Nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
Passagens sobre Pão
296 resultadosOs Portugueses não se contentam com se lhes dar o pão partido; há-se-lhes de dar todo o pão, sob pena de não ficarem contentes. Daqui se segue que nunca é possível que o estejam.
Os Vendilhões do Templo
Deus disse: faz todo o bem
Neste mundo, e, se puderes,
Acode a toda a desgraça
E não faças a ninguém
Aquilo que tu não queres
Que, por mal, alguém te faça.Fazer bem não é só dar
Pão aos que dele carecem
E à caridade o imploram,
É também aliviar
As mágoas dos que padecem,
Dos que sofrem, dos que choram.E o mundo só pode ser
Menos mau, menos atroz,
Se conseguirmos fazer
Mais p’los outros que por nós.Quem desmente, por exemplo,
Tudo o que Cristo ensinou.
São os vendilhões do templo
Que do templo ele expulsou.E o povo nada conhece…
Obedece ao seu vigário,
Porque julga que obedece
A Cristo — o bom doutrinário.
Pão mexido é pão crescido.
Jesus foi o primeiro comunista. Repartiu o pão e transformou a água em vinho.
Se me Comovesse o Amor
Se me comovesse o amor como me comove
a morte dos que amei, eu viveria feliz. Observo
as figueiras, a sombra dos muros, o jasmineiro
em que ficou gravada a tua mão, e deixo o diacaminhar por entre veredas, caminhos perto do rio.
Se me comovessem os teus passos entre os outros,
os que se perdem nas ruas, os que abandonam
a casa e seguem o seu destino, eu saberia reconhecero sinal que ninguém encontra, o medo que ninguém
comove. Vejo-te regressar do deserto, atravessar
os templos, iluminar as varandas, chegar tarde.Por isso não me procures, não me encontres,
não me deixes, não me conheças. Dá-me apenas
o pão, a palavra, as coisas possíveis. De longe.
Viver do próprio a pão e água é a maior penitência: viver do alheio, ainda que seja a pão e água, é grande regalo. Tão saboroso bocado é o alheio!
A justiça é o pão do povo; está sempre dela faminto.
O trabalhador tem mais necessidade de respeito que de pão.
A chover e a fazer sol, e as bruxas no farol a comer pão mole.
Na Arca Aberta, o Justo Peca
Na arca aberta o justo peca,
não em canastra fechada;
mas vós da minha coitada
fechada a fazeis caneca:
vindes lá de seca e meca
com tal pressa e furor tal,
que fazeis, para meu mal,
com mau termo e ruim modo,
do meu queijo lama e lodo,
e do meu pão cinza e sal.Quando as peras me levais,
então para peras levo,
pois vos pago o que não devo,
e vós rindo vos ficais:
se pêra flamenga achais
a comeis em português,
e me fazeis d’essa vez,
com estrondo e com arenga,
os narizes á flamenga
muito mal em que me pez.Não vos escapam por pés
minhas cerejas bicais,
nem as ginjas garrafais,
se as tenho alguma vez:
porque mal, em que me pez,
como cerejas se vão
pelos pés á vossa mão
e da vossa mão á minha,
a cereja é marouvinha
as ginjas galegas são.Passa hoje por lebre o gato,
por perdiz passa o francelho
por capão o galo velho,
Antes de todo mundo, Lisbeth ia buscar seu leite, seu pão, seu carvão, sem falar com ninguém, e deitava-se com o sol; nunca recebia cartas, nem visitas; não alimentava a vizinhança.
Como dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
embora o pão seja caro
e a liberdade pequena
Como teus olhos são claros
e a tua pele, morena
como é azul o oceano
e a lagoa, serena
Liberdade
— Liberdade, que estais no céu…
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.— Liberdade, que estais na terra…
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.
Descrição Da Cidade De Sergipe D’el-Rei
Três dúzias de casebres remendados,
Seis becos, de mentrastos entupidos,
Quinze soldados, rotos e despidos,
Doze porcos na praça bem criados.Dois conventos, seis frades, três letrados,
Um juiz, com bigodes, sem ouvidos,
Três presos de piolhos carcomidos,
Por comer dois meirinhos esfaimados.As damas com sapatos de baeta,
Palmilha de tamanca como frade,
Saia de chita, cinta de raqueta.O feijão, que só faz ventosidade
Farinha de pipoca, pão que greta,
De Sergipe d’El-Rei esta é a cidade.
Amar-te é Vir de Longe
Amar-te é vir de longe,
descer o rio verde atrás de ti,
abrir os braços longos desde os sete
anos sob a latada ao pé do largo,
guardar o cheiro a figos vistos lá,
a olho nu, ao pé, ao pé de ti,
parar a beber água numa fonte,
um acaso perdido no caminho
onde os vimes me roçam a memória
e te anunciam mãos e te perfazem;
como se o sino à hora de tocar
já fosse o tempo todo badalado,
e a tua boca se abrisse atrás do tojo,
e abaixo dos calções as pernas nuas
se rasgassem só para o pequeno sangue,
tal o pequeno preço que me pedes.
Atrás da curva estavas, és, serias,
nos muros de granito, nas amoras.
Amar-te era lembrança e profecias,
uma porta já feita para abrir,
e encontrar o lar ou música lavada
onde, se nasces, vives, duras, moras
— meu nome exacto e pão
no chão das alegrias.
Improviso
Nem só de chuva
se tece a nuvem
nem só de evento
se inventa o vento.Nem só de fala
se engendra o grito
nem só de fome
prospera o trigo.Nem só de raiva
arde a metáfora
nem só de enigmas
se enfeita o nada.Nem só de parca
o céu nos singra
nem só de pão
se morre à mínguaNem só de pégaso
escapa o seio
para essa concha
partida ao meio.
Provençal
Em um solar de algum dia
Cheiinho de alma e valia,
Foi ali
Que ao gosto de olhos a viComo dantes inda vasto
Agora
Não tinha pombas nem mel.
E à opulência de outrora,
Esmoronado e já gasto,
Pedia mãos de alvenel.Foi ali
Que ao gosto de olhos a vi.O seu chapéu, que trazia
Do calor contra as ardências,
Era o que a pena daria
Num certo sabor e arrimo
Com jeitos de circunferências
A morrer todas no cimo.Davam-lhe franco nos ombros
As pontas do lenço branco:
E sem que ninguém as ouça,
Eram palavras da moça
Com a voz alta de chamar;Palavras feitas em gesto,
Igualzinho e manifesto,
Como um relance de olhar.E bela, fechada em gosto,
Fazia o seu rosto dela
A gente mestre de amar.Foi num solar de algum dia,
Cheiinho de alma e valia,
Que eu disse de mim para ela
Por este falar assim:Vem, meu amor!
Um Homem Possui Três Estômagos
– Há muitos tipos dc comida — disse o coronel Mõller enquanto abanava o filho.- Um homem possui três estômagos: um na barriga, outro no peito e outro na cabeça. O da barriga, toda a gente sabe para que serve; o do peito mastiga a respiração, que é a nossa comida mais urgente. Uma pessoa morre sem ar muito mais depressa do que sem água e pão. E por fim há o estômago da cabeça, que se alimenta de palavras e de letras. Os primeiros dois estômagos do homem alimentam-se através da boca c do nariz, ao passo que o terceiro estômago se alimenta principalmente através dos olhos e dos ouvidos, apesar de usar tudo o resto dc um modo mais subtil.
— Para mim — disse o mordomo —, as palavras são uma grande palermice.
Quem tem fome, sonha com pão.