Poemas sobre Bocas

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Poemas de bocas escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Iniciação ao Diálogo

I

De início bastará que olhes mais vezes
na mesma direcção hoje evitada
(estandartes nos olhos são mais leves
do que no coração duros tambores),
ainda que o teu olhar próprio não rompa
as lajes de ódio com que te muraste.

II

O vento e chuva e tempo, sobre a pedra
passando sempre, hão-de gastá-la: um dia,
antes que a obture o musgo ou algum pássaro
aí faça o ninho fofo, encontrarás,
entre o lado que afirmas teu e o outro,
uma réstia de azul — o azul de todos.

III

Talvez rumor de passos, para além
do muro atravessado aos teus desígnios…
Não porás terra onde se pôs o céu:
ver o que diz o ouvido agora queres,
e onde a rocha fendeu-se cabe um olho
humano e mais a boca do fuzil.

IV

Provando frágil o que acreditavas
inexpugnável, eis que em ti se fixam
atentos outro olho e outro fuzil!

V

Contemplador e contemplado, hesitas
aprendendo na espera o inesperado:
lares como os que tens,

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Intervalo

Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado —
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?…
Quem te disse tão cedo?

Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?

Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?

Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?

Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca —
A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.

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Inominado Nome

Persigo-o no ininteligível arbítrio
dos astros, na clandestina linfa
que percorre os túrgidos corredores
do indecifrável, nos falsos indícios
que, de fogos fátuos, escurecem

a persistente incógnita do nome.
Em persegui-lo persisto onde, bem
sei, não lograrei achá-lo, que nunca
achado será em tempo ou espaço
que excedam meu limite e dimensão.

Um nome, ainda obscuro, pressinto
no sal da boca amarga, Conheço-lhe
o rosto familiar, desfocado embora,
no halo do tempo e da distância.
É, creio, a face indefectível de tudo

quanto tenho de calar. Este nome
(este rosto) habita-me silente, contra
a recusa, a mentira, ou a calúnia.
Na epiderme, nos nervos e na carne,
sobre a língua e o palato, adivinho-lhe

forma, sabor e propósito. Ouço-o
dentro de mim, mau grado
o queira ou não, que em mim
só está sofrê-lo porque em mim
vive e dura, enquanto eu dure e viva.

E não por meu mal, que meu
mal seria, mais que perdê-lo,
sem ele viver.
Um rosto persigo,
um nome guardo no sal da boca

amarga,

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A Escola Portuguesa

Eis as crianças vermelhas
Na sua hedionda prisão:
Doirado enxame de abelhas!
O mestre-escola é o zangão.

Em duros bancos de pinho
Senta-se a turba sonora
Dos corpos feitos de arminho,
Das almas feitas d’aurora.

Soletram versos e prosas
Horríveis; contudo, ao lê-las
Daquelas bocas de rosas
Saem murmúrios de estrela.

Contemplam de quando em quando,
E com inveja, Senhor!
As andorinhas passando
Do azul no livre esplendor.

Oh, que existência doirada
Lá cima, no azul, na glória,
Sem cartilhas, sem tabuada,
Sem mestre e sem palmatória!

E como os dias são longos
Nestas prisões sepulcrais!
Abrem a boca os ditongos,
E as cifras tristes dão ais!

Desgraçadas toutinegras,
Que insuportáveis martírios!
João Félix co’as unhas negras,
Mostrando as vogais aos lírios!

Como querem que despontem
Os frutos na escola aldeã,
Se o nome do mestre é — Ontem
E o do discíp’lo — Amanhã!

Como é que há-de na campina
Surgir o trigal maduro,
Se é o Passado quem ensina
O b a ba ao Futuro!

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A Mulher que Passa

Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!

Oh! Como és linda, mulher que passas
que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pêlos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Porque me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?

Por que não voltas, mulher que passa?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

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Em Louvor da Miniblusa

Hoje vai a antiga musa
celebrar a nova blusa
que de Norte a Sul se usa
como graça de verão.
Graça que mostra o que esconde
a blusa comum, mas onde
um velho da era do bonde
encontrará mais mensagem
do que na bossa estival
da rola que ao natural
mostra seu colo fatal,
ou quase, pois tanto faz,
se a anatomia me ensina
a tocar a concertina
em busca ao mapa da mina
que ora muda de lugar?
Já nem sei mais o que digo
ao divisar certo umbigo:
penso em flor, cereja, figo,
penso em deixar de pensar,
e em louvar o costureiro
ou costureira — joalheiro
que expõe a qualquer soleiro
esse profundo diamante
exclusivo antes das praias
(Copas, Leblons, Marambaias
e suas areias gaias).
Salve, moda, salve, sol
de sal, de alegre inventiva,
que traz à matéria viva
a prova figurativa!
Pode a indústria de fiação
carpir-se do pouco pano
que o figurino magano
reduz a zero, cada ano.
Que importa?

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Menina e Moça

Está naquela idade inquieta e duvidosa,
Que não é dia claro e é já o alvorecer;
Entreaberto botão, entrefechada rosa,
Um pouco de menina e um pouco de mulher.

Às vezes recatada, outras estouvadinha,
Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;
Tem coisas de criança e modos de mocinha,
Estuda o catecismo e lê versos de amor.

Outras vezes valsando, e* seio lhe palpita,
De cansaço talvez, talvez de comoção.
Quando a boca vermelha os lábios abre e agita,
Não sei se pede um beijo ou faz uma oração.

Outras vezes beijando a boneca enfeitada,
Olha furtivamente o primo que sorri;
E se corre parece, à brisa enamorada,
Abrir asas de um anjo e tranças de uma huri.

Quando a sala atravessa, é raro que não lance
Os olhos para o espelho; e raro que ao deitar
Não leia, um quarto de hora, as folhas de um romance
Em que a dama conjugue o eterno verbo amar.

Tem na alcova em que dorme, e descansa de dia,
A cama da boneca ao pé do toucador;

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Balada do Poema que não Há

Quero escrever um poema
Um poema não sei de quê
Que venha todo vermelho
Que venha todo de negro
Às de copas às de espadas
Quero escrever um poema
Como de sortes cruzadas

Quero escrever um poema
Como quem escreve o momento
Cheiro de terra molhada
Abril com chuva por dentro
E este ramo de alfazema
Por sobre a tua almofada
Quero escrever um poema
Que seja de tudo ou nada

Um poema não sei de quê
Que traga a notícia louca
Da história que ninguém crê
Ou esta afta na boca
Esta noite sem sentido
Coisa pouca coisa pouca
Tão aquém do pressentido
Que me dói não sei porquê

Quero um poema ao contrário
Deste estado que padeço
Meu cavalo solitário
A cavalgar no avesso
De um verso que não conheço

Que venha de capa e espada
Ou de chicote na mão
Sobre esta noite acordada
Quero um poema noitada
Um poema até mais não

Quero um poema que diga
Que nada há que dizer
Senão que a noite castiga
Quem procura uma cantiga
Que não é de adormecer

Poema de amor e morte
No reino da Dinamarca
Ser ou não ser eis a sorte
O resto é silêncio e dor
Poema que traga a marca
Do Castelo de Elsenor

Quero o poema que me dê
Aquela música antiga
Da Provença e da Toscânia
Vinho velho de Chianti
Com Ezra Pound em Rapallo
E versos de Cavalcanti
Ou Guilherme de Aquitânia
Dormindo sobre um cavalo

E com ele então dizer
O meu poema está feito
Não sei de quê nem sobre quê

Dormindo sobre um cavalo

Quero o poema perfeito
Que ninguém há-de escrever
Que ele traga a estrela negra
Do canto e da solidão
Ou aquela toutinegra
De Camões quando escrevia
Sôbolos rios que vão

Que venha como um destino
Às de copas às de espadas
Que venha para viver
Que venha para morrer
Se tiver que ser será
E não há cartas marcadas
Só assim poderá ser
O poema que não há

Pronto para Receber a Felicidade

Estava tudo pronto para receber a felicidade,
e tu não vinhas.

Amei-te muito antes de te amar. Éramos o que
os amantes eram e nem precisávamos de
corpo para isso, porque o que dizíamos nos
satisfazia, e sempre que a vida acontecia era um
ao outro que tínhamos de falar. Se há coisa que
temo no mundo é o teu fim. Passo horas a sentir-me
indestrutível, a ter a certeza de que nada me
toca, de que nada me poderá doer o suficiente para
me fazer recuar, e depois vens tu. Tu e a tua imagem
a perder de vista, os teus olhos quando me olhas, a
tua boca quando me falas, e é então que percebo
que sou finito, pobre humano, e desato a chorar à
procura do telefone e de uma palavra tua que
me convença de que ainda existes. É na possibilidade
do teu fim que encontro a humildade.

Era o dia mais lindo de sempre na terra onde eu estava,
e tu não vinhas.

Não se sabe onde acaba o mundo mas eu sei que
a vida acaba no fundo dos teus lábios.

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Sobre a Palavra

Entre a folha branca e o gume do olhar
a boca envelhece

Sobre a palavra
a noite aproxima-se da chama

Assim se morre dizias tu
Assim se morre dizia o vento acariciando-te a cintura

Na porosa fronteira do silêncio
a mão ilumina a terra inacabada

Interminavelmente

Anda vem…

Anda vem…, porque te negas,
Carne morena, toda perfume?
Porque te calas,
Porque esmoreces,
Boca vermelha – rosa de lume?

Se a luz do dia
Te cobre de pejo,
Esperemos a noite presos num beijo.

Dá-me o infinito gozo
De contigo adormecer
Devagarinho, sentindo
O aroma e o calor
Da tua carne, meu amor!

E ouve, mancebo alado:
Entrega-te, sê contente!
– Nem todo o prazer
Tem vileza ou tem pecado!

Anda, vem!… Dá-me o teu corpo
Em troca dos meus desejos…
Tenho saudades da vida!
Tenho sede dos teus beijos!

Canção porque (não) Morres

Este é o último livro, prometia
como alguém que tivesse esquecido
que assim sempre tinha sido – aquele
era o último e depois que alguém viesse
fechar a porta contra o som do mar.
– Pagava por jogar no escuro
e por aqueles ardis já gastos
com que pensava e não pensava
enganar a morte branca e vermelha.
– Ah e não esqueças: – deitar fora a chave

Canção como não morres
se é a morte que em ti sobe até à fonte
do sangue, até à flor do sal queimando
os dedos; até à boca que por te cantar
se acende negra; até à copa
das árvores que distribuem o sol
sobre o corpo morto do amor
amante e desamado?

Ou antes: de que morres, por que morres
tu, canção já sem voz, já
sem o canto,
– já sem outro assunto
de momento, me despeço de todos vós-
quem falou agora? – Que importa quem falou?
– Que importa? Nada e nonada. E, sim, tudo
é tudo o que importa, para quem veio
mandado a que chamasses quem
tivesse chamado.

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Palavra de Homem

Um pouco de amargura não resolve.
Um pouco de amargura
se dissolve,
se nesta cidade
não conheces o outro
que está perto e pouco.

A palavra de homem em tua boca
espera a palavra e o nome
de peso e cobre.
Espera a voz do outro
que acusa a palavra pouca
e explode a armadura
dessa amargura rouca.

Falar não salva o homem.
– Estás na outra
palavra do outro
perto e solto.
Falar não abre a porta
não abre a cela
não salva o foco
de tuas chagas.
Falar só salva, salvo
se o outro
do outro lado
fale por tua boca:
– a fala pouca
que te dissolve
a arma pura
desta amargura
que não resolve.

Não!

Tenho-te muito amor,
E amas-me muito, creio:
Mas ouve-me, receio
Tomar-te desgraçada:
O homem, minha amada,
Não perde nada, goza;
Mas a mulher é rosa…
Sim, a mulher é flor!

Ora e a flor, vê tu
No que ela se resume…
Faltando-lhe o perfume,
Que é a essência dela,
A mais viçosa e bela
Vê-a a gente e… basta.
Sê sempre, sempre, casta!
Terás quanto possuo!

Terás, enquanto a mim
Me alumiar teu rosto,
Uma alma toda gosto,
Enlevo, riso, encanto!
Depois terás meu pranto
Nas praias solitárias…
Ondas tumultuárias
De lágrimas sem fim!

À noite, que o pesar
Me arrebatar de cada,
Irei na campa rasa
Que resguardar teus ossos,
Ah! recordando os nossos
Tão venturosos dias,
Fazer-te as cinzas frias
Ainda palpitar!

Mil beijos, doce bem,
Darei no pó sagrado,
Em que se houver tornado
Teu corpo tão galante!
Com pena, minha amante,
De não ter a morte
Caído a mim em sorte…
Caído em mim também!

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Sou um guardador de rebanhos

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar numa flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei da verdade e sou feliz.

Irmão

Eu não fiz uma revolução.
Mas me fiz irmão de todas as revoluções.
Eu fiquei irmão de muitas coisas no mundo.
Irmão de uma certa camisa.
Uma certa camisa que era de um gesto de céu
e com certo carinho me vestia, como se me
vestisse de árvore e de nuvens.
Eu fiquei irmão de uma vaca, como se ela
também sonhasse. Fiquei irmão de um vira-lata
com o brio com que ele também me abraçava.
Fiquei irmão de um riacho, que é nome
de rio pequeno, um pequeno que cabe
todo dentro de mim, me falando,
me beijando, me lambendo, me lembrando.
Brincava e me envolvia, certos dias eu
girava em torno do redemoinho do cachorro
e do riacho e da vaca, sem às vezes saber
se estava beijando o riacho, o cachorro
ou a vaca, com um grande céu
me entornando, com um grande céu
com a vaca no lombo e com o cão,
com o riacho rindo de nós todos.
Eu fiquei irmão de livros, de gentes.
Eu fiquei irmão de uma certa montanha.

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Madrigal Excentrico

Tu que não temes a Morte,
Nem a sombra dos cyprestes,
Escuta, Lyrio do Norte,
Os meus canticos agrestes:

……………………………………
……………………………………
……………………………………
……………………………………

Tu ignoras os desgostos
D’um coração torturado,
Mais tristes do que os soes postos,
Ou de que um bobo espancado!

Eu bem sei, ó Musa louca
Que não conheces a magoa…
E tens um riso na boca
Como um cravo aberto n’agua…

Eu bem sei… bem sei que ris
Dos meus madrigaes modernos.
Sem cuidar, ó flor de liz!
Que hão de chegar-te os invernos!

Que nos corre a Mocidade,
Qual folha verde do val,
E ha de vir-te a tempestade,
Ó branco lyrio real!

Que has de ser como a açucena
Varrida pelo nordeste…
E os prantos da minha pena
Que hão de regar teu cypreste!

Que ha de a terra agreste e dura
Servir-te de ultimo leito…
E a pedra da sepultura
Quebrar teu corpo perfeito!

E has de, emfim, ser devorada
Na fria noute,

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Hino à Dor

Sorri com mais doçura a boca de quem sofre,
Embora amargue o fel que os seus lábios beberam;
É mais ardente o olhar onde, como um aljofre,
A Dor se condensou e as lágrimas correram.

Soa, como se um beijo ou uma carícia fosse,
A voz que a soluçar na Desgraça aprendeu;
E não há para nós consolação mais doce
Que o regaço de quem muito amou e sofreu.

Voz, que jamais vibrou num soluço de mágoa,
Ao nosso coração nunca pode chegar…
Mas o pranto, ao cair duns olhos rasos de água,
Torna mais penetrante e mais profundo o olhar.

Lábio, que só bebeu na fonte da Alegria,
É frio, como o olhar de quem nunca chorou;
A Bondade é uma flor que se alimenta e cria
Dos resíduos que a Dor no coração deixou.

Em tudo quanto existe o Sofrimento imprime
Uma augusta expressão… mesmo a Suprema Graça,
Dando aos versos do Poeta esse esmalte sublime
Que torna imorredoira a Inspiração que passa.

É por isso que a Dor, sem trégua nem guarida,

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Opiário

Ao Senhor Mário de Sá-Carneiro

É antes do ópio que a minh’alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.

Esta vida de bordo há-de matar-me.
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
já não encontro a mola pra adaptar-me.

Em paradoxo e incompetência astral
Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
Onda onde o pundonor é uma descida
E os próprios gozos gânglios do meu mal.

É por um mecanismo de desastres,
Uma engrenagem com volantes falsos,
Que passo entre visões de cadafalsos
Num jardim onde há flores no ar, sem hastes.

Vou cambaleando através do lavor
Duma vida-interior de renda e laca.
Tenho a impressão de ter em casa a faca
Com que foi degolado o Precursor.

Ando expiando um crime numa mala,
Que um avô meu cometeu por requinte.
Tenho os nervos na forca, vinte a vinte,
E caí no ópio como numa vala.

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O Abraço

(excerto)

Não vês inda, de gosto sufocados,
Um noutro nossos peitos esculpidos?
Não sentes nossos rostos tão chegados
E ainda mais os corações unidos?
Oh! Mais, mais do que unidos!
Tu fizeste, Doce encanto, que eu fosse mais que teu.
Lembra, lembra-te quando me disseste:
– Meu bem, eu não sou tu?… Tu não és eu?

Goza, de todo goza o teu amante;
E unidos ambos… -Oh!… e estás tão perto!…
Meu bem, deliro, sonho ou estou desperto?
Ambos unidos em mimoso laço,
Faces, bocas unidas… Ah! que faço?…
É ar… Quando que a abraço me parece,
A mim me abraço e em ar se desvanece.
Mas que duvido com abraço estreito
Cingir-me?… Dize, não és seu, meu peito?…
[…]
Goza, meu bem (enquanto a Sorte avara
Com tanta crueldade nos separa)
Goza do alívio, que nos concedeu,
De dizer com certeza: É minha! – É meu!…