A Mulher Mais Bonita do Mundo
estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.
estás tão bonita hoje.
os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
de encontro ao silĂŞncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.
Passagens de JosĂ© LuĂs Peixoto
226 resultadosPara a escrita de um texto literário, ter uma ideia é tão importante como ter um computador. Conseguir uma mesa é facultativo mas tem a sua importância. Uma folha de papel de nada serve sem uma esferográfica ou um lápis. Para escrever um texto literário, é absolutamente essencial escrevê-lo.
NĂŁo sei distinguir o possĂvel do impossĂvel, mas sou capaz de imaginá-los a ambos. E talvez a verdade esteja espalhada ou escondida em alguma parte desse infinito. Se isso nĂŁo Ă© extraordinário, desisto.
Penso: um castigo é a vida, um castigo sem falta ou pecado, um castigo sem salvação; a vida é um castigo que não se impede e que não se consente.
Para cada um existe uma morte, e essa morte que é diferente de homem para homem, como é diferente a vida, faz-nos caminhar entre tudo o que é negro para nós, entre toda a solidão, gritando para ninguém tudo o que podemos amar.
Nem eu nem tu compreendemos o medo. Nunca consegui entender a razĂŁo por que, nos filmes e nos desenhos animados, está implĂcito o medo de fantasmas que apenas pairam e que, Ă s vezes, fazem buu. Compreendo o susto, nĂŁo compreendo o medo.
Nunca dês demasiado a um poeta, arrepender-te-à s. São sempre os últimos a encontrar estacionamento para o carro, mas quando chove não se molham, passam entre as gotas da chuva. Não por serem mágicos, ou serem magros, mas por serem parvos. A falta de sentido prático dos poetas não tem graça.
A liberdade, por si sĂł, Ă© um conceito vago e amoral.
Resolvem-se mais provas pela ciência e pela arte do que pela força de pernas e braços.
Considero-me prático e funcional. Respondi sempre pelo lado do senso comum. Dizer que estava tudo bem era a minha maneira de dizer que não estava doente, que não tinha sido preso e que contava regressar a casa como combinado.
Os homens são uma parte pequena do mundo, e eu não compreendo os homens. Sei o que fazem e as razões imediatas do que fazem, mas saber isso é saber o que está à vista, é não saber nada. Penso: talvez os homens existam e sejam, e talvez para isso não haja qualquer explicação; talvez os homens sejam pedaços de caos sobre a desordem que encerram, e talvez seja isso que os explique.
Escuta, Amor
Quando damos as mãos, somos um barco feito de oceano, a agitar-se sobre as ondas, mas ancorado ao oceano pelo próprio oceano. Pode estar toda a espécie de tempo, o céu pode estar limpo, verão e vozes de crianças, o céu pode segurar nuvens e chumbo, nevoeiro ou madrugada, pode ser de noite, mas, sempre que damos as mãos, transformamo-nos na mesma matéria do mundo. Se preferires uma imagem da terra, somos árvores velhas, os ramos a crescerem muito lentamente, a madeira viva, a seiva. Para as árvores, a terra faz todo o sentido. De certeza que as árvores acreditam que são feitas de terra.
Por isto e por mais do que isto, tu estás aĂ e eu, aqui, tambĂ©m estou aĂ. Existimos no mesmo sĂtio sem esforço. Aquilo que somos mistura-se. Os nossos corpos sĂł podem ser vistos pelos nossos olhos. Os outros olham para os nossos corpos com a mesma falta de verdade com que os espelhos nos reflectem. Tu Ă©s aquilo que sei sobre a ternura. Tu Ă©s tudo aquilo que sei. Mesmo quando nĂŁo estavas lá, mesmo quando eu nĂŁo estava lá, aprendĂamos o suficiente para o instante em que nos encontrámos.
Aquilo que existe dentro de mim e dentro de ti,
NĂŁo sei o que Ă© a loucura ou a normalidade. Para escrever Ă© importante fugir da norma, mas duvido que isso seja a loucura.
Existe aquele tempo parado. Aquela dor que nĂŁo tem nome. Todos os dias entramos e saĂmos por portas, todos os dias respiramos, todos os dias erguemos a memĂłria do mundo: manhĂŁs de sol. Ă€s vezes, duvidamos do tempo. Sabemos rir. Tentamos planos como crianças que dĂŁo os primeiros passos.
Se Deus é pai como eles dizem, então deixa-me contar-te um pouco do amor que Deus tem por ti: Deus acredita que o amor que sente por ti é maior do que ele próprio, Deus acredita que os lugares onde está não são todos porque tem a certeza de que o amor que sente por ti é maior do que todos esses lugares, Deus acredita que não sabe tudo porque o amor que sente por ti é maior do que tudo. Sendo teu pai, Deus é também teu filho, filho.
Quando me cansei de mentir a mim a mim prĂłprio, comecei a escrever um livro de poesia.
Fechado e Ăşnico, estava um livro sobre a mesa da sala. Esse livro era a solidĂŁo, boa e grandiosa.
Amor
o teu rosto Ă minha espera, o teu rosto
a sorrir para os meus olhos, existe um
trovão de céu sobre a montanha.as tuas mãos são finas e claras, vês-me
sorrir, brisas incendeiam o mundo,
respiro a luz sobre as folhas da olaia.entro nos corredores de outubro para
encontrar um abraço nos teus olhos,
este dia será sempre hoje na memória.hoje compreendo os rios. a idade das
rochas diz-me palavras profundas,
hoje tenho o teu rosto dentro de mim.
Quem é que não tem vontade de, uma vez por outra, sentir que lhe querem bem. Até as galinhas, quem eu bem as vejo na capoeira. Até os cães que, volta na volta, andam para aà colados, e é um caso sério para os despegar.
Por cada coração, terás um rosto próprio, essa será a medida justa.