Há certos movimentos que apenas são possíveis depois do início da primavera. Durante a invernia, o corpo esquece-os, mingua, endurece como as árvores. Em maio, o corpo recorda esses movimentos, julga reaprendê-los e, ao fazê-lo, redescobre a sua verdadeira natureza.
Frases de José Luís Peixoto
176 resultadosOs segredos estão dento de nós. Como tudo o que sabemos, também os segredos nos constituem. Quando os seguramos, quando somos mais fortes e os contemos, alastram-se em nós. Desde dentro, chegam à nossa pele. Depois, avançam até sermos capazes de os distinguir à nossa volta. E, no silêncio, somos capazes de os reconhecer. Então, nesse momento, já não são apenas os segredos que estão dentro de nós, somos também nós que estamos dentro dos segredos.
As convicções só existem quando nos transformamos nelas, somos a sua representação física.
O teu olhar ficará no meu olhar quando morrer e, morto, contemplar as planícies que serão o teu olhar a anoitecer lento. O teu olhar ficará nas minhas mãos esquecidas e ninguém se lembrará de o procurar aí. Penso: nunca ninguém se lembra de procurar as coisas onde elas estão, porque nunca ninguém sabe o que pensa o fumo, ou as nuvens, ou um olhar.
O ser milagroso é comum e disseminado, mas a candura existe em pouca quantidade.
Não são as palavras que distorcem o mundo, é o medo e a vontade. As palavras são corpos transparentes, à espera de uma cor. O medo é a lembrança de uma dor do passado. A vontade é a crença num sonho do futuro. Não são as palavras que distorcem o mundo, é a maneira como entendemos o tempo, somos nós.
A gente tem-se uns aos outros e mais nada.
Nenhuma tempestade tem força suficiente para arrancar um nome. Aquilo que carregas irá acompanhar-te sempre, fará parte até do teu silêncio. Repara em ti, repara em quanto do que te constitui é eterno e imortal.
Um homem sem certezas perde quase tudo de ser homem. É como o corpo sem a carne, é como as ideias sem o pensamento, um homem sem certezas. Um homem vazio de certezas. Um homem vazio.
Todos temos uma noite para lá de nós, uma noite cega. É a sua imagem concreta a partir da imagem vaga, embaciada pela memória e misturada comigo, que me importa.
Lembrar-me ainda e saber que vou esquecer. Essa é a justificação que dou a mim próprio para escrever estas palavras. Um dia, irei precisar delas para voltar a lembrar-me.
O luto é-nos pesado nos ombros, amigo, mas quem foge dele será a sua maior vítima.
Todos temos um lugar onde a vida se acerta. Cada mundo tem um centro. O meu lugar não é melhor do que o teu, não é mais importante. Os nossos lugares não podem ser comparados porque são demasiado íntimos. Onde existem, só nós os podemos ver. Há muitas camadas de invisível sobre as formas que todos distinguem. Não vale a pena explicarmos o nosso lugar, ninguém vai entendê-lo. As palavras não aguentam o peso dessa verdade, terra fértil que vem do passado mais remoto, nascente que se estende até ao futuro sem morte.
Os meus olhos são testemunhas da manhã através da sua cor. É tão importante que cada pessoa saiba o nome da cor dos seus próprios olhos. Não é preciso enredar-se em definições, nomes inventados por decoradores ou por fabricantes de tintas, basta um bom espelho, limpo.
A minha mãe é uma espécie de sol, ou de morte, é o horizonte, esse é o tamanho da sua realidade. (…) A minha mãe existe em tudo, é infinita.
É antigo o desejo de dizer “estive aqui”, a necessidade de dizer “existo”, esse gesto que se pode fazer de tantas formas.
Fomos crianças e, depois, transformámo-nos em nós. Com essa experiência, quando olhamos para elas, acreditamos que também elas se transformarão em nós. Vê-las, sabendo isso e sabendo que elas ignoram essa certeza, faz com que sejamos portadores de um segredo que preferíamos não conhecer, que nos afasta das crianças quando tudo o que queríamos era ser crianças, voltar a merecer um pouco dessa pureza, desse descanso.
Somos ruínas. Somos o que foi uma casa com gente viva e crianças a crescer, fumo na chaminé, janelas abertas nas noites de verão, e hoje é tijolos espalhados na terra e arredondados pela chuva, telhas partidas na terra, caliça e terra espalhados no soalho podre de madeira, e ervas a crescer entre as tábuas do soalho. Alguma vez teremos sido uma coisa sólida, uma casa viva?
Penso: talvez o sofrimento seja lançado às multidões em punhados e talvez o grosso caia em cima de uns e pouco ou nada em cima de outros.
Quando começo a anotar as minhas preocupações, tão importantes apenas para mim, já me esqueci de tudo: os segredos esconderam-se por trás de um muro.