Frases de José Luís Peixoto

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Frases de José Luís Peixoto. Conheça este e outros autores famosos em Poetris.

Podemos ter muitas palavras para dizer uma coisa que aparentemente é a mesma, mas a verdade é que cada um a diz de uma forma diferente. É por isso que as possibilidades de reprodução do mundo pelas palavras são tantas.

Como qualquer ferramenta, também a tristeza tem um uso próprio. Há campos que só conhecem a abundância depois dessa lavoura.

As crianças, atentas ao presente, agora-agora, conseguem transformar tempo comum em férias. Eu, ao deixar de saber como fazê-lo, ganhei a capacidade de observá-lo.

O futuro é o grande enigma. É a luz que cega, o sol. Mas, como com o sol, é necessário e saudável que se abram as janelas, que se respire, que se fechem os olhos e se sinta na pele.

O corpo do rio agita-se lentamente. Todo o seu corpo é de água. O rio é sempre jovem. Podem passar séculos. Pode passar toda a eternidade. O rio é sempre jovem.

Era nesse momento tão grande que ambos se entregavam para a vida, sem olhar para trás ou pensar um pouco, ambos se entregavam um ao outro para a vida, porque, a partir desse momento grande, toda a vida seria assim natural, inexplicável e grandiosa.

Os segredos passam por qualquer fresta, são mais fluídos do que a água, mais informes do que o ar. Podemos fazer tudo para guardar um segredo, mas ele acaba por encontrar caminho para se esvair.

Faço perguntas às minhas próprias dúvidas e lembro-me de um filme antigo quando percebo que não respondem: silêncio a preto e branco.

Há tantos mundos quantas as maneiras de o olhar e, por consequência, de o entender. Isto é muito evidente quando regresso ao meu quarto de infância e adolescência, aquele onde, com catorze anos, me deitava a pensar, a imaginar. Hoje, se me deito nessa cama, não tenho o mesmo tempo. Se me aproximo da janela e olho a paisagem, aquilo que vejo mudou, mudei eu.

O meu trabalho integra-se na literatura portuguesa contemporânea, tenho consciência dela. Mas acho que quem escreve tem de manter distanciamento desse meio, envolver-se é criar uma teia de relações que não ajuda a algo fundamental: a independência e isenção. O grande compromisso tem que ser com a literatura. Não com o meio literário.

Não tentas preservar o que tens porque sabes que não tens nada e podes sempre ter mais ainda. Quando deixas de fazer sentido, é porque foste capaz de encontrar um novo sentido e há muito boas possibilidades que esse sentido esteja enfeitado por canteiros de plantas necessariamente selvagens, onde a seiva corre desgovernada, feita de sol liquefeito, claridade liquefeita, incandescência tão limpa que cega.

Ao fixar o reflexo dos meus olhos no espelho, já me pareceu muitas vezes que está outra pessoa dentro deles. Observa-me, julga-me, mas não tem voz para se exprimir. Será talvez eu com outra idade, criança ou velho: inocente, magoado por me ver a destruir todos os seus sonhos; ou amargo, a culpar-me pela construção lenta dos seus ressentimentos. Seria melhor se tivesse palavras para dizer-me, mas não. Só aquele olhar lhe pertence. É lá que está prisioneiro.

Para mim, a literatura é cartografia invisível. Através dela, tentamos encontrar sentido, referências para não nos perdermos no essencial. A meu ver, a literatura dá proporção, equilibra a memória, limpa o pensamento.

Penso: talvez haja uma luz dentro dos homens, talvez uma claridade, talvez os homens nĂŁo sejam feitos de escuridĂŁo, talvez as certezas sejam uma aragem dentro dos homens e talvez os homens sejam as certezas que possuem.

Ao longo de uma vida, todas as pessoas tomam decisões erradas. Algumas dessas decisões magoam outros, causam-lhes sofrimento verdadeiro. No entanto, a grande maioria desses erros não são citados pelo código penal. Na verdade, só estão citados aqueles que são concebíveis pelos espíritos práticos: os que são quantificáveis, claramente observáveis, indiscutivelmente concretos. Só é pena que a vida não seja assim: indiscutivelmente concreta.

Aquilo que te digo, transforma-se em cinza ainda antes de te tocar. Quando chega à página, quando sai dos meus lábios, quando termina de se formar dentro de mim, já é cinza. Ou ainda menos do que cinza. Ainda menos do que fumo. Nem sequer a sensação de fumo, o calor do fumo, o cheiro do fumo. Aquilo que tens é o pouco, o quase nada que sou capaz de te dar. Eu gostava. Desejava com todas as forças ser capaz de dar-te tudo, mas existe um muro de significados que não o permite.

Momentos que o fim torna ridículos. Momentos que fazem viver, esperando por um dia, depois de todas as desilusões, depois de todos os arrependimentos e fracassos, em que se possam viver de novo, para de novo chegar o fim e de novo a esperança e de novo o fim.