Frases sobre Hoje de Miguel Esteves Cardoso

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Frases de hoje de Miguel Esteves Cardoso. As mais belas frases e mensagens de Miguel Esteves Cardoso para ler e compartilhar.

A lealdade é hoje uma virtude qye ninguém respeita profundamente. É demasiado irracional para se poder louvar. Ser leal é ser incondicional. É ir contra a razão, contra a justiça, contra a utilidade, das pessoas e das coisas. A lealdade é insensível. Ser leal é ajudar o amigo milionário a roubar uma moeda de 10 escudos do bolso de um pobre. A lealdade pode ser muito feia. É por isso que é tão bonita. É muito simples. A lealdade é uma decisão que a alma já tomou.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram “em diálogo”. O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica da camaradagem. A paixão, que deveria ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas em vez de se apaixonarem de verdade, ficam praticamente apaixonadas.

Começa-se como se começa. Uma história é uma coisa que acontece quando se escreve. As pessoas aparecem. Existem as estações do ano, as cidades, os comboios, os lugares onde se passam as coisas que nunca se passaram. Ouvem-se as palavras que se dizem. Este coração é meu e mais nada. Escrever é a maior aventura que se pode ter. Um romance é outra vida. Comece hoje a escrever um. De nada interessa que seja mau ou que não haja ninguém para o ler. Um romance é outra vida.

Hoje em dia as pessoas apaixonam-se por uma questão prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão mesmo ali ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato. Por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

De repente, fugir tornou-se uma dignidade. Já ninguém aguenta uma derrota. A persistência; a determinação e, sobretudo, a bendita paciência são hoje qualidades desprezíveis. Aguentar e esperar pela próxima oportunidade consideram-se teimosias gananciosas; arrogâncias; estupidezes.

Hoje, ser-se egoísta é quase uma coisa boa – chega a ser elogiado como condição necessária – enquanto se vai tornando impossível ou, de qualquer modo, indecorosa, a maior das qualidades humanas, que é o altruísmo.

Diz-se que o ciúme está associado ao desejo de propriedade de quem se ama – o que será verdade, mas não será, certamente, tão mau como hoje se pensa. Deseja-se possuir só quando não se sente possuir, e o ciúme é arma de incerteza com que o amor – e o conhecimento da pessoa amada como pessoa separada e inapropriável – se faz inevitavelmente (e muito bem) pagar.

A base de uma cultura gastronómica é sempre a pobreza – bem dizem os ingleses que a necessidade é mãe da invenção. Ou alguma vez o nosso receituário de bacalhau seria tão rico como é se o bacalhau, durante os séculos em que estimulou a criatividade caseira, estivesse ao preço que está hoje? Quem inventaria as iscas se pudesse comer sempre bifes do lombo?

Estar bem disposto é uma mistura de sentido de proporção, sentido de humor, capacidade de disfarce, e vontade de agradar. É raro ver um português bem disposto. O melhorzinho que se arranja hoje em dia é a nossa versão anos 90 da sociabilidade, que não consiste em estar bem disposto mas em estar «disponível». Como quem diz: «Eu por mim não me vou dispor bem, mas se houver aí alguém que se queira aventurar, estou disposta a deixá-lo mexer na minhas peças a ver se acerta e me põe bem…».