Começa a Ir Ser Dia
Começa a ir ser dia,
O céu negro começa,
Numa menor negrura
Da sua noite escura,
A Ter uma cor fria
Onde a negrura cessa.Um negro azul-cinzento
Emerge vagamente
De onde o oriente dorme
Seu tardo sono informe,
E há um frio sem vento
Que se ouve e mal se sente.Mas eu, o mal-dormido,
Não sinto noite ou frio,
Nem sinto vir o dia
Da solidão vazia.
Só sinto o indefinido
Do coração vazio.Em vão o dia chega
Quem não dorme, a quem
Não tem que ter razão
Dentro do coração,
Que quando vive nega
E quando ama não tem.Em vão, em vão, e o céu
Azula-se de verde
Acinzentadamente.
Que é isto que a minha alma sente?
Nem isto, não, nem eu,
Na noite que se perde.
Passagens sobre Negrura
3 resultadosBóiam farrapos de sombra
Bóiam farrapos de sombra
Em torno ao que não sei ser.
É todo um céu que se escombra
Sem me o deixar entrever.O mistério das alturas
Desfaz-se em ritmos sem forma
Nas desregradas negruras
Com que o ar se treva torna.Mas em tudo isto, que faz
O universo um ser desfeito,
Guardei, como a minha paz,
A ‘sp’rança, que a dor me traz,
Apertada contra o peito.
O Cinismo dos Valores
Cada vez mais desesperado. Olho, olho, e só vejo negrura à minha volta. Fé? Evidentemente… Enquanto há vida, há esperança — lá diz o outro. Mas, francamente: fé em quê? Num mundo que almoça valores, janta valores, ceia valores, e os degrada cinicamente, sem qualquer estremecimento da consciência? Peçam-me tudo, menos que tape os olhos. Bem basta quando a terra mos cobrir! — Ah! mas a humanidade acaba por encontrar o seu verdadeiro caminho — dizem-me duas células ingénuas do entendimento. E eu respondo-lhes assim : Não, o homem não tem caminhos ideais e caminhos de ocasião. O homem tem os caminhos que anda. Ora este senhor, aqui há tempos, passou três séculos a correr atrás dum mito que se resumia em queimar, expulsar e perseguir uns outros homens, cujo pecado era este: saber filosofia, medicina, física, astronomia, religião, comércio — coisas que já nessa época eram dignas e respeitáveis.