Frases sobre Tempo de José Luís Peixoto

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Frases de tempo de José Luís Peixoto. As mais belas frases e mensagens de José Luís Peixoto para ler e compartilhar.

As crianças, atentas ao presente, agora-agora, conseguem transformar tempo comum em fĂ©rias. Eu, ao deixar de saber como fazĂȘ-lo, ganhei a capacidade de observĂĄ-lo.

HĂĄ tantos mundos quantas as maneiras de o olhar e, por consequĂȘncia, de o entender. Isto Ă© muito evidente quando regresso ao meu quarto de infĂąncia e adolescĂȘncia, aquele onde, com catorze anos, me deitava a pensar, a imaginar. Hoje, se me deito nessa cama, nĂŁo tenho o mesmo tempo. Se me aproximo da janela e olho a paisagem, aquilo que vejo mudou, mudei eu.

Entre o infinito do céu e o infinito da terra, existe o teu infinito, igualmente desmedido e ilimitado. Mãe, o tempo não é capaz de conter-te.

O tempo faz com que deixe de haver diferenças entre a verdade e a mentira. Aquilo que aconteceu mistura-se com aquilo que eu quero que tenha acontecido e com aquilo que me contaram que aconteceu. A minha memória não é minha. A minha memória sou eu distorcido pelo tempo e misturado comigo próprio: com o meu medo, com a minha culpa, com o meu arrependimento.

AlguĂ©m que sabe muito e que jĂĄ viveu muito contava-me hĂĄ pouco tempo que a maioria das coisas que nos acontecem nĂŁo sĂŁo escolha nossa. É preciso uma vida inteira, mais de sessenta anos pelo menos, para se fazer esta afirmação com propriedade. Pedindo emprestada a experiĂȘncia da voz na qual escutei esta frase, acrescento que, se essa falta de escolha existe, entĂŁo tem de estar presente nos momentos aparentemente pequenos, uma vez que sĂŁo eles que, sucessivos e constantes, formam aquilo a que, no cume da montanha, chamamos «a vida».

De vez em quando, certas conversas dirigem-se para um ponto em que se fala das primeiras recordaçÔes. Para que uma conversa toque esse ponto é preciso que exista uma certa intimidade e que haja tempo suficiente para se chegar a um assunto tão importante para cada um de nós e tão desinteressante para todos os outros.

Tenho medo que os meus filhos nunca cheguem a entender aquilo que lhes conto quando ficamos em silĂȘncio, quando o tempo passa e estamos juntos, no mesmo lugar, eu a conduzir em viagens longas com horizonte e eles, ao meu lado, a olharem pela janela, ou quando Ă© fim da tarde, tambĂ©m com horizonte, em silĂȘncio.

Existe aquele tempo parado. Aquela dor que não tem nome. Todos os dias entramos e saímos por portas, todos os dias respiramos, todos os dias erguemos a memória do mundo: manhãs de sol. Às vezes, duvidamos do tempo. Sabemos rir. Tentamos planos como crianças que dão os primeiros passos.

Porque a minha vontade tem o tamanho de uma lei da terra. Porque a minha força determina a passagem do tempo. Eu quero. Eu sou capaz de lançar um grito para dentro de mim, que arranca ĂĄrvores pelas raĂ­zes, que explode veias em todos os corpos, que trespassa o mundo. Eu sou capaz de correr atravĂ©s desse grito, Ă  sua velocidade, contra tudo o que se lança para deter-me, contra tudo o que se levanta no meu caminho, contra mim prĂłprio. Eu quero. Eu sou capaz de expulsar o sol da minha pele, de vencĂȘ-lo mais uma vez e sempre. Porque a minha vontade me regenera, faz-me nascer, renascer. Porque a minha força Ă© imortal.

As palavras sĂŁo bonitas antes do seu significado. Depois de significarem, as palavras sĂŁo como as pessoas. Podem ser tudo ao mesmo tempo. Todas as palavras podem ser tudo ao mesmo tempo.

Dar um passo pode ser fruto de uma decisĂŁo complexa. HĂĄ a possibilidade de seguir para a direita ou para a esquerda, posso continuar em frente ou voltar para trĂĄs, desfazer. Cada escolha lançarĂĄ uma cadeia de resultados. Mal comparado, Ă© como acordar na estação SĂšvres-Lecourbe e nĂŁo ter mapa do metro, nunca ter estado ali, nĂŁo saber sequer onde se estĂĄ, nĂŁo saber sequer o que Ă© o metro. Ter de aprender tudo. Ao fim de um tempo, com sorte, conversando com pedintes cegos, tocadores de concertina, talvez se consiga chegar Ă  conclusĂŁo que se quer ir para a estação Ourcq, esse Ă© o lugar onde se poderĂĄ ser feliz, mas como encontrar o caminho sem mapa, sem conhecer linhas e ligaçÔes? É possĂ­vel arrastar a vida inteira no metro de Paris e nunca passar por Ourcq. É tambĂ©m possĂ­vel passar por lĂĄ e nĂŁo reconhecer que Ă© ali que se quer sair.

A dor: um silĂȘncio de sentido sobre todos os gestos, um abismo a calar o significado de todas as palavras, um vĂ©u a tornar o tempo inĂștil.

Não são as palavras que distorcem o mundo, é o medo e a vontade. As palavras são corpos transparentes, à espera de uma cor. O medo é a lembrança de uma dor do passado. A vontade é a crença num sonho do futuro. Não são as palavras que distorcem o mundo, é a maneira como entendemos o tempo, somos nós.