peito que o sente é um sacrário estrelado», como diz Junqueiro; o amor que é a razão única da vida que se vive e da alma que se tem; a paixão delicada que dá beijos ao luar e alma a tudo, desde o olhar ao sorriso, — é ainda uma coisa nobre, bela e digna! Digna de si, do seu sentir, do seu grande coração, ao mesmo tempo violento e calmo. Esse amor que «em sendo triste, canta, e em sendo alegre, chora», esse amor há-de senti-lo um dia,
Largo do Espírito Santo
Nem mais, nem menos: tudo tal e qual
o sonho desmedido que mantinhas.
Só não sonharas estas andorinhas
que temos no beiral.E moramos num largo… E o nome lindo
que o nosso largo tem!
Com isto não contáramos também.
(Éramos dois sonhando e exigindo.)Da nossa casa o Alentejo é verde.
É atirar os olhos: São searas,
são olivais, são hortas… E pensaras
que haviam nossos olhos de ter sede!E o pão da nossa mesa!… E o pucarinho
que nos dá de beber!… E os mil desenhos
da nossa loiça: flores, peixes castanhos,
dois pássaros cantando sobre um ninho…E o nosso quarto? Agora podes dar-me
teu corpo sem receio ou amargura.
Olha como a Senhora da moldura
sorri à nossa alma e à nossa carne.Em tudo, ó Companheira,
a nossa casa é bem a nossa casa.
Até nas flores. Até no azinho em brasa
que geme na lareira.Deus quis. E nós ao sonho erguemos muros,
rasguei janelas eu e tu bordaste
as cortinas.
Demasiada Abstracção Afoga o Espírito
Certa porção de abstracção melancólica pode ser tão útil como um narcótico em dose discreta, porque é uma coisa que adormenta as febres, às vezes renitentes, da inteligência em acção, e faz nascer no espírito um vapor brando e fresco, que corrige os contornos demasiado ásperos do pensamento puro, enche numa ou noutra parte lacunas e intervalos, liga os conjuntos e esfuma os ângulos das ideias. A muita abstracção, porém, submerge e afoga. Infeliz do operário de espírito que se deixa cair inteiramente do pensamento na abstracção. Julga que facilmente tornará a subir, e diz consigo que, afinal, ainda que não suba, é o mesmo. Erro!
O pensamento é o labor e a abstracção a voluptuosidade da inteligência. Substituir uma coisa por outra é confundir um veneno com um alimento.
Meditação
Às vezes, quando a noite vem caindo,
Tranquilamente, sossegadamente,
Encosto-me à janela e vou seguindo
A curva melancólica do Poente.Não quero a luz acesa. Na penumbra,
Pensa-se mais e pensa-se melhor.
A luz magoa os olhos e deslumbra,
E eu quero ver em mim, ó meu amor!Para fazer exame de consciência
Quero silêncio, paz, recolhimento
Pois só assim, durante a tua ausência,
Consigo libertar o pensamento.Procuro então aniquilar em mim,
A nefasta influência que domina
Os meus nervos cansados; mas por fim,
Reconheço que amar-te é minha sina.Longe de ti atrevo-me a pensar
Nesse estranho rigor que me acorrenta:
E tenho a sensação do alto mar,
Numa noite selvagem de tormenta.Tens no olhar magias de profeta
Que sabe ler no céu, no mar, nas brasas…
Adivinhas… Serei a borboleta
Que vendo a luz deixa queimar as asas.No entanto — vê lá tu!— Eu não lamento
Esta vontade que se impõe à minha…
Nem me revolto… cedo ao encantamento…
— Escrava que não soube ser Rainha!
Sem Palavras
Brancas, suaves mãos de irmã
Que são mais doces que as das rainhas,
Hão de pousar em tuas mãos, as minhas
Numa carícia transcendente e vã.E a tua boca a divinal manhã
Que diz as frases com que me acarinhas,
Há de pousar nas dolorosas linhas
Da minha boca purpurina e sã.Meus olhos hão de olhar teus olhos tristes;
Só eles te dirão que tu existes
Dentro de mim num riso d’alvorada!E nunca se amará ninguém melhor;
Tu calando de mim o teu amor,
Sem que eu nunca do meu te diga nada!…
Chegou Enfim, E O Desembarque Dela
Chegou enfim, e o desembarque dela
Causou-me logo uma impressão divina!
É meiga, pura como sã bonina,
Nos olhos vivos doce luz revela!É graciosa, sacudida e bela,
Não tem os gestos de qualquer menina:
Parece um gênio que seduz, fascina,
Tão atraente, singular é ela!Chegou, enfim! eu murmurei contente!
Fez-se em minh’alma purpurina aurora,
O entusiasmo me brotou fervente!Vimos-lhe apenas a construção sonora,
Vimos a larva, nada mais, somente
Falta-nos ver a borboleta agora!
Ah, um Soneto…
Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear…No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.Mas — esta é boa! — era do coração
que eu falava… e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação? …
Uma casa portuguesa
Numa casa portuguesa fica bem
pão e vinho sobre a mesa.
Quando à porta humildemente bate alguém,
senta-se à mesa co’a gente.
Fica bem essa fraqueza, fica bem,
que o povo nunca a desmente.
A alegria da pobreza
está nesta grande riqueza
de dar, e ficar contente.Quatro paredes caiadas,
um cheirinho a alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
um São José de azulejo
sob um sol de primavera,
uma promessa de beijos
dois braços à minha espera…
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!No conforto pobrezinho do meu lar,
há fartura de carinho.
A cortina da janela e o luar,
mais o sol que gosta dela…
Basta pouco, poucochinho p’ra alegrar
uma existéncia singela…
É só amor, pão e vinho
e um caldo verde, verdinho
a fumegar na tijela.Quatro paredes caiadas,
um cheirinho a alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
um São José de azulejo
sob um sol de primavera,
Distante Melodia
Num sonho d’Iris, morto a ouro e brasa,
Vem-me lembranças doutro Tempo azul
Que me oscilava entre véus de tule –
Um tempo esguio e leve, um tempo-Asa.Então os meus sentidos eram côres,
Nasciam num jardim as minhas ansias,
Havia na minh’alma Outras distancias –
Distancias que o segui-las era flôres…Caía Ouro se pensava Estrelas,
O luar batia sobre o meu alhear-me…
Noites-lagôas, como éreis belas
Sob terraços-liz de recordar-me!…Idade acorde d’Inter sonho e Lua,
Onde as horas corriam sempre jade,
Onde a neblina era uma saudade,
E a luz – anseios de Princesa nua…Balaústres de som, arcos de Amar,
Pontes de brilho, ogivas de perfume…
Dominio inexprimivel d’Ópio e lume
Que nunca mais, em côr, hei de habitar…Tapêtes doutras Persias mais Oriente…
Cortinados de Chinas mais marfim…
Aureos Templos de ritos de setim…
Fontes correndo sombra, mansamente…Zimbórios-panthéons de nostalgias…
Catedrais de ser-Eu por sobre o mar…
Escadas de honra, escadas só, ao ar…
Novas Byzancios-alma, outras Turquias…Lembranças fluidas…
Tu És uma Mulher Rara
Minha Anuska, onde foste buscar a ideia de que és uma mulher como outra qualquer? Tu és uma mulher rara, e, além do mais, a melhor de todas as mulheres. Tu própria não sonhas as qualidades que tens. Não só diriges a casa e as minhas coisas, como a nós todos, caprichosos e enervantes, a começar por mim e a acabar no Aléxis. Nos meus trabalhos desces ao mais pequeno pormenor, não dormes o suficiente, ocupada com a venda dos meus livros e com a administração do jornal. Contudo, conseguimos apenas economizar alguns copeques – quanto aos rublos, onde estão eles?
Mas a teu lado nada disso tem importância. Devias ser coroada rainha, e teres um reino para governar: juro-te que o farias melhor que ninguém. Não te falta inteligência, bom senso, sentido da ordem e, até… coração. Perguntas como posso eu amar uma mulher tão velha e feia como tu Aí, sim, mentes. Para mim és um encanto, não tens igual, e qualquer homem de sentimentos e bom gosto to dirá, se atentar em ti. Por isso é que às vezes sinto ciúmes. Tu própria nem sabes a maravilha que são os teus olhos, o sorriso e a animação que pões na conversa.
Os Velhos
Todos nasceram velhos — desconfio.
Em casas mais velhas que a velhice,
em ruas que existiram sempre — sempre
assim como estão hoje
e não deixarão nunca de estar:
soturnas e paradas e indeléveis
mesmo no desmoronar do Juízo Final.
Os mais velhos têm 100, 200 anos
e lá se perde a conta.
Os mais novos dos novos,
não menos de 50 — enorm’idade.
Nenhum olha para mim.
A velhice o proíbe. Quem autorizou
existirem meninos neste largo municipal?
Quem infrigiu a lei da eternidade
que não permite recomeçar a vida?
Ignoram-me. Não sou. Tenho vontade
de ser também um velho desde sempre.
Assim conversarão
comigo sobre coisas
seladas em cofre de subentendidos
a conversa infindável de monossílabos, resmungos,
tosse conclusiva.
Nem me vêem passar. Não me dão confiança.
Confiança! Confiança!
Dádiva impensável
nos semblantes fechados,
nos felpudos redingotes,
nos chapéus autoritários,
nas barbas de milénios.
Sigo, seco e só, atravessando
a floresta de velhos.
Com Quantos Tenho que Casar?
Querida íbis:
Desculpa o papel impróprio em que te escrevo; é o único que encontrei na pasta, e aqui no Café Arcada não têm papel. Mas não te importas, não?
Acabo de receber a tua carta com o postal, que acho muito engraçado.Ontem foi — não é verdade? — uma coincidência engraçadíssima o facto de eu e minha irmã virmos para a Baixa exactamente ao mesmo tempo que tu. O que não teve graça foi tu desapareceres, apesar dos sinais que eu te fiz. Eu fui apenas deixar minha irmã ao Avda. Palace, para ela ir fazer umas compras e dar um passeio com a mãe e a irmã do rapaz belga que aí está. Eu saí quasi imediatamente, e esperava encontrar-te ali próximo para falarmos. Não quiseste. Tanta pressa tiveste de ir para casa de tua irmã!
E, ainda por cima, quando saí do hotel, vejo a janela de casa de tua irmã armada em camarote (com cadeiras suplementares) para o espectáculo de me ver passar! Claro está que, tendo visto isto, segui o meu caminho como se ali não estivesse ninguém. Quando eu pretendesse ser palhaço (para o que, aliás,
Psicologia
Foi hoje que notei: – em nosso face a face
encontrei teu olhar, e assim como se deve
fazer em tal momento, um cumprimento leve
dos meus lábios fugiu sem que sequer notasse…Foi hoje que notei: – tu passas orgulhosa
e nem deste resposta ao meu sorriso antigo,
– voltaste o rosto até, assim como quem posa
e foste indelicada a um teu sincero amigo…Perdôo-te… É que sinto o quanto me adoraste,
do contrario, farias como eu faço, enquanto
não nego um cumprimento ao ver que tu passaste…Ainda sofres, bem sei… És tolinha demais…
– foi tanto o teu amor, e o teu amor é tanto
que ao passares por mim nem cumprimentas mais!