Matamos o tempo, o tempo nos enterra. Memórias Póstumas de Brás Cubas
Passagens de Machado de Assis
272 resultadosO medo é um preconceito dos nervos. E um preconceito, desfaz-se – basta a simples reflexão.
Mas o tempo, o tempo caleja a sensibilidade.
Os Semeadores
Vós os que hoje colheis, por esses campos largos,
O doce fruto e a flor,
Acaso esquecereis os ásperos e amargos
Tempos do semeador?Rude era o chão; agreste e longo aquele dia;
Contudo, esses heróis
Souberam resistir na afanosa porfia
Aos temporais e aos sóis.Poucos; mas a vontade os poucos multiplica,
E a fé, e as orações
Fizeram transformar a terra pobre em rica
E os centos em milhões.Nem somente o labor, mas o perigo, a fome,
O frio, a descalcês,
O morrer cada dia uma morte sem nome,
O morrê-la, talvez,Entre bárbaras mãos, como se fora crime,
Como se fora réu
Quem lhe ensinara aquela ação pura e sublime
De as levantar ao céu!Ó Paulos do sertão! Que dia e que batalha!
Venceste-a; e podeis
Entre as dobras dormir da secular mortalha;
Vivereis, vivereis!
Camões I
Tu quem és? Sou O século que passa.
Quem somos nós? A multidão fremente.
Que cantamos? A glória resplendente.
De quem? De quem mais soube a força e a graça.Que cantou ele? A vossa mesma raça.
De que modo? Na lira alta e potente.
A quem amou? A sua forte gente.
Que lhe deram? Penúria, ermo, desgraça.Nobremente sofreu? Como homem forte.
Esta imensa oblação?… É-lhe devida.
Paga?… Paga-lhe toda a adversa sorte.Chama-se a isto? A glória apetecida.
Nós, que o cantamos?… Volvereis à morte.
Ele, que é morto?… Vive a eterna vida.
(…) Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis (…)
Esta é a grande vantagem da morte, que, se não deixa boca para rir, também não deixa olhos para chorar…
O destino, como os dramaturgos, não anuncia as peripécias nem o desfecho.
O melhor drama está no espectador e não no palco.
A vida, mormente nos velhos, é um ofício cansativo.
Lágrimas de Cera
Passou; viu a porta aberta.
Entrou; queria rezar.
A vela ardia no altar.
A igreja estava deserta.Ajoelhou-se defronte
Para fazer a oração;
Curvou a pálida fronte
E pôs os olhos no chão.Vinha trêmula e sentida.
Cometera um erro. A Cruz
É a âncora da vida,
A esperança, a força, a luz.Que rezou? Não sei. Benzeu-se
Rapidamente. Ajustou
O véu de rendas. Ergueu-se
E à pia se encaminhou.Da vela benta que ardera,
Como tranqüilo fanal,
Umas lágrimas de cera
Caíam no castiçal.Ela porém não vertia
Uma lágrima sequer.
Tinha a fé, — a chama a arder, —
Chorar é que não podia.
As melhores mulheres pertencem aos homens mais atrevidos.
Dai À Obra De Marta Um Pouco De Maria
Dai à obra de Marta um pouco de Maria,
Dai um beijo de sol ao descuidado arbusto;
Vereis neste florir o tronco ereto e adusto,
E mais gosto achareis naquela e mais valia.A doce mãe não perde o seu papel augusto,
Nem o lar conjugal a perfeita harmonia.
Viverão dous aonde um até ‘qui vivia,
E o trabalho haverá menos difícil custo.Urge a vida encarar sem a mole apatia,
Ó mulher! Urge pôr no gracioso busto,
Sob o tépido seio, um coração robusto.Nem erma escuridão, nem mal-aceso dia.
Basta um jorro de sol ao descuidado arbusto,
Basta à obra de Marta um pouco de Maria.
Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem.
Tudo é aliado do homem que sabe querer.
O Verme
Existe uma flor que encerra
Celeste orvalho e perfume.
Plantou-a em fecunda terra
Mão benéfica de um nume.Um verme asqueroso e feio,
Gerado em lodo mortal,
Busca esta flor virginal
E vai dormir-lhe no seio.Morde, sangra, rasga e mina,
Suga-lhe a vida e o alento;
A flor o cálix inclina;
As folhas, leva-as o vento,Depois, nem resta o perfume
Nos ares da solidão…
Esta flor é o coração,
Aquele verme o ciúme.
O Mestre deve ser meio sério, para dar autoridade à lição e meio risonho, para obter o perdão da correção.
Eis aqui um que não fará grande carreira no mundo, por menos que as emoções o dominem
O Desfecho
Prometeu sacudiu os braços manietados
E súplice pediu a eterna compaixão,
Ao ver o desfilar dos séculos que vão
Pausadamente, como um dobre de finados.Mais dez, mais cem, mais mil e mais um bilião,
Uns cingidos de luz, outros ensangüentados…
Súbito, sacudindo as asas de tufão,
Fita-lhe a água em cima os olhos espantados.Pela primeira vez a víscera do herói,
Que a imensa ave do céu perpetuamente rói,
Deixou de renascer às raivas que a consomem.Uma invisível mão as cadeias dilui;
Frio, inerte, ao abismo um corpo morto rui;
Acabara o suplício e acabara o homem.
A ausência diminui as paixões medíocres e aumenta as grandes, como o vento apaga as velas e atiça as fogueiras.