Poemas sobre Cadeia

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Poemas de cadeia escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Noivado

Vês, querida, o horizonte ardendo em chamas?
Além desses outeiros
Vai descambando o sol, e à terra envia
Os raios derradeiros;
A tarde, como noiva que enrubesce,
Traz no rosto um véu mole e transparente;
No fundo azul a estrela do poente
Já tímida aparece.

Como um bafo suavíssimo da noite,
Vem sussurrando o vento
As árvores agita e imprime às folhas
O beijo sonolento.
A flor ajeita o cálix: cedo espera
O orvalho, e entanto exala o doce aroma;
Do leito do oriente a noite assoma
Como uma sombra austera.

Vem tu, agora, ó filha de meus sonhos,
Vem, minha flor querida;
Vem contemplar o céu, página santa
Que amor a ler convida;
Da tua solidão rompe as cadeias;
Desce do teu sombrio e mudo asilo;
Encontrarás aqui o amor tranqüilo…
Que esperas? que receias?

Olha o templo de Deus, pomposo e grande;
Lá do horizonte oposto
A lua, como lâmpada, já surge
A alumiar teu rosto;
Os círios vão arder no altar sagrado,
Estrelinhas do céu que um anjo acende;

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O Sentimento dum Ocidental

I

Avé-Maria

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!

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Carta à Minha Filha

Lembras-te de dizer que a vida era uma fila?
Eras pequena e o cabelo mais claro,
mas os olhos iguais. Na metáfora dada
pela infância, perguntavas do espanto
da morte e do nascer, e de quem se seguia
e porque se seguia, ou da total ausência
de razão nessa cadeia em sonho de novelo.

Hoje, nesta noite tão quente rompendo-se
de junho, o teu cabelo claro mais escuro,
queria contar-te que a vida é também isso:
uma fila no espaço, uma fila no tempo
e que o teu tempo ao meu se seguirá.

Num estilo que gostava, esse de um homem
que um dia lembrou Goya numa carta a seus
filhos, queria dizer-te que a vida é também
isto: uma espingarda às vezes carregada
(como dizia uma mulher sozinha, mas grande
de jardim). Mostrar-te leite-creme, deixar-te
testamentos, falar-te de tigelas – é sempre
olhar-te amor. Mas é também desordenar-te à
vida, entrincheirar-te, e a mim, em fila descontínua
de mentiras, em carinho de verso.

E o que queria dizer-te é dos nexos da vida,
de quem a habita para além do ar.

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A Vida

Ó grandes olhos outomnaes! mysticas luzes!
Mais tristes do que o amor, solemnes como as cruzes!
Ó olhos pretos! olhos pretos! olhos cor
Da capa d’Hamlet, das gangrenas do Senhor!
Ó olhos negros como noites, como poços!
Ó fontes de luar, n’um corpo todo ossos!
Ó puros como o céu! ó tristes como levas
De degredados!

Ó Quarta-feira de Trevas!

Vossa luz é maior, que a de trez luas-cheias:
Sois vós que allumiaes os prezos, nas cadeias,
Ó velas do perdão! candeias da desgraça!
Ó grandes olhos outomnaes, cheios de Graça!
Olhos accezos como altares de novena!
Olhos de genio, aonde o Bardo molha a penna!
Ó carvões que accendeis o lume das velhinhas,
Lume dos que no mar andam botando as linhas…
Ó pharolim da barra a guiar os navegantes!
Ó pyrilampos a allumiar os caminhantes,
Mais os que vão na diligencia pela serra!
Ó Extrema-Uncção final dos que se vão da Terra!
Ó janellas de treva, abertas no teu rosto!
Thuribulos de luar! Luas-cheias d’Agosto!
Luas d’Estio! Luas negras de velludo!
Ó luas negras,

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As Palavras de Adeus

A realidade é maior que a verdade meu amor
somos mais do que o sol e do que o mar e
em nenhuma metáfora cabemos
mesmo quando dizemos eu
sou a música tu és o luar

com cadeias de ferro nos unimos
em nosso nome jurámos
pelas cascas dos frutos bebemos
de mel silvestre nos alimentámos

mas de fora sempre ficou
algo que nos próprios sentimentos já não coube
e um gosto que indicou algo
que a boca já dizer não soube

entre as coisas as palavras e a sua mudez
paira a irrealidade de
que nos fizemos
nem uma só vez foram verdade as
palavras de adeus que nos dissemos

Lisboa perto e longe

Lisboa chora dentro de Lisboa
Lisboa tem palácios sentinelas.
E fecham-se janelas quando voa
nas praças de Lisboa – branca e rota
a blusa de seu povo – essa gaivota.

Lisboa tem casernas catedrais
museus cadeias donos muito velhos
palavras de joelhos tribunais.
Parada sobre o cais olhando as águas
Lisboa é triste assim cheia de mágoas.

Lisboa tem o sol crucificado
nas armas que em Lisboa estão voltadas
contra as mãos desarmadas – povo armado
de vento revoltado violas astros
– meu povo que ninguém verá de rastos.

Lisboa tem o Tejo tem veleiros
e dentro das prisões tem velas rios
dentro das mãos navios prisioneiros
ai olhos marinheiros – mar aberto
– com Lisboa tão longe em Lisboa tão perto.

Lisba é uma palavra dolorosa
Lisboa são seis letras proibidas
seis gaivotas feridas rosa a rosa
Lisboa a desditosa desfolhada
palavra por palavra espada a espada.

Lisboa tem um cravo em cada mão
tem camisas que abril desabotoa
mas em maio Lisboa é uma canção
onde há versos que são cravos vermelhos
Lisboa que ninguem verá de joelhos.

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Ode Marítima

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,

Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.

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Paixão Secreta

Acordei com os primeiros pássaros,
já minha lâmpada morria.
Fui até à janela aberta e sentei-me,
com uma grinalda fresca
nos cabelos desatados…
Ele vinha pelo caminho
na névoa cor de rosa da manhã.
Trazia ao pescoço
uma cadeia de pérolas
e o sol batia-lhe na fronte.
Parou à minha porta
e disse-me ansioso:
— Onde está ela?
Tive vergonha de lhe dizer:
— Sou eu, belo caminhante,
sou eu.

Anoitecia
e ainda não tinham acendido as luzes.
Eu atava o cabelo, desconsolada.
Ele chegava no seu carro
todo vermelho, aceso pelo sol poente.
Trazia o fato cheio de poeira.
Fervia a espuma
na boca anelante dos seus cavalos…
Desceu à minha porta
e disse-me com voz cansada:
— Onde está ela?
Tive vergonha de lhe dizer:
— Sou eu, fatigado caminhante,
sou eu.

Noite de Abril.
A lâmpada arde neste meu quarto
que a brisa do Sul
enche suavemente.
O papagaio palrador
dorme na sua gaiola.
O meu vestido é azul
como o pescoço dum pavão,

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Os Amantes

Amor, é falso o que dizes;
Teu bom rosto é contrafeito;
Busca novos infelizes
Que eu inda trago no peito
Mui frescas as cicatrizes;

O teu meu é mel azedo,
Não creio em teu gasalhado,
Mostras-me em vão rosto ledo;
Já estou muito escaldado,
Já d’águas frias hei medo.

Teus prémios são pranto e dor;
Choro os mal gastados anos
Em que servi tal senhor,
Mas tirei dos teus enganos
O sair bom pregador.

Fartei-te assaz a vontade;
Em vãos suspiros e queixas
Me levaste a mocidade,
E nem ao menos me deixas
Os restos da curta idade?

És como os cães esfaimados
Que, comendo os troncos quentes
Por destro negro esfolados,
Levam nos ávidos dentes
Os ossos ensanguentados.

Bem vejo a aljava dourada
Os ombros nus adornar-te;
Amigo, muda de estrada,
Põe a mira em outra parte
Que daqui não tiras nada.

Busca algum fofo morgado
Que, solto já dos tutores,
Ao domingo penteado,
Vá dizendo à toa amores
Pelas pias encostado;

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Em Viagem

Desde aquela dor tamanha
Do momento em que parti
Um só prazer me acompanha,
Filha, o de pensar em ti:

Por sobre a negra paisagem
Do meu ermo coração
O luar branco da tua imagem
Veste um benigno clarão.

A tarde, no azul celeste,
Há uma estrela esmorecida,
Que é o beijo que tu me deste
Na hora da despedida.

Beijo tão longo e dolente,
Tão longo e cortado de ais,
Que o meu coração pressente
Que não te torno a ver mais.

Conto no céu estrelado
Lágrimas de oiro sem fim:
É o pranto que tens chorado,
De dia e noite, por mim…

Quando me deito na cama
E vou quase adormecido,
Oiço a tua voz que me chama,
Num suplicante gemido.

Num gemido tão suave,
Tão triste na noite escura,
Que é como uma queixa d’ave
Presa numa sepultura!…

Em sonho, às vezes, meu Deus,
Cuido que vou expirar,
Sem levar nos olhos meus
O teu derradeiro olhar.

E sem extremo conforto
Que eu ness’hora quero ter:
Beijar a fronte do morto
Aquela que o fez viver.

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A Invenção do Amor

Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de apa-
relhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da
nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor

Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia
quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo

Um homem uma mulher um cartaz de denúncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou A TV anuncia
iminente a captura A polícia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta
fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes
que a invenção do amor se processe em cadeia

Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos

(…)

Na Cadeia os Bandidos Presos!

Na cadeia os bandidos presos!
O seu ar de contemplativos!
Que é das flores de olhos acesos?!
Pobres dos seus olhos cativos.

Passeiam mudos entre as grades,
Parecem peixes num aquário.
_ Campo florido das Saudades,
Porque rebentas tumultuário?

Serenos… Serenos… Serenos…
Trouxe-os algemados a escolta.
_ Estranha taça de venenos
Meu coração sempre em revolta.

Coração, quietinho… quietinho…
Porque te insurges e blasfemas?
Pschiu… Não batas… Devagarinho…
Olha os soldados, as algemas!

Amor a Amor Nos Convida

Com dura e branda cadeia,
Com facho activo e suave,
De seus mistérios co’a chave,
Amor entre nós volteia:
Já deprime, já gloreia,
Já dá morte, já dá vida;
E nesta incessante lida,
Que em si traz, que em si contém,
Com o mal, e com o bem,
Amor a amor nos convida.