Não Consigo Viver em Literatura
Por mais que o deseje, não consigo viver em literatura. Felizes os que o conseguem. Viver em literatura é suprimir toda a interferência do que lhe é exterior – desde o peso das pedradas ao das flores da ovação. Suprimir mesmo ou sobretudo a conversa sobre ela, desde a dos jornais à dos amigos. Fazer da literatura um meio enclausurado em que a respiremos até à intoxicação e nada dele transpire para a exterioridade. Viver a arte como uma mística, um transporte de inebriamento, uma iluminação da graça, uma inteira absorção como de um vício inconfessável. Vivê-la na intimidade de uma absoluta solidão em que toda a ameaça de público esteja ausente como numa ilha que a impossibilidade de comunicação tornasse de facto deserta. Os recém-casados isolam-se para defenderem dos outros a mínima parcela da paixão. A vida em arte devia ser uma viagem de núpcias sem retorno. Só então se conheceria tudo o que a arte é para nós e a inteira verdade com que nós somos para ela. Mas não. Há que viver uma vida dúplice entre o estar a sós com ela e o permanente convívio, nem que sejam uns breves instantes à porta com os indiferentes e os maledicentes e os curiosos e mesmo os admiradores de que se necessita na nossa inferioridade moral para nos confirmarem no bom resultado da aposta.
Passagens sobre Pecado
330 resultadosA Necessidade do Próximo
Nós só sentimos agrado para com os semelhantes – ou seja pelas imagens de nós próprios – quando sentimos comprazimento connosco. E quanto mais estamos contentes connosco, mais detestamos o que nos é estranho: a aversão pelo que nos é estranho está na proporção da estima que temos por nós. É em consequência dessa aversão que nós destruímos tudo o que é estranho, ao qual assim mostramos o nosso distanciamento.
Mas o menosprezo por nós próprios pode levar-nos a uma compaixão geral para com a humanidade e pode ser utilizado, intencionalmente, para uma aproximação com os demais.
Temos necessidade do próximo para nos esquecermos de nós mesmos: o que leva à sociabilidade com muita gente.
Somos dados a supor que também os outros têm desgosto com o que são; quando isto se verifica, então receberemos uma grande alegria: afinal, estamos na mesma situação.
E, talqualmente nos vemos forçados a suportar-nos, apesar do desgosto que temos com aquilo que somos, assim nos habituamos a suportar os nossos semelhantes.
Assim, nós deixamos de desprezar os outros; a aversão para com eles diminui, e dá-se a reaproximação.
Eis porque, em virtude da doutrina do pecado e da condenação universal,
O pecado é inexistente desde o princípio; por isso desaparece quando a mente não se prende a ele. Com razão se diz que ‘quem ora a Deus se salva’, pois, quando a mente se volta para a Imagem Verdadeira através do simples ato de orar, o pecado se anula por si mesmo porque inexiste desde o princípio, e a Imagem Verdadeira se manifesta porque existe desde o princípio. Simplesmente desaparece aquilo que é inexistente e manifesta-se aquilo que existe desde o princípio. Isto não é mera teoria.
A força criadora é força de Deus. A força ativa é força de Deus que deve ser empregada para o bem geral. Portanto, desperdiçar essa força alegando razões particulares é um pecado.
O homem que confessa os seus pecados, os seus crimes ou os seus erros nunca é o mesmo que os cometeu.
As igrejas fecham um dia por semana para varredura dos pecados.
Sem pecado, nada de sexualidade, e sem sexualidade, nada de História.
Senhor, abençoe nossa semana. Compreendemos que a alegria não é um pecado, sacrifício não é uma virtude.
A religião prestou ao amor um grande serviço, quando o anunciou como pecado.
A Alvorada do Amor
Um horror grande e mudo, um silêncio profundo
No dia do Pecado amortalhava o mundo.
E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo
Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,
Disse:“Chega-te a mim! entra no meu amor,
E à minha carne entrega a tua carne em flor!
Preme contra o meu peito o teu seio agitado,
E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!
Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto,
Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!Vê! tudo nos repele! a toda a criação
Sacode o mesmo horror e a mesma indignação…
A cólera de Deus torce as árvores, cresta
Como um tufão de fogo o seio da floresta,
Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;
As estrelas estão cheias de calefrios;
Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu…Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,
Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!
Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;
Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;
Surjam feras a uivar de todos os caminhos;
Orgulho não é pecado, pelo menos tão grave: orgulho é coisa infantil em que se cai como se cai em gulodice. Só que orgulho tem a enorme desvantagem de ser um erro grave, e, com todo o atraso que o erro dá à vida, faz perder muito tempo.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar.
Não existe nenhum pecado, a não ser a estupidez.
Soneto
Se eu fosse Deus seria a vida um sonho,
Nossa existência um júbilo perene!
Nenhum pesar que o espírito envenene
Empanaria a luz do céu risonho!Não haveria mais: o adeus solene,
A vingança, a maldade, o ódio medonho,
E o maior mal, que a todos anteponho,
A sede, a fome da cobiça infrene!Eu exterminaria a enfermidade,
Todas as dores da senilidade,
E os pecados mortais seriam dez…A criação inteira alteraria,
Porém, se eu fosse Deus, te deixaria
Exatamente a mesma que tu és!
O pecado está muito mais nos meios do que nos princípios.
Meu Deus
Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços meu pecado de pensar.
A Motivação do Ser Humano
Desde o pecado original fomos essencialmente iguais para conhecer o bem e o mal; no entanto, é exactamente neste ponto que buscamos as nossas vantagens particulares. Mas é só além desse conhecimento que começam as verdadeiras diferenças. A aparência recíproca é provocada pelo seguinte: ninguém consegue contentar-se apenas com o conhecimento, mas tem de lutar para agir de acordo com ele. Contudo, não lhe foi atribuída a força para fazer isso; em consequência, ele tem de se destruir, mesmo correndo o risco de não adquirir com isso o poder necessário, mas não lhe resta nada senão essa última tentativa. (É este também o sentido da ameaça de morte associada à proibição de comer da árvore do conhecimento; talvez também o sentido original da morte natural). Ora, ele tem uma tentativa; prefere revogar o conhecimento do bem e do mal; (a expressão «pecado original» tem origem nesse medo) mas o que aconteceu não pode ser suprimido, apenas turvado. É com esse objectivo que as motivações vêm à tona; com efeito, todo o mundo visível talvez não seja outra coisa senão uma motivação do ser humano para a sua vontade de descansar um momento. Uma tentativa de falsear o facto do conhecimento,
Ela pensava que a ocasião fazia o pecado e ignorava que o pecado forja a ocasião.
Quem Diz que Amor é um Crime
Quem diz que amor é um crime
Calunia a natureza,
Faz da causa organizante
Criminosa a singeleza.Que vejo, céus! Que não seja
De uma atracção resultado?
Atracção e amor é o mesmo;
Logo amor não é pecado.Se respiro, a atmosfera,
Com um fluido combinado,
É quem me sustenta a vida
Dentro do peito agitado.Se vejo mares, se fontes,
Rio, cristalino lago,
Dois gases se unem, formando
Aguas com que a sede apago.Uma lei de afinidade
Se acha nos corpos terrenos;
Ácidos, metais, alcalis,
Tudo se une mais ou menos.De que sou feita? – De terra;
Nela me hei de converter:
Se amor arder em meu peito
É da essencia do meu ser.Sem que te ofenda razão,
Quero defender o amor;
Se contigo não concorda
Não é virtude, é furor.
Elegia
O teu corpo,
uma vez o meu altar e pecado,
O teu corpo
agora amarelo e viscoso,
hostil como a freira enclausurada,
é uma forma obscena ao sol.Tu estás morta –
tu, o meu pão e vinho santo!Tu foste
a minha dor,
o sol
e a chuva;
Tu foste
saudade,
tudo
e desejo,
quando nós
sofrendo,
quando nós
encontramos
uma nova luz
uma nova fé!Tu estás morta –
tu, o meu pão e vinho santo.