Poemas sobre Corpo

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Poemas de corpo escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Saudade

Ter saudade
é vaga disforme de um corpo.
Ter saudade
é pássaro que aparece e se apaga
erguido de confusão
na angústia, teste dado à natureza
bruxuleante dentro de mim.
Ter saudade
é fingir qualquer coisa que inquieta,
levantada, desenterrada do crivo da memória.
Por vezes quando o tempo por ela passa
não passa o tempo da saudade,
estátua rígida dum destino anoitecido,
passa um nada meio acontecido.
Saudade,
é filha da alma do mundo
que de tanto ser outro
sou eu já.
Saudade,
porque viajas cansada
em horas dentro de mim?
Saudade
que vieste até à última força desta linha,
brumosa da eterna caminhada.
Sempre que vieres
sem avisares
leva-me contigo
para que a paz volte
à memória de meu corpo
como o rio que passa
no tempo final da minha natureza.

A Eterna Ausência

Eu aguardei com lágrimas e o vento
suavizando o meu instinto aberto
no fumo do cigarro ou na alegria das aves
o surgimento anónimo
no grande cais da vida
desse navio nocturno
que me trazia aquela com lábios evidentes
e possuindo um perfil indubitável,
mulher com dedos religiosos
e braços espirituais…

Aquela mulher-pirâmide
com chamas pelo corpo
e gritos silenciosos nas pupilas.

Amante que não veio como a noite prometera
numa suspensa nuvem acordar
meu coração de carne e alguma cinza…

Amante que ficou não sei aonde
a castigar meus dias involúveis
ou a afogar meu sexo na caveira
deste carnal desespero!…

Em Todas as Ruas te Encontro

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto    tão perto    tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

Estou Cansado

Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo…
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.

Não Trago Recordações

Não trago recordações.
Escolheria as que não interessam a ninguém.
Como se erguesse contra mim o tiro de uma arma
ou acabasse de ler as disposições da comuna
sobre as mulheres.
Precisamos um do outro
esta noite

ferido por uma bala.

Os dois os três dias que se vão seguir.
Os envelopes foram destruídos.
As coisas
as cartas

o tempo é sempre magnífico.
Terra povoada de gente
mil e uma coisas que fazem uma arma
soltar o corpo
para o corpo de outro corpo.

As frases começadas
hei-de um dia os mundos desta vida.

Que não Arrefeça em Nós

Que não arrefeça em nós
nem a luz nem o fogo
e que a fome entardecida
pela penumbra da fadiga dos olhos
nunca renuncie ao sabor dos frutos
ou à febre da sede dos lábios.
Assim se faça tudo, amor,
à medida do que se ama,
que o corpo prostrado pelo êxtase
não conhece tréguas nem assombro.
Desenha-me na paz dos azulejos
com o meu perfil de ave anoitecida
e inaugura no meu peito
a festa circular dos dedos
tatuando ilhas em redor do coração.
Esquiva, demoras-te no verso
o instante de lume de uma revelação
e quando voltas é sempre
com uma promessa de partida
e quando partes é sempre
com um anúncio de caos, de temor
na clara água do olhar. Deixo-te agora
amar, indefesa, para resgate da alma.

Por uma Noite de Outomno

Por uma noite de outomno
Lá n’essa nave sombría,
Hei-de contigo deitar-me,
Mulher branca e muda e fria!

Hei-de possuir na morte
O teu corpo de marfim,
Mulher que nunca me olhaste,
Que nunca pensaste em mim…

E quando, no fim do mundo,
A trombêta, além, se ouvir,
Apertar-te-hei mais ainda,
– Não te deixarei partir!

A tua boca formosa
Será sempre dos meus beijos;
E o teu corpo a minha patria,
A patria dos meus desejos.

Poema do Futuro

Conscientemente escrevo e, consciente,
medito o meu destino.

No declive do tempo os anos correm,
deslizam como a água, até que um dia
um possível leitor pega num livro
e lê,
lê displicentemente,
por mero acaso, sem saber porquê.
Lê, e sorri.
Sorri da construção do verso que destoa
no seu diferente ouvido;
sorri dos termos que o poeta usou
onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo;
e sorri, quase ri, do íntimo sentido,
do latejar antigo
daquele corpo imóvel, exhumado
da vala do poema.

Na História Natural dos sentimentos
tudo se transformou.
O amor tem outras falas,
a dor outras arestas,
a esperança outros disfarces,
a raiva outros esgares.
Estendido sobre a página, exposto e descoberto,
exemplar curioso de um mundo ultrapassado,
é tudo quanto fica,
é tudo quanto resta
de um ser que entre outros seres
vagueou sobre a Terra.

Morrer de Amor

Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso

Já não Escreverei Romances

Já não escreverei romances
Nem contos da fada e o rei.
Vão-se-me todas as chances
De grande escritor. Parei.
Mas na chispa do verso,
Com Marga a aquecer-me,
Já não serei disperso
Nem poderei perder-me.
Tudo nela é verbo e vida;
Xale, cílio, tosse, joelho,
Tudo respinga e acalma.
Passo, óculos, nada é velho:
Quase corpo, menos que alma.
Já não lavrarei novelas,
Ultrapassado de ficto:
A vida dá-me janelas
A toda a extensão do dicto.
Mas sem elas, mas sem elas
(As suas mãos) fico aflito.

Se a Vida Fosse Sempre Vida

Felizes, cujos corpos sob as árvores
Jazem na úmida terra,
Que nunca mais sofrem o sol, ou sabem
Das doenças da lua.

Verta Eolo a caverna inteira sobre
O orbe esfarrapado,
Lance Netuno, em cheias mãos, ao alto
As ondas estoirando.

Tudo lhe é nada, e o próprio pegureiro
Que passa, finda a tarde,
Sob a árvore onde jaz quem foi a sombra
Imperfeita de um deus,

Não sabe que os seus passos vão cobrindo
O que podia ser,
Se a vida fosse sempre vida, a glória
De uma beleza eterna.

À Memória de Minha Mãe

Mãe! Morreste!
Agora é tão tarde para te dizer as palavras necessárias.
O relógio bateu duas e meia. É noite escura
E a dor galopa surdamente no meu peito.
Teu corpo jaz ainda morno, já sem interesse para ti.
Por tua causa, amanhã, movimentar-se-ão pessoas
Diversas
Que não te conheceram.
Serão preenchidos papéis: requerimentos, boletins;
Pás ou picaretas (nem eu sei) ferirão a terra
E sobre ela erguerão, depois, um número qualquer
Que será de futuro o teu bilhete de identidade.
Agora, porém, tudo ainda é quieto.
Só um galo canta, feliz, na sua inconsciência de ser vivo.
As lágrimas rompem-me incontroláveis e inúteis.
É tarde!
Já só existem saudades e fotografias.
As palavras que eu amaria ter-te dito
Sobem-me ao silêncio dos lábios cerrados.
Lá fora a chuva molha a madrugada
Enquanto os familiares se olham
Com o rosto congestionado de lágrimas
E sono interrompido,
Adorando-te em silêncio,
Mais que nunca,
— Esmagados pelo prestígio da morte.

Só de Restos se Consagra o Tempo

Só de restos se consagra o tempo, força
cerrada na inutilidade destas
cores campestres, quando o sol em Novembro
escurece os sobreiros. Só de restos me
espera a cerimónia de viver,
trânsito e transigência do silêncio,
ocultado no meu corpo. Só de restos
o trespassa o tempo, máscara e manto. Morro
muito antes da morte, sem saber se os anjos
foram gaivotas hirtas no piedoso
musgos dos rios ou se hão-de ser maçãs
ou ciência, loendros ou lembrança,
inocentes, lúcidos sonos ou oblata
de seda, a deus cedida, em pagamento
da paz. Só do que chega ao fim, se corrompe
e apodrece, se imagina o princípio,
a majestade das coisas, o silêncio
irrevelado que o corpo desconhece.

Queixa das almas jovens censuradas

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida,

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Natal Diferente

I

Catedrais de luz erguidas na cidade.
Neve artificial nas montras com brinquedos.
Soa um Cântico antigo no vento da tarde
que arrefece. Em cada rosto, em cada olhar,
um não-sei-quê de pasmo nesta hora de Natal.

Não é serenidade o que se bebe pelas ruas.
Cinzenta é a cor do céu. Decerto vai chover.
No ambiente superficial
representam-se alegrias.
As notícias nos jornais agravam
o cepticismo deste Natal a haver.

Sinto-me vazio. Lasso. Sem vontade.
Uma grande ternura a boiar dentro de rnirn:
Lástima, piedade, amor pelos humanos?
Mas de que serve comover-me assim?

Vou aceitar este Natal, tal como está.
Com álcool. Com prazer.
Embriagar-me de luz, de sons e de ilusões.
Ser como toda a gente. E possa o mundo arder!

II

Meu Menino Jesus que deves estar no Céu
vem tiritar nas cidades sem calor.
Vem dar realidade a este dia, vem!
— Trinta e três anos e a consciência em flor.
Mas não venhas de fraldas: a Estrela já brilhou.
Traz o corpo macerado,

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Amar é a Mais Alta Constelação

Aqui ficam as coisas.

Amar é a mais alta constelação.

Os sapatos sem dono
tripulando
na correnteza-espaço
em que deitamos.

As minhas mãos telhado
no teu rosto de pombas.

Os corpos
circulando
na varanda dos braços.

É a mais alta constelação.

Porque é Tão Ansiosamente que Espero por Ti?

Porque é tão ansiosamente que espero por ti?
Sabias ocultar entre os teus menores movimentos
a lembrança de um corpo e de um ardor sem música
nem esquecimento possível. Quantas cidades
atravessámos, quantos «grandes são os desertos e tudo é deserto»,
quanto alimento para os cães da memória! Deixa-os,
consente o esquecimento, solta com raiva das tuas veias
a música, regressa ao lugar donde partiste. Peço-te,
regressa. Nós nunca acordamos conformes,
nenhuma cifra nos devolverá o número mágico,
vestimo-nos sem convicção e pedimos emprestadas
fórmulas antigas. Da nossa idade
guardámos alguns emblemas, alguns maneirismos.
Acredita-me: é o momento de nos abandonarmos
à necessidade, de açularmos os cães, de sermos nós mesmos
um inquietante rosnido entre as frestas do muro.
Regressemos, não há Ítaca possível, os corpos desfizemo-los
na mesma erosão do seu mágico movimento.
Porque é tão ansiosamente que espero por ti
se nenhuma luz mais cabe no terror de mim?

Pobre Tysica!

Quando ella passa á minha porta,
Magra, livida, quazi morta,
E vae até á beira-mar,
Labios brancos, olhos pizados:
Meu coração dobra a finados,
Meu coração poe-se a chorar…

Perpassa leve como a folha,
E suspirando, ás vezes, olha
Para as gaivotas, para o Ar:
E, assim, as suas pupillas negras
Parecem duas toutinegras,
Tentando as azas para voar!

Veste um habito cor de leite,
Saiinha liza, sem enfeite,
Boina maruja, toda luar:
Por isso, mal na praia alveja,
As mais suspiram com inveja:
«Noiva feliz, que vaes cazar…»

Triste, acompanha-a um Terra-Nova
Que, dentro em pouco, á fria cova
A irá de vez acompanhar…
O chão desnuda com cautella,
Que Boy conhece o estado d’ella:
Quando ella tosse, poe-se a uivar!

E, assim, sósinha com a aia,
Ao sol, se assenta sobre a praia,
Entre os bébés, que é o seu logar…
E o Oceano, tremulo avôzinho,
Cofiando as barbas cor de linho,
Vem ter com ella a conversar…

Fallam de sonhos, de anjos,

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Mais Nada se Move em Cima do Papel

mais nada se move em cima do papel
nenhum olho de tinta iridescente pressagia
o destino deste corpo

os dedos cintilam no húmus da terra
e eu
indiferente à sonolência da língua
ouço o eco do amor há muito soterrado

encosto a cabeça na luz e tudo esqueço
no interior desta ânfora alucinada

desço com a lentidão ruiva das feras
ao nervo onde a boca procura o sul
e os lugares dantes povoados
ah meu amigo
demoraste tanto a voltar dessa viagem

o mar subiu ao degrau das manhãs idosas
inundou o corpo quebrado pela serena desilusão

assim me habituei a morrer sem ti
com uma esferográfica cravada no coração

O Chão é Cama para o Amor Urgente

O chão é cama para o amor urgente,
amor que não espera ir para a cama.
Sobre tapete ou duro piso, a gente
compõe de corpo e corpo a húmida trama.

E para repousar do amor, vamos à cama.