Poemas sobre Bocas

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Poemas de bocas escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Hino à Dor

Sorri com mais doçura a boca de quem sofre,
Embora amargue o fel que os seus lábios beberam;
É mais ardente o olhar onde, como um aljofre,
A Dor se condensou e as lágrimas correram.

Soa, como se um beijo ou uma carícia fosse,
A voz que a soluçar na Desgraça aprendeu;
E não há para nós consolação mais doce
Que o regaço de quem muito amou e sofreu.

Voz, que jamais vibrou num soluço de mágoa,
Ao nosso coração nunca pode chegar…
Mas o pranto, ao cair duns olhos rasos de água,
Torna mais penetrante e mais profundo o olhar.

Lábio, que só bebeu na fonte da Alegria,
É frio, como o olhar de quem nunca chorou;
A Bondade é uma flor que se alimenta e cria
Dos resíduos que a Dor no coração deixou.

Em tudo quanto existe o Sofrimento imprime
Uma augusta expressão… mesmo a Suprema Graça,
Dando aos versos do Poeta esse esmalte sublime
Que torna imorredoira a Inspiração que passa.

É por isso que a Dor, sem trégua nem guarida,

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Opiário

Ao Senhor Mário de Sá-Carneiro

É antes do ópio que a minh’alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.

Esta vida de bordo há-de matar-me.
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
já não encontro a mola pra adaptar-me.

Em paradoxo e incompetência astral
Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
Onda onde o pundonor é uma descida
E os próprios gozos gânglios do meu mal.

É por um mecanismo de desastres,
Uma engrenagem com volantes falsos,
Que passo entre visões de cadafalsos
Num jardim onde há flores no ar, sem hastes.

Vou cambaleando através do lavor
Duma vida-interior de renda e laca.
Tenho a impressão de ter em casa a faca
Com que foi degolado o Precursor.

Ando expiando um crime numa mala,
Que um avô meu cometeu por requinte.
Tenho os nervos na forca, vinte a vinte,
E caí no ópio como numa vala.

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O Abraço

(excerto)

Não vês inda, de gosto sufocados,
Um noutro nossos peitos esculpidos?
Não sentes nossos rostos tão chegados
E ainda mais os corações unidos?
Oh! Mais, mais do que unidos!
Tu fizeste, Doce encanto, que eu fosse mais que teu.
Lembra, lembra-te quando me disseste:
– Meu bem, eu não sou tu?… Tu não és eu?

Goza, de todo goza o teu amante;
E unidos ambos… -Oh!… e estás tão perto!…
Meu bem, deliro, sonho ou estou desperto?
Ambos unidos em mimoso laço,
Faces, bocas unidas… Ah! que faço?…
É ar… Quando que a abraço me parece,
A mim me abraço e em ar se desvanece.
Mas que duvido com abraço estreito
Cingir-me?… Dize, não és seu, meu peito?…
[…]
Goza, meu bem (enquanto a Sorte avara
Com tanta crueldade nos separa)
Goza do alívio, que nos concedeu,
De dizer com certeza: É minha! – É meu!…

As Palavras de Adeus

A realidade é maior que a verdade meu amor
somos mais do que o sol e do que o mar e
em nenhuma metáfora cabemos
mesmo quando dizemos eu
sou a música tu és o luar

com cadeias de ferro nos unimos
em nosso nome jurámos
pelas cascas dos frutos bebemos
de mel silvestre nos alimentámos

mas de fora sempre ficou
algo que nos próprios sentimentos já não coube
e um gosto que indicou algo
que a boca já dizer não soube

entre as coisas as palavras e a sua mudez
paira a irrealidade de
que nos fizemos
nem uma só vez foram verdade as
palavras de adeus que nos dissemos

Só dos Mortos Devemos Ter Ciúmes

Só dos mortos devemos ter ciúmes; acordar
de entre as pedras doentes dolorosos
que da beira das arribas nos atirem ao porto
onde enfim se encontre a nossa angústia.
Só eles lutam palmo a palmo pelo espaço
em que já vertical erguemos nosso braço
em busca de que sumo ou de que céu. É que só eles
nos retiram da cama de que por nós foi feita
a escolha: a macieza intensa que julgámos
eterna, que nos parecia tão cordatamente
entregue à nossa própria suma sumaúma.
Só os mortos, horror, inda que vivos, vivem
paredes meias com os nossos dedos, logo afastam
os momentos ferozes que tocássemos, e as nuvens
por sobre o mar dos olhos: é bem feito,
dizem os meninos. Pois que dos vivos vivos
a vida nos desvia e nisso nos conduz, assaz
encaminhados pelo que vamos querendo.
Só os mortos nos mordem, nos apontam
a dedo frio e tenso, entorpecem desejos
e, pois pior, só eles nos expulsam
do vero som dos sinos numa entrega
às palavras baldadas do comércio.
A luta clara que sonhada fosse
pela mão dada e limpa que nos dessem
tropeça,

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Ar Livre

Enquanto os elefantes pela floresta galopavam
no fumo do seu peso,
perto, lá andava ela nua a cavalgar o antílope,
com uma asa direita outra caída.
E a amazona seguia…
e deixava a boca no sumo das laranjas.
Os olhos verdes no mar.
O corpo em a nuvem das alturas
– a guardadora
da sempre nova faísca incendiária!

O Mar é Longe, mas Somos Nós o Vento

O mar é longe, mas somos nós o vento;
e a lembrança que tira, até ser ele,
é doutro e mesmo, é ar da tua boca
onde o silêncio pasce e a noite aceita.
Donde estás, que névoa me perturba
mais que não ver os olhos da manhã
com que tu mesma a vês e te convém?
Cabelos, dedos, sal e a longa pele,
onde se escondem a tua vida os dá;
e é com mãos solenes, fugitivas,
que te recolho viva e me concedo
a hora em que as ondas se confundem
e nada é necessário ao pé do mar.

A Morte o Amor a Vida

Julguei que podia quebrar a profundeza a
[imensidade
Com o meu desgosto nu sem contacto sem eco
Estendi-me na minha prisão de portas virgens
Como um morto razoável que soube morrer
Um morto cercado apenas pelo seu nada
Estendi-me sobre as vagas absurdas
Do veneno absorvido por amor da cinza
A solidão pareceu-me mais viva que o sangue

Queria desunir a vida
Queria partilhar a morte com a morte
Entregar meu coração ao vazio e o vazio à vida
Apagar tudo que nada houvesse nem o vidro
[nem o orvalho
Nada nem à frente nem atrás nada inteiro
Havia eliminado o gelo das mãos postas
Havia eliminado a invernal ossatura
Do voto de viver que se anula

Tu vieste o fogo então reanimou-se
A sombra cedeu o frio de baixo iluminou-se de
[estrelas
E a terra cobriu-se
Da tua carne clara e eu senti-me leve
Vieste a solidão fora vencida
Eu tinha um guia na terra
Sabia conduzir-me sabia-me desmedido
Avançava ganhava espaço e tempo
Caminhava para ti dirigia-me incessantemente
[para a luz
A vida tinha um corpo a esperança desfraldava
[as suas velas
O sono transbordava de sonhos e a noite
Prometia à aurora olhares confiantes
Os raios dos teus braços entreabriam o nevoeiro
A tua boca estava húmida dos primeiros orvalhos
O repouso deslumbrado substituía a fadiga
E eu adorava o amor como nos meus primeiros
[tempos

Os campos estão lavrados as fábricas irradiam
E o trigo faz o seu ninho numa vaga enorme
A seara e a vindima têm inúmeras testemunhas
Nada é simples nem singular
O mar espelha-se nos olhos do céu ou da noite

A floresta dá segurança às árvores
E as paredes das casas têm uma pele comum
E as estradas cruzam-se sempre
Os homens nasceram para se entenderem
Para se compreenderem para se amarem
Têm filhos que se tornarão pais dos homens
Têm filhos sem eira nem beira
Que hão-de reinventar o fogo
Que hão-de reinventar os homens
E a natureza e a sua pátria
A de todos os homens
A de todos os tempos.

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Canto

… e o vento,
o vento dos altos a que me dei,
a ti me trouxe
a ti me entregou.
Se em mim já estavas!
Pela boca, pelos olhos e pelas mãos,
arreigado e voraz,
meu invasor enternecido.

Cinco vidas, nada menos,
cinco vidas querias ter.
Cinco vidas…
Mas uma, apenas, ardente, violenta e dissipada,
uma só não te bastaria?
Uma,
quintuplicada, centuplicada na hora inefável,
no momento embriagado…
Uma, para me dares, para eu de ti receber,
vergada, sucumbida?
É primavera! saíu-me da boca.
E tu sorriste.
Sorriste, creio.
Primavera e todas as estações…
Chuva e sol, tempo sem idade.

Aqueles suaves, langues verdes, tão cariciosos;
os redondos troncos
e os musgos fofos;
os melros agrestes
e as campainhas roxas daquelas flores da minha infância,
de que me ensinaste o nome tão doce, tão estranho…
E as loucas nuvens corredias
e as pedras hieráticas
e as veredas amáveis,
como se os ofereciam!
Amavam-nos,
Não o viste?
No passo certo em que ambos íamos
tudo,

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A Tua Boca

A tua boca. A tua boca.
Oh, também a tua boca.
Um túnel para a minha noite.
Um poço para a minha sede.

Os fios dormentes de água
que a tua língua solta num grito cor-de-rosa
e a minha língua sorve e canta
e os meus dentes mordem derramando a seiva
da tua primavera sem palavras
o poema inquieto e livre que a tua boca oferece
à minha boca.

As loucas bebedeiras de ternura
por essa viagem até ao sangue.
Os beijos como fogueiras.
As línguas como rosas.

Oh, a tua boca para a minha boca.

Gosto de Amar

gosto de amar com os dedos,
encontrar o centímetro em que nasce o orgasmo
em ti, perceber a extensão da forma como te sobressaltas,
e encostar-te o meu ouvido à boca para ouvir a voz de
deus.

gosto de amar com os olhos,
gastar a hipótese do sono e ver-te adormecer,
a noite escura e o silêncio de um abraço,
e se queres que te diga
só te escolhi por engano, queria o amor dos livros
e virei escritor, os dias inteiros à espera do teu corpo
para que as metáforas aconteçam.

gosto de amar com as lágrimas,
praticar o abismo, a largura estreita dos teus lábios,
a sensação de mar excessivo da tua língua,
até a maneira como me percorres o sexo
com a extremidade da tua respiração parada,
e sobretudo submeter-me ao castigo da emoção
de te amar ainda depois do final do prazer,
a pequena morte acabada
e a vida toda outra vez a começar.

gosto de amar com o que me resta,
e tudo o que sei é que me resta amar-te.

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A Vida Grata

Feliz aquele a quem a vida grata
Concedeu que dos deuses se lembrasse
E visse como eles
Estas terrenas coisas onde mora
Um reflexo mortal da imortal vida.
Feliz, que quando a hora tributária
Transpor seu átrio por que a Parca corte
O fio fiado até ao fim,
Gozar poderá o alto prémio
De errar no Averno grato abrigo
Da convivência.

Mas aquele que quer Cristo antepor
Aos mais antigos Deuses que no Olimpo
Seguiram a Saturno —
O seu blasfemo ser abandonado
Na fria expiação — até que os Deuses
De quem se esqueceu deles se recordem —
Erra, sombra inquieta, incertamente,
Nem a viúva lhe põe na boca
O óbolo a Caronte grato,
E sobre o seu corpo insepulto
Não deita terra o viandante.

Amar-te é Vir de Longe

Amar-te é vir de longe,
descer o rio verde atrás de ti,
abrir os braços longos desde os sete
anos sob a latada ao pé do largo,
guardar o cheiro a figos vistos lá,
a olho nu, ao pé, ao pé de ti,
parar a beber água numa fonte,
um acaso perdido no caminho
onde os vimes me roçam a memória
e te anunciam mãos e te perfazem;
como se o sino à hora de tocar
já fosse o tempo todo badalado,
e a tua boca se abrisse atrás do tojo,
e abaixo dos calções as pernas nuas
se rasgassem só para o pequeno sangue,
tal o pequeno preço que me pedes.
Atrás da curva estavas, és, serias,
nos muros de granito, nas amoras.
Amar-te era lembrança e profecias,
uma porta já feita para abrir,
e encontrar o lar ou música lavada
onde, se nasces, vives, duras, moras
— meu nome exacto e pão
no chão das alegrias.

A Tua Boca Adormeceu

A tua boca adormeceu
parece um cais muito antigo
à volta da minha boca.

Mas as palavras querem voltar à terra
ao fogo do silêncio que sustém as pontes
perdidas na sua própria sombra.

E há um cão de pedra como um fruto
que nos cobre com o seu uivo
enquanto pássaros de ouro com mãos de marfim
transplantam as árvores transparentes
para o ponto mais fundo do mar.

As lágrimas que não chorei
arrependidas
fazem transbordar a eterna agonia do mar
como um lençol fúnebre
com que tivesse alguém coberto o rosto metafórico
dos cinco continentes que em nós existem.

Assim é ao mesmo tempo
que sou eu e não o sou
aquele relógio das horas de ouro
que além flutua.

No Corpo

De que vale tentar reconstruir com palavras
O que o verão levou
Entre nuvens e risos
Junto com o jornal velho pelos ares

O sonho na boca, o incêndio na cama,
o apelo da noite
Agora são apenas esta
contração (este clarão)
do maxilar dentro do rosto.

A poesia é o presente.

Protesto

Não é no teu corpo que se imola
para a ceia dos meus sentidos
a vítima núbil, a áurea mola
que cinge o amor recente aos idos.

Mas é também no teu corpo que corre
o sangue que o meu sangue socorre.

Não é no teu corpo que se ergue
a guerra fria dos meus nervos.

nem nasceram tuas transparências
para a cegueira dos meus dedos.

Mas é também no teu corpo insano
que perscruto meu desconforto humano.

Não é no teu corpo, nos teus olhos
de fauno, que colho as minhas ditas,
nem o jasmim de tua boca flore
para a visão que me solicita.

Mas é também no teu corpo único
que o amor à forma do Amor reúno.

Não é no teu corpo que concentro
minha sede (esta sede ferina
que morre de seu farto alimento
e vive de quanto se elimina)

Mas é também teu corpo a medida
destas águas sobre a minha ferida.

Não é no teu corpo, mas é tanto
no teu corpo meu último refúgio,

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Saudades Trágico-Marítimas

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Na praia, de bruços,
fico sonhando, fico-me escutando
o que em mim sonha e lembra e chora alguém;
e oiço nesta alma minha
um longínquo rumor de ladainha,
e soluços,
de além…

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

São meus Avós rezando,
que andaram navegando e que se foram,
olhando todos os céus;
são eles que em mim choram
seu fundo e longo adeus,
e rezam na ânsia crua dos naufrágios;
choram de longe em mim, e eu oiço-os bem,
choram ao longe em mim sinas, presságios,
de além, de além…

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

Naufraguei cem vezes já…
Uma, foi na nau S. Bento,
e vi morrer, no trágico tormento,
Dona Leonor de Sá:
vi-a nua, na praia áspera e feia,
com os olhos implorando
– olhos de esposa e mãe –
e vi-a, seus cabelos desatando,
cavar a sua cova e enterrar-se na areia.
– E sozinho me fui pela praia além…

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Ó Noite, Coalhada nas Formas de um Corpo de Mulher

Ó noite, coalhada nas formas de um corpo de mulher
vago e belo e voluptuoso,
num bailado erótico, com o cenário dos astros, mudos
[e quedos.
Estrelas que as suas mãos afagam e a boca repele,
deixai que os caminhos da noite,
cegos e rectos como o destino,
suspensos como uma nuvem,
sejam os caminhos dos poetas
que lhes decoraram o nome.
Ó noite, coalhada nas formas de um corpo de mulher!
Esconde a vida no seio de uma estrela
e fá-la pairar, assim mágica e irreal,
para que a olhemos como uma lua sonâmbula.

poema sobre o amor eterno

inventaram um amor eterno. trouxeram-no em braços para o meio das pessoas e ali ficou, à espera que lhe falassem. mas ninguém entendeu a necessidade de sedução. pouco a pouco, as pessoas voltaram a casa convictas de que seria falso alarme, e o amor eterno tombou no chão. não estava desesperado, nada do que é eterno tem pressa, estava só surpreso. um dia, do outro lado da vida, trouxeram um animal de duzentos metros e mil bocas e, por ocupar muito espaço, o amor eterno deslizou para fora da praça. ficou muito discreto, algo sujo. foi como um louco o viu e acreditou nas suas intenções. carregou-o para dentro do seu coração, fugindo no exacto momento em que o animal de duzentos metros e mil bocas se preparava para o devorar

Entrei no café com um rio na algibeira

Entrei no café com um rio na algibeira
e pu-lo no chão,
a vê-lo correr
da imaginação…

A seguir, tirei do bolso do colete
nuvens e estrelas
e estendi um tapete
de flores
a concebê-las.

Depois, encostado à mesa,
tirei da boca um pássaro a cantar
e enfeitei com ele a Natureza
das árvores em torno
a cheirarem ao luar
que eu imagino.

E agora aqui estou a ouvir
A melodia sem contorno
Deste acaso de existir
-onde só procuro a Beleza
para me iludir
dum destino.