Poemas sobre Calma de Machado de Assis

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Poemas de calma de Machado de Assis. Leia este e outros poemas de Machado de Assis em Poetris.

Noivado

VĂŞs, querida, o horizonte ardendo em chamas?
Além desses outeiros
Vai descambando o sol, e Ă  terra envia
Os raios derradeiros;
A tarde, como noiva que enrubesce,
Traz no rosto um véu mole e transparente;
No fundo azul a estrela do poente
Já tímida aparece.

Como um bafo suavĂ­ssimo da noite,
Vem sussurrando o vento
As árvores agita e imprime às folhas
O beijo sonolento.
A flor ajeita o cálix: cedo espera
O orvalho, e entanto exala o doce aroma;
Do leito do oriente a noite assoma
Como uma sombra austera.

Vem tu, agora, Ăł filha de meus sonhos,
Vem, minha flor querida;
Vem contemplar o céu, página santa
Que amor a ler convida;
Da tua solidĂŁo rompe as cadeias;
Desce do teu sombrio e mudo asilo;
Encontrarás aqui o amor tranqĂĽilo…
Que esperas? que receias?

Olha o templo de Deus, pomposo e grande;
Lá do horizonte oposto
A lua, como lâmpada, já surge
A alumiar teu rosto;
Os cĂ­rios vĂŁo arder no altar sagrado,
Estrelinhas do céu que um anjo acende;

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A Caridade

Ela tinha no rosto uma expressĂŁo tĂŁo calma
Como o sono inocente e primeiro de uma alma
Donde nĂŁo se afastou ainda o olhar de Deus;
Uma serena graça, uma graça dos céus* *,
Era-lhe o casto, o brando, o delicado andar,
E nas asas da brisa iam-lhe a ondear
Sobre o gracioso colo as delicadas tranças.

Levava pela mão duas gentis crianças.

Ia caminho. A um lado ouve magoado pranto.
Parou. E na ansiedade ainda o mesmo encanto
Descia-lhe às feições. Procurou. Na calçada
Ă€ chuva, ao ar, ao sol, despida, abandonada
A infância lacrimosa, a infância desvalida,
Pedia leito e pĂŁo, amparo, amor, guarida.

E tu, Ăł Caridade, Ăł virgem do Senhor,
No amoroso seio as crianças tomaste,
E entre beijos – só teus — o pranto lhes secaste
Dando-lhes leito e pĂŁo, guarida e amor.

Os Dois Horizontes

Dois horizontes fecham nossa vida:

Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hĂŁo de chegar;
No presente, — sempre escuro,—
Vive a alma ambiciosa
Na ilusĂŁo voluptuosa
Do passado e do futuro.

Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vĂ´o das andorinhas,
A onda viva e os rosais;
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal Ă© na hora presente
O horizonte do passado.

Ou ambição de grandeza
Que no espĂ­rito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
Ă€ alma convalescente,
Tal Ă© na hora presente
O horizonte do futuro.

No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espĂ­rito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente Ă© passado,
Nunca o futuro Ă© presente.

Que cismas, homem? – Perdido
No mar das recordações,

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Visio

Eras pálida. E os cabelos,
AĂ©reos, soltos novelos,
Sobre as espáduas caĂ­am…
Os olhos meio cerrados
De volĂşpia e de ternura
Entre lágrimas luziam…
E os braços entrelaçados,
Como cingindo a ventura,
Ao teu seio me cingiam…

Depois, naquele delĂ­rio,
Suave, doce martĂ­rio
De pouquĂ­ssimos instantes,
Os teus lábios sequiosos,
Frios, trĂŞmulos, trocavam
Os beijos mais delirantes,
E no supremo dos gozos
Ante os anjos se casavam
Nossas almas palpitantes…

Depois… depois a verdade,
A fria realidade,
A solidĂŁo, a tristeza;
Daquele sonho desperto,
Olhei… silĂŞncio de morte
Respirava a natureza —
Era a terra, era o deserto,
Fora-se o doce transporte,
Restava a fria certeza.

Desfizera-se a mentira:
Tudo aos meus olhos fugira;
Tu e o teu olhar ardente,
Lábios trêmulos e frios,
O abraço longo e apertado,
O beijo doce e veemente;
Restavam meus desvarios,
E o incessante cuidado,
E a fantasia doente.

E agora te vejo. E fria
Tão outra estás da que eu via
Naquele sonho encantado!

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